Acórdão nº 4784/12.5TBSTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelMANUEL DOMINGOS FERNANDES
Data da Resolução09 de Janeiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 4784/12.5TBSTS.P1-Apelação Origem: Comarca do Porto-Póvoa de Varzim-Inst. Central-2ª Secção Cível-J4 Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Miguel Baldaia 2º Adjunto Des. Jorge Seabra Sumário: I- Só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do citado artigo 615º.

II- Quando se impugne a matéria de facto, não basta identificar meios de prova e afirmar-se, com base neles, que a aquela deve ser alterada, a parte terá de elaborar e expor uma análise crítica da prova formalmente análoga à realizada pelo juiz e concluir no sentido que pretende.

III- Na aferição da existência de responsabilidade adveniente da culpa in contrahendo, haverá que ter em consideração a disciplina decorrente do artigo 483.º do CCivil e igualmente os princípios gerais reguladores da responsabilidade contratual, designadamente o disposto no artigo 798.º do mesmo diploma legal.

IV- Neste tipo de responsabilidade a indemnização abrange o interesse contratual negativo, podendo, em casos limites e de acordo com as circunstâncias concretas do caso, incluir o interesse contratual positivo, nomeadamente se já existia um acordo global e faltava apenas a formalização do negócio.

V- A qualidade de mero possuidor ou detentor precário, não impede, só por si, a aplicação do regime do citado artigo 1273.º referente às benfeitorias necessárias e úteis.

VI- Segundo o artigo 342.º, nº 1, do CCivil, incumbe a quem invocar o direito a indemnização por realização de benfeitorias o ónus de provar as características das obras efectuadas com vista à respectiva qualificação à luz do disposto no citado artigo 216.º, bem como a possibilidade de remoção das benfeitorias sem detrimento da coisa benfeitorizada, para os efeitos do disposto no artigo 1273.º do CC.

VII- O detrimento a que pode dar lugar o levantamento das benfeitorias úteis refere-se não a estas, mas à coisa benfeitorizada, daí que, independentemente da situação subjectiva do possuidor, seja juridicamente irrelevante que do levantamento das benfeitorias resulte o detrimento destas.

VIII- Não é através da ampliação do âmbito do recurso que a apelada pode promover a reapreciação da decisão que admitiu o incidente de oposição, essa reapreciação só podia ser feita mediante impugnação autónoma ou recurso subordinado (artigos 633.º e 644.º, nº 3 do CPCivil).

*I-RELATÓRIO Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B…, Lda com sede na Rua …, nº …, 1º, freguesia de …, Trofa, veio intentar a presente acção declarativa, de condenação, com processo comum contra C… e mulher, D…, residentes na Rua …, nº …, Póvoa de Varzim, pedindo que a presente acção seja julgada procedente por provada e, em consequência: a) seja declarado que a autora é dona e legítima possuidora da fracção “A” do prédio identificado em 3º e 4º da petição inicial; b) sejam condenados os réus a tal reconhecerem e a entregarem tal fracção à autora livre de pessoas e bens e no estado em que a receberam, ou seja, em grosso; c) bem como a pagarem-lhe a quantia de 12 mil euros acrescida de mil euros por cada mês de ocupação até efectiva entrega.

Invoca para tal os factos constantes da petição inicial e que, em seu entender, a resultarem provados, levariam à procedência dos pedidos deduzidos.

*Os réus contestaram, invocando a sua ilegitimidade passiva, mais impugnando motivadamente alguns dos factos alegados pela autora e, deduzindo igualmente pedido reconvencional, pedem a condenação da autora a pagar-lhes a quantia de 60 mil euros a título de indemnização por responsabilidade pré-contratual.

*Replicou a autora, pugnando pela improcedência da invocada excepção de ilegitimidade, bem como pela improcedência do pedido reconvencional.

*Por articulado de fls. 91 e ss. veio “E…, Lda”, deduzir incidente de oposição espontânea, pedindo que: 1 – Deve ser recebido o presente articulado de incidente de oposição espontânea e a aqui requerente ser admitida a intervir nos presentes autos na qualidade de opoente, com as legais consequências processuais; 2 – Deve, em consequência, nos termos e com os fundamentos vertidos no presente articulado que aqui se reiteram na íntegra, a autora, “B…, Lda.”, ser condenada a pagar à sociedade ora requerente a quantia de € 171.075,32 (cento e setenta e um mil e setenta e cinco euros e trinta e dois cêntimos), acrescida de juros, calculados à taxa legal desde a data da notificação da presente peça processual até integral pagamento, com as legais consequências; 3 – Sempre deverá a mesma autora ser condenada a pagar à sociedade ora requerente o valor indicado no item precedente, a título indemnizatório e com base no enriquecimento sem causa, o que subsidiariamente se invoca; 4 – Deve, nos termos e com os fundamentos vertidos no presente articulado que aqui se reiteram na íntegra, ser reconhecido o direito de retenção por parte da ora requerente relativamente ao imóvel devidamente identificado no item 3º da p. i., mais tarde designado como fracção autónoma “A” do prédio em propriedade horizontal em questão, enquanto não lhe for paga pela autora a quantia indicada no item anterior; 5 – Como tal, deve ser julgado improcedente o pedido formulado pela autora na sua petição inicial.

*Por despacho de fls. 148 o incidente de oposição espontânea foi admitido liminarmente, sendo ordenada a notificação das partes primitivas para o contestarem.

*A autora contestou, pugnando pela improcedência do pedido deduzido.

*Replicou a opoente, terminando como na petição de oposição.

Foi realizada audiência prévia, onde foi proferido despacho saneador que, tabelarmente, considerou as partes legítimas, admitiu o pedido reconvencional deduzido pelos réus, identificou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova.

*A fls. 245 a 248, veio a autora deduzir ampliação do pedido, pedindo que seja admitida a ampliação, designadamente no que diz respeito ao agora, e em alternativa, peticionado na nova al. d) do petitório inicial, o qual deverá passar a ser como segue: d) condenados os réus, caso não procedam à entrega da fracção autónoma no estado em que a receberam, ou seja, em grosso, a indemnizar a autora pelo custo das obras de demolição do edificado na fracção autónoma, para transformação da mesma em SPA, bem como o transporte dos entulhos para vazadouro próprio, no montante que se liquida em € 15.220,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor no momento do pagamento da demolição e transporte dos entulhos para vazadouro, com todas as devidas e legais consequências.

*A opoente, não se opondo à ampliação, pugnou pela sua improcedência.

*Os réus opuseram-se parcialmente à admissão da ampliação.

*Por despacho de fls. 261, foi admitida parcialmente a ampliação do pedido alternativo, admitindo-se o mesmo, com a seguinte redacção: “d) condenados os réus, caso não procedam à entrega da fracção autónoma no estado em que a receberam, ou seja, em grosso, a indemnizar a autora pelo custo das obra de demolição do edificado na fracção autónoma, para transformação da mesma em SPA, bem como o transporte dos entulhos para vazadouro próprio”.

*Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais.

*A final foi proferida sentença cuja parte dispositiva é do seguinte teor: a) declara-se que a autora é dona e legítima possuidora da fracção “A” do prédio identificado em 3º e 4º da petição inicial.

  1. condenam-se os réus a tal reconhecerem e a entregarem tal fracção à autora livre de pessoas e bens e no estado em que a receberam, ou seja, em grosso.

  2. condenam-se os réus a pagar à autora a quantia de € 1.000,00 por cada mês de ocupação, contados desde 23 de Novembro de 2012 (data da citação para a presente acção) até à data da entrega da fracção.

  3. condenam-se os réus, caso não tenham procedido à entrega da fracção autónoma no estado em que a receberam, ou seja, em grosso, a indemnizar a autora pelo custo das obras de demolição do edificado na fracção autónoma, para transformação da mesma em SPA, bem como o transporte dos entulhos para vazadouro próprio, em valor a liquidar em ulterior incidente de liquidação.

  4. absolvem-se os réus do restante peticionado.

  5. absolve-se a autora do pedido reconvencional deduzido.

  6. absolve-se a autora dos pedidos deduzidos pela opoente espontânea.

    *Não se conformando com o assim decidido vieram os Réus interpor o presente recurso concluindo as suas alegações pela forma seguinte:

  7. Na data da citação para a acção de reivindicação não há qualquer facto que permita concluir que eram os Réus quem detinha a fracção reivindicada; b) Por maioria de razão (pois que quem não detém não pode ocupar) inexiste fundamento em que possa assentar a conclusão de que essa ocupação se verificava “pelo menos desde a data da citação para a presente acção”.

  8. O que se retira da matéria provada é que na fracção se instalou um estabelecimento comercial que a sociedade E… montou e explorou com o consentimento da autora até Agosto de 2012, altura em que esse estabelecimento encerrou.

  9. A partir dessa data e até à entrega da fracção à autora, a dita sociedade manteve-se, como até aí se mantinha, na posse das chaves do imóvel.

  10. Não consta dos autos, nem da prova gravada, que após o encerramento do estabelecimento comercial (Agosto de 2012), o imóvel tivesse sido entregue, ou sido cedido pela E… aos réus ou, por qualquer forma, posto à disposição dos Réus pela dita sociedade, designadamente entregando-lhes as chaves.

  11. Ao invés, como se encontra provado e assente, após o encerramento do estabelecimento apenas a sociedade possuía as chaves (como, de resto até aí só ela as tinha) mantendo assim na sua esfera jurídica a disponibilidade de aceder livremente à fracção e, inclusive, de poder reatar em qualquer altura, a sua actividade comercial, pois lá tinha instalado um estabelecimento comercial completo e pronto a retomar o seu funcionamento.

  12. O Tribunal “a quo” tratou esta específica e decisiva matéria sem cuidar de...

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