Acórdão nº 383/03.0TBCPV.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelMIGUEL BALDAIA DE MORAIS
Data da Resolução13 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 383/03.0TBCPV.P2 Origem: Comarca de Aveiro, Castelo de Paiva – Instância Local – Secção de Competência Genérica, Juiz 1 Relator: Miguel Baldaia Morais 1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra 2º Adjunto Des. José Sousa Lameira* Sumário I - Para efeito de determinação da “justa indemnização” a que alude o artigo 23º do Código das Expropriações, relevam as circunstâncias e condições de facto existentes à data da publicação da declaração de utilidade pública, não só quanto ao destino efetivo dos bens em causa, como também quanto ao destino possível numa utilização económica normal.

II- A locução “junto da parcela” utilizada nas alíneas e) e i) do nº 7 do artigo 26º do Código das Expropriações não significa contiguidade, abrangendo as situações de proximidade da parcela expropriada.

III- No cálculo do rendimento fundiário do terreno devem relevar as suas potencialidades produtivas no estado existente à data da declaração de utilidade pública, com base nas culturas predominantes, ainda que se encontre ocasionalmente sem cultivo ou apenas com aproveitamento residual, desde que tais potencialidades subsistam.

IV- Quando o solo tenha sido qualificado como terreno apto para outros fins estará, por via de regra, afastada a sua potencialidade edificativa como seria suposto para admitir o aproveitamento da parcela para fins turísticos.

V- No âmbito do processo de expropriação apenas serão indemnizáveis os prejuízos patrimoniais subsequentes, derivados ou laterais que sejam consequência direta e necessária da expropriação parcial do prédio, não abrangendo já aqueles que têm com a expropriação parcial do prédio apenas uma relação indireta.

VI- Na avaliação de uma parcela de terreno apto para agricultura de regadio, os tanques de rega, minas e muros de suporte nele existentes não constituem benfeitorias passíveis de serem autonomamente indemnizadas.

VII- A conclusão de que a parte não expropriada ficou objetivamente depreciada pela divisão do prédio tem de ser vista tendo por referência o princípio base do valor real e corrente do bem à data da declaração de utilidade pública enunciado no nº 1 do art. 23º do Código das Expropriações, devendo essa depreciação ser medida em função dos constrangimentos decorrentes da ablação e não por referência ao seu valor intrínseco.

VIII- A decisão arbitral em processo de expropriação constitui uma verdadeira decisão judicial proveniente de um tribunal arbitral necessário, aplicando-se, por isso, ao recurso que incide sobre a mesma o regime dos recursos estabelecido no Código do Processo Civil, com as necessárias adaptações.

IX- Contudo, essa decisão arbitral não faz caso julgado quanto às qualificações feitas pelos árbitros e critérios por eles utilizados na determinação do valor da indemnização devida ao expropriado.

X- Em caso de expropriação parcial, o arrendatário rural tem direito a ser indemnizado em razão da parte do locado expropriado, sendo que nesse cômputo se abrangem todas as suas perdas patrimoniais, não só os prejuízos mas, também, os benefícios deixados de obter (v.g.

valores dos frutos pendentes ou de colheitas inutilizadas), calculados nos termos gerais de direito.

*Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I- RELATÓRIO Nos presentes autos de expropriação é expropriante IEP – Instituto das Estradas de Portugal e expropriados B…[1], na qualidade de proprietária, e C…, na qualidade de arrendatário, com sinais nos autos.

Por despacho do Secretário de Estado de Obras Públicas de 2 de Julho de 2002, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação das parcelas de terreno necessárias à construção da obra variante à E.N. J… em … e variante E.N. K… entre a E.N. J… e a E.N. L…, de entre as quais, a n.º … pertencente à aqui expropriada B…, sita no Lugar …, Freguesia de …, concelho de Castelo de Paiva, sendo que o prédio onde está inserida a parcela encontra-se inscrito na respetiva matriz predial rústica o artigo 936 estando omisso na Conservatória do Registo Predial de Castelo de Paiva.

Efetuada a vistoria ad perpetuam rei memorium (cfr. fls. 25 e seguintes), procedeu-se, de seguida à respetiva arbitragem nos termos legais, que fixou o valor da indemnização em €225.129,62 referente à proprietária e €16.668,60 referente ao arrendatário (cfr. fls. 95 e seguintes). Foi realizado o depósito da quantia arbitrada (fls. 283).

Depois de notificada da decisão arbitral, veio, inconformada com ela, a expropriada B… interpor recurso (cfr. fls. 121 e seguintes), alegando em síntese: (i) o preço real e corrente do custo da construção na ótica do comprador, na localidade em que se situa a parcela é de 765,00€ e é este o valor que terá de ser adotado; a parcela tinha excecionais características ambientais e estava próxima do centro de Castelo de Paiva e do grande Porto, pelo que a percentagem atribuída nos termos do n.º 6 do art. 26º do CE deve ser 13%; (ii) a parcela era servida por caminho público parcialmente calçado, rede telefónica e rede de distribuição de energia elétrica, devendo-se ainda acrescentar mais 3%; (iii) deve ser fixada para todos os produtos hortícolas a percentagem de 60%; (iv) deverá utilizar-se um fator de correção de 25% que corresponderá à mais-valia resultante da facilidade de escoamento dos produtos; (v) os valores das benfeitorias calculados na arbitragem pecam por defeito, uma vez que o custo da construção é inferior ao valor de mercado das benfeitorias e do aumento de valor que estas provocaram no prédio; (vi) a nova via construída sobre a parcela expropriada dividiu a área mais importante do prédio e desvalorizou em pelo menos 25.000,00€ para cada uma das duas casas aí existentes; (vii) a constituição de uma servidão non aedificandi, nas duas parcelas sobrantes da quinta, implica uma desvalorização de 60% do valor do solo para outros fins e de 80% do solo urbano; (viii) a parte sobrante desvalorizou pela poluição visual e sonora devendo ser compensada por uma indemnização nunca inferior a 60.768,75€, que corresponde a uma desvalorização de 15% relativamente à parcela a norte da via e de 20% a sul da mesma; (ix) existe ainda outra gleba da quinta, composta por pinhal, com 2000m2 que ficou isolada em resultado da expropriação, devendo ser compensada em 26.391,00€; (x) a quinta necessita de uma ponte para manter a sua unidade, que custará pelo menos 40.000,00€.

Conclui dizendo que o valor da indemnização a atribuir à expropriada deverá ser de €502.053,33.

A entidade expropriante veio igualmente interpor recurso da decisão arbitral (cfr. fls. 158 e seguintes), alegando, em suma, que: (i) o solo expropriado deve ser classificado como solo apto para outros fins no que respeita a 12.822 m2 e como solo apto para construção no que se refere a 1350 m2; (ii) no que respeita ao solo apto para outros fins, 10.250 m2 devem ser considerados e calculados tendo por base um aproveitamento agrícola, com rotatividade de culturas, enquanto os restantes 2.572 m2 devem ser avaliados considerando um aproveitamento exclusivamente florestal; (iii) as benfeitorias existentes em solo apto para construção não podem ser objecto de indemnização; não deve ser atribuída qualquer indemnização às benfeitorias determinantes para a avaliação do terreno florestal (árvores) e agrícola (os muros de vedação, os tanques em pedra e as minas); (iv) o valor das benfeitorias encontra-se excessivamente valorizado; (v) não existe contrato de arrendamento e, em todo o caso, qualquer indemnização que venha a ser paga a um eventual arrendatário influenciará o valor da indemnização a pagar ao expropriado proprietário, diminuindo o valor desta.

Conclui dizendo que o valor da indemnização a atribuir à expropriada proprietária nunca poderá ultrapassar os €70.001,00 e a indemnização a atribuir ao eventual expropriado arrendatário nunca deverá ser superior a €.2.613,75.

A expropriada B… e a entidade expropriante vieram, respetivamente, responder ao recurso interposto pela parte contrária, pugnando pela improcedência de cada um deles.

O expropriado arrendatário, C…, veio igualmente interpor recurso (fls. 274 e seguintes) da decisão arbitral, alegando, em síntese, que: (i) o valor da decisão arbitral que lhe foi atribuído deve ser considerado na sua totalidade, ou seja, em €33.337,20; (ii) ficou privado das ferragens ou pastagens que obtinha da área expropriada para alimento dos animais que criava e cujo rendimento lhe cabia por inteiro, assim como em relação ao mato e lenha que obtinha da parte não agricultada; (iii) não foi considerada a produção de vinho e da fruta e seu rendimento, que lhe cabia pela metade; (iv) pelo que ao valor de €33.337,20, deverá acrescentar-se o montante de €20,000,00.

Procedeu-se à avaliação, tendo os peritos indicados pelo tribunal e pelos expropriados, calculado o montante indemnizatório (i) a atribuir aos proprietários em 291.540,00€, e (ii) a atribuir ao arrendatário em 33.056,00€. Por seu turno, o perito indicado pela entidade expropriante indicou o montante indemnizatório (i) a atribuir aos proprietários em 82.692,66€, e (ii) a atribuir ao arrendatário em 6.689,28€.

Pelos peritos foram prestados esclarecimentos (cfr. fls. 897 e seguintes, 908 e seguintes e 959), tendo sido ouvida uma testemunha arrolada pelos expropriados (fls. 959).

Expropriante e expropriados apresentaram alegações, nos termos do art. 64º do Código de Expropriações.

Foi então proferida sentença na qual se decidiu julgar: a)- Parcialmente procedente o recurso interposto pela expropriada B… e, em consequência, fixar a indemnização global que deve ser atribuída por Infraestruturas de Portugal, S.A. aos proprietários, em 291.540,00€, com referência à data da DUP, acrescida da quantia correspondente à atualização daquela, de acordo com os índices de preços no consumidor, com exclusão da habitação, contada desde a data da publicação da declaração de utilidade pública, quantias essas que se atribuem aos expropriados; b)- Parcialmente procedente o recurso interposto pelo...

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