Acórdão nº 1875/16.7YLPRT-B.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE SEABRA
Data da Resolução13 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 1875/16.7YLPRT-B-P1 - Apelação Origem: VN Gaia – Instância Local- Secção Cível – J3.

Relator: Jorge Seabra 1º Adjunto Des.

Sousa Lameira.

  1. Adjunto Des.

Oliveira Abreu*Sumário (Elaborado pelo Relator): I. Deduzido pedido incidental de despejo imediato, a única defesa possível para o arrendatário obstar ao despejo será a prova do pagamento ou do depósito das rendas vencidas na pendência da acção ou procedimento, podendo este depósito ser efectuado a título condicional, no caso de o mesmo entender que as rendas não são devidas.

  1. Discutindo o Requerido a qualificação jurídica do contrato (contrato de arrendamento versus contrato promessa de compra e venda), o despejo imediato deverá, ainda assim, ser decretado se do contrato junto (obrigatoriamente reduzido a escrito) e da sua exegese resultar a inequívoca demonstração da existência de um contrato de arrendamento [ainda que associado a uma opção de compra e promessa de compra e venda], se estiver previsto o pagamento de uma contrapartida mensal, a título de renda, pela gozo do prédio em causa e até à data em que tenha lugar a dita opção de compra(sendo certo que, no caso, essa opção de compra não teve lugar).

*Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto: I-RELATÓRIO 1.

B… e C…, melhor identificados nos autos, instauraram processo especial de despejo contra D… e E…, pedindo, a final, que seja decretada a cessação do contrato de arrendamento que invocaram nos autos com a consequente desocupação do locado.

*2.

Com data de 14.09.2016 foi proferido o seguinte despacho: «Quanto ao mais, considerando que a acção deu entrada em Juízo a 27.06.2016 sem que se mostrem depositadas as rendas vencidas desde a instauração do processo, de harmonia com o disposto no art. 14º, n.º 4 do NRAU, determino se notifique expressamente os Réus para, em 10 dias, procederem ao seu pagamento ou depósito e ainda da importância da indemnização devida, juntando prova aos autos.»*3.

Por despacho de 31.10.2016 foi proferida a seguinte decisão (ora recorrida): «Os Requeridos, apesar de notificados para procederem ao pagamento das rendas vencidas na pendência do procedimento, juntando prova aos autos, nada vieram dizer, nem depositar ou pagar.

Se, na pendência do procedimento especial de despejo, o requerido não proceder ao pagamento ou depósito das rendas que se forem vencendo, nos termos previstos no art. 15º, n.º 8 do NRAU, o BNA converte o requerimento de despejo em título para desocupação efectiva do locado – cfr. art. 15º, n.º 1 al. c) do NRAU.

Assim sendo, determino que se comunique tal facto ao Balcão Nacional de Arrendamento nos termos e para os efeitos do disposto no art. 15º-E, n.º 1 al. c), da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro (na redacção introduzida pela Lei n.º 31/2012 de 14 de Agosto).

Notifique.

VNG, m.d.

»*4.

Não se conformando com este despacho, vieram interpor recurso os RR. D… e E…, em cujo âmbito deduziram as seguintesCONCLUSÕES A. A decisão de que se recorre é completamente omissa quanto aos factos que serviram para formar a sua convicção e aos motivos da mesma convicção; B. É completamente omissa quanto ao «itinerário cognoscitivo» quer quantos aos fundamentos de direito, por isso mesmo é nula nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 615º do CPC.

  1. Houve omissão de pronúncia em toda a matéria constante da oposição apresentada pelos agora apelantes, quanto ao pedido dos apelantes, violando o disposto no art. 608º, n.º 2 e art. 615º, n.º 1 al. d) do CPC; D. O Tribunal a quo deveria ter prosseguido com a fase contenciosa nos termos do artigo 15-H/2/3 do NRAU, apurando da existência de um contrato de arrendamento ou de um contrato promessa de compra e venda, da existência de rendas a pagar ou reforço de sinal.

  2. Pelo que deve o despacho de 31/10/2016 ser declarado nulo por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia e prosseguir o processo para a fase contenciosa.

Termos em que deve ser o despacho ser declarado nulo por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia e prosseguir para a fase contenciosa.

*5.

Não foram oferecidas contra-alegações.

*6.

Foram cumpridos os vistos legais.

*II- FUNDAMENTAÇÃO.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. arts. 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil [doravante designado apenas por CPC].

No seguimento desta orientação, as questões que se colocam nos presentes autos são as seguintes: a)- nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação; b)- nulidade do despacho por omissão de pronúncia; c)- revogação do despacho recorrido e prosseguimento dos autos para a «fase contenciosa».

*III- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.

  1. Nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação de facto e de direito: A primeira questão que importa dirimir, em função das conclusões do recurso, refere-se à alegada nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação de facto e de direito.

Vejamos.

Resulta do disposto no art. 607º, n.º 3 do CPC que, na elaboração da sentença, e após a identificação das partes e do tema do litígio, deve o juiz deduzir a fundamentação do julgado, explicitando «os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.» Esta regra, como é consabido, aplica-se não só à sentença final, mas, ainda, «com as necessárias adaptações» (art. 613º, n.º 3 do CPC) a qualquer despacho, designadamente, como ora sucede, ao despacho que pôs termo ao incidente de despejo imediato, previsto no art. 14º, n.º 5 da Lei n.º 6/2006 de 27.02, com a redacção introduzida pela Lei n.º 31/2012 de 14.08.

Por seu turno, sancionando o incumprimento desta injunção, prescreve o art. 615º, n.º 1 al. b) do CPC que é nula a sentença que «não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.» [sublinhado nosso] Com efeito, não basta que o juiz decida a questão posta; é indispensável, do ponto de vista do convencimento das partes, do exercício fundado do seu direito ao recurso sobre a mesma decisão (de facto e de direito) e do ponto de vista do tribunal superior a quem compete a reapreciação da decisão proferida e do seu mérito, conhecerem-se das razões de facto e de direito que apoiam o veredicto do juiz. [1] Neste sentido, a fundamentação da decisão deve ser expressa, clara, suficiente e congruente, permitindo, por um lado, que o destinatário perceba as razões de facto e de direito que lhe subjazem, em função de critérios lógicos, objectivos e racionais, proscrevendo, pois, a resolução arbitrária ou caprichosa, e por outro, que seja possível o seu controle pelos Tribunais que a têm de apreciar, em função do recurso interposto. [2] Todavia, ao nível da fundamentação de facto e de direito do despacho/sentença, como é lição da doutrina e da jurisprudência, para que ocorra esta nulidade «não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.» [3] [sublinhado nosso] Neste sentido, que é o tradicionalmente perfilhado, referia J. ALBERTO dos REIS [4], a propósito da especificação dos fundamentos de facto e de direito na decisão, que importa proceder-se à distinção cuidadosa entre a «falta de motivação, da motivação deficiente, medíocre ou errada.

O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.» [5] [sublinhado nosso] Todavia, a nosso ver, no actual quadro constitucional (artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa), em que é imposto um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, ainda que a densificar em concretas previsões legislativas (cfr. art. 154º do CPC), parece que também a fundamentação de facto ou de direito gravemente insuficiente, isto é, em termos tais que não permitam ao respectivo destinatário a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do acto decisório. [6] Feitas estas considerações, de todo o modo, no caso em apreço, é nosso julgamento que não ocorre a sobredita nulidade por falta de fundamentação de facto e/ou de direito.

Com efeito, do teor do despacho ora em apreço é perfeitamente possível alcançar o quadro factual e jurídico subjacente ao sentido decisório contido no despacho em causa, nomeadamente é possível alcançar, sem particular esforço, que a Srª Juiz considerou demonstrado que na pendência do presente procedimento especial de despejo instaurado pelos AA. contra os RR. e ora apelantes, estes últimos não tinham efectuado o pagamento ou comprovado o depósito das rendas vencidas durante a sua pendência - o que, diga-se, não foi posto em causa na sequência da notificação prevista no n.º 4 do art. 14º do NRAU -, pelo que, em razão do preceituado nos art. 15º, n.º 8 e 15º-E, n.º 1 al. c)- do NRAU (aditado pela Lei n.º 31/2012 de 14.08), o requerimento de despejo deveria ser convertido em título para a desocupação do locado, o que foi decidido.

Neste conspecto, estando em causa a decisão de um incidente de despejo imediato, cujos termos legais são limitados, compreendendo apenas o requerimento e a respectiva resposta, não é, regra geral, exigível uma particular uma...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT