Acórdão nº 1247/10.7T2AVR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelMANUEL DOMINGOS FERNANDES
Data da Resolução13 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 1247/10.7T2AVR.P1-Apelação Origem: Comarca de Aveiro-Aveiro-Inst. Central-1ª Secção Cível-J3 Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Miguel Baldaia 2º Adjunto Des. Jorge Seabra Sumário: I- Na reapreciação da prova a Relação goza da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção.

II- Numa situação jurídica com elementos que pertencem uma ordem normativa diversa da portuguesa, a dar, portanto, lugar a um conflito de leis internacionais, tal circunstância coloca um problema a solucionar pelas regras de conflito do direito internacional privado.

III- Nos termos do artigo 36.º, nº 1 do CCivil-lei reguladora dos negócios jurídicos-embora a forma da declaração negocial seja regulada pela lei aplicável à substância do negócio é, porém, em princípio, suficiente a observância da lei em vigor no lugar em que é feita a declaração.

IV- Tendo as escrituras de compra e de venda sido celebradas nos Estado Unidos da América-Estado de Cannecticut-relativas a imóveis aí situados, a forma de declaração negocial a observar é a que resulta da lei em vigor nesse Estado e não a existente em Portugal, devendo tais documentos ser devidamente valorados para efeitos probatórios dos referidos actos jurídicos.

V- Há um princípio de unidade e universalidade da herança que impõe que, em processo de inventário, todos os bens devam ser considerados na partilha, sejam situados em território nacional sejam situados no estrangeiro, razão pela qual o valor dos bens imóveis que existiam à data da abertura da sucessão situados no estrangeiro deva ser descrito no inventário, nomeadamente, para efeitos de cálculo da legítima (artigo 2162.º, nº 1 do CCivil).

VI- O cômputo da herança para efeitos de cálculo da legítima deve ser todo ele aferido a um único momento, o da abertura da sucessão, sendo que é por referência a essa data que aquele cálculo se efectuará e com os valores que os bens tenham a essa data, sendo que, naqueles bens se englobam só os deixados no momento da abertura da sucessão in integrum, os relicta, e já não as categorias de bens referidos no artigo 2069.º do CCivil, pois que estes últimos, que surgem após tal abertura, terão de ser tomados em linha de conta, mais tarde, para efeitos de liquidação e partilha da herança.

VII- Nos termos do artigo 2069.º al. b) do CCivil fazem parte da herança o preço dos bens alienados e, portanto, no inventário respectivo deve ser relacionado o preço da referida alienação.

VIII- Estando provado a venda de determinados bens imóveis após a abertura da sucessão por preço cujo montante não se conseguiu apurar não pode, o pedido formulado numa acção, após a remessa dos interessados para os meios no âmbito do inventário, ser resolvida apenas por recurso às regras da repartição do ónus da prova.

IX- Tratando-se de situações que merecem a tutela jurídica e verificando-se a existência de uma lacuna, deve a situação ser resolvida segunda a norma que o próprio interprete criaria se tivesse que legislar dentro do espírito do sistema (artigo 10.º, nº 3 do CCivil).

X- E, assim, não se provado o preço da venda deve ser relacionado o valor que os referidos imóveis tinham à data da abertura da sucessão por recurso à criação de uma nova alínea no artigo 2069.º do CCivil do seguinte teor: “No caso previsto na alínea anterior se não for possível determinar o preço da alienação atender-se-á ao valor dos bens à data da abertura da sucessão”.

XI- O depósito bancário, em sentido próprio, é um depósito em dinheiro, constituído junto de um banqueiro”, tratando-se de operação associada a uma abertura de conta.

XII- Nas contas de depósito solidárias qualquer um dos titulares tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral, o mesmo é dizer, o reembolso de toda a quantia depositada, caso em que a prestação assim efectuada liberta o devedor (banco depositário) para com todos eles (cf. art.º 512.º do Código Civil).

XIII. Questão diversa é saber qual a quota-parte que cada um dos titulares detém no saldo da conta solidária, impondo-se distinguir entre “titularidade da conta” e “propriedade dos fundos”.

XIV- Em princípio apenas devem ser relacionados os saldos bancários que existiam à data da abertura da sucessão.

XV- Apenas existirá um crédito da herança sobre o interessado que procedeu ao levantamento de parte ou da totalidade do saldo se for alegado e provado que tal levantamento foi feito contra a vontade do de cujus, cabendo o ónus da prova a quem pretenda obter o relacionamento de tal quantia.

*I-RELATÓRIO Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B…, divorciado, residente em …, …, …, EUA, instaurou a presente acção contra C…, viúva, residente na Rua …, nº .., ….-… …, Murtosa, pedindo que: a) Seja decidido que o valor dos bens que o casal da D… e marido, E…, na data da morte daquela, em 7/10/73, possuía no Estado de Connecticut, EUA, e identificados no artigo 23º da P.I., bem como o valor do empréstimo referido no artigo 43º da mesma peça, devem ser descritos no inventário para partilha da herança aberta por morte da mulher, para efeitos de cálculo da legítima de cada interessado; b) Seja o seu valor desses bens actualizado, com reporte à presente data, ou, se na data da avaliação já tiverem sido realizadas as licitações no processo de inventário, reportado à data dessas licitações; c) Se não for possível a obtenção do valor de todos ou de qualquer deles pelo modo anteriormente referido, seja decidido que o valor é correspondente ao preço de venda comprovado pela respectiva escritura/título de venda, actualizado para o seu valor aquisitivo na presente data; d) Seja decidido que o cônjuge E…, por ter vendido todos esses bens depois da morte da esposa, ficou constituído na obrigação de dar à partilha da herança da esposa, a realizar em Portugal e no referido processo de inventário, o respectivo valor, no montante global não inferior a 1.150.000,00 USD; e) Não tendo o E…, no referido processo de inventário por morte de sua primeira esposa, relacionado nem dado à partilha, o valor, em poder dele, dos referidos bens situados nos EUA, seja decidido que a respectiva herança, igualmente objecto de partilha no mesmo inventário, está constituída na posição de devedora e na obrigação, a título de dívida passiva, de pagar à herança por morte daquela esse mesmo valor de 1.150.000,00 USD e ou o seu equivalente em euros, ou o que, se for diferente, vier a resultar da sua avaliação–sendo sempre o valor em causa previamente corrigido e actualizado para o seu valor aquisitivo actual em função do tempo decorrido desde a venda dos bens até à presente data, ou, na pior das hipóteses, acrescido de juros à taxa legal desde a data da venda-, devendo esse pagamento ser feito directamente ao cabeça de casal ou ao interessado ou interessados a quem tiver vindo ou vier a ser adjudicada a verba ou verbas correspondentes; f) Seja decidido que as quantias depositadas nas contas bancárias referidas no art. 74º da P.I., discriminadas nos artigos 76º, 78º a 87º, igualmente da P.I., no total de 402.603,45 €, e, bem assim, as quantias referidas nos artigos 108º a 125º e 129º do referido articulado, no total de 404.045,93 €, e, finalmente, as quantias discriminadas nos artigos 160º a 282º, também da P.I., no total de 730.526,56 €, pertenciam e pertencem à herança aberta por morte da mãe do autor, D…, sendo propriedade ou parte integrante dessa mesma herança, devendo, e, em consequência- sendo sempre o valor em causa previamente corrigido e actualizado para o seu valor aquisitivo actual em função do tempo decorrido desde a venda dos bens até à presente data, ou, na pior das hipóteses, acrescido de juros à taxa legal desde a data da venda -, ser descritas no respectivo processo de inventário e aí consideradas para efeito de cálculo da legítima e da partilha entre os respectivos interessados, ou, para a hipótese de se vir a entender que, no seu todo ou apenas algumas delas, não pertenciam àquela herança da mãe do autor, que–apenas essas-pertenciam então e pertencem à herança aberta por morte do pai do autor, devendo, em consequência, ser descritas no respectivo processo de inventário e aí consideradas para efeito de cálculo da legítima e da partilha entre os respectivos interessados; g) Se decida que a ré utilizou abusivamente, em proveito próprio e de terceiros da sua confiança, com a activa colaboração deles, e com directo prejuízo, de igual valor, para a herança a que pertenciam, as quantias mencionadas na alínea antecedente e não arroladas no apenso A; h) Seja decidido que a ré está obrigada a restituir, pagando, tais quantias– devidamente actualizadas ou acrescidas dos juros como anteriormente se refere- directamente ao cabeça de casal da respectiva herança, que actualmente é o autor, ou ao interessado ou interessados a quem tiver vindo ou vier a ser adjudicada a verba ou as verbas correspondentes, condenando-se a ré a reconhecer e aceitar tal decisão e, em consequência a) a subscrever e apresentar, no processo de inventário por morte do E…, na respectiva qualidade de cabeça de casal, relação de bens adicional com o valor dos bens aludidos nas anteriores alíneas a), b), c) e d), a título de dívida passiva da respectiva herança à herança aberta por morte da D…; i) A ré seja condenada pagar as quantias mencionadas nas anteriores alíneas, no total de 1.537.175,94 €, deduzido das quantias arroladas, e com o respectivo saldo devidamente actualizado, ao cabeça de casal no inventário por morte da D… ou ao interessado ou interessados a quem tiver vindo ou vier a ser adjudicada tal quantia ou quantias e a verba ou verba correspondentes.

j) Se por hipótese se vier a decidir que as quantias referidas em vez de pertencerem à herança por morte da D…, pertenciam ao E… deverão no seu todo ou apenas algumas delas, em tal caso, as que o forem, ser consideradas bem pertencente à respectiva herança...

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