Acórdão nº 121/15.5JAPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE LANGWEG
Data da Resolução08 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 121/15.5JAPRT.P1 Data do acórdão: 8 de Março de 2017 Relator: Jorge M. Langweg Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa Origem: Comarca do Porto Secção Central | Secção Criminal Sumário: Pode ser vítima de um crime de violência doméstica [artigo 152º, nº 1. al. b), do Código Penal] uma pessoa envolvida num relacionamento amoroso duradouro com o agente do crime, mesmo que esteja casada e coabite com outra pessoa.

Acordam os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto Nos presentes autos acima identificados, em que figura como recorrente o arguido B….

I - RELATÓRIO 1. No dia 11 de Novembro de 2016 foi proferido o acórdão recorrido no âmbito dos presentes autos, que terminou com a condenação do arguido nos seguintes termos: «Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem o presente Tribunal Colectivo em: Condenar o arguido B…, pelo cometimento de um crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152°, n.° 1, alínea b) do mesmo Código Penal, na pena de três anos de prisão, a qual, ao abrigo do disposto nos arts. 50º e 52º do Código Penal, se suspende na sua execução pelo mesmo período, sujeito à obrigação de o arguido não contactar a assistente e da frequência do Programa para Agressores de Violência Doméstica -PAVD, com a duração mínima de 18 meses, dinamizado pela DGRSP.

Absolver o arguido do crime de sequestro agravado de que vinha acusado.

Julgar procedente o pedido de indemnização civil e, em consequência, condenar o arguido a pagar à requerente civil a título de indemnização, a quantia de 2.016 €, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a notificação do pedido de indemnização civil e até efectivo e integral pagamento. (…).» 2. Inconformado com a decisão condenatória, o arguido interpôs recurso da mesma, terminando a motivação com a formulação das seguintes conclusões: «Foi o Recorrente condenado pela prática de um crime de violência doméstica p. e p. pelo Art. 152°, n° 1, aln b) do CP, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, proibição de contacto com a Assistente e frequência de Programa para Agressores de Violência Doméstica, taxa de justiça e custas e ainda no pedido civil de indemnização.

O Recorrente entende que dos autos e da audiência de julgamento não resultaram elementos suficientes para o tribunal poder dar por provados os factos que constituem os elementos do tipo legal de violência doméstica, entendendo por isso o Recorrente que há falta de análise crítica da prova e manifesta insuficiência da matéria de facto provada para aquela decisão condenatória e, por outro lado, existem nos autos elementos probatórios que, devida e correctamente valorados, deveriam ter levado o tribunal, necessariamente, a decidir de forma diferente a matéria de facto dada por provada, ocorrendo também por isso contradição entre a fundamentação e esta decisão, sendo estes os fundamentos legais do presente recurso (Art. 410°, n° 2, aln a) e b) do CPP).

Entende o Recorrente que, in casu, não se verificam os elementos necessários ao preenchimento do tipo legal de violência doméstica.

É elemento típico do tipo legal que entre o agente e a vítima exista um tipo especial de relacionamento de "namoro" ou outro análogo ao dos cônjuges.

Esta relação tem de ser caracterizada com elementos de facto concretos e seguros, já que tanto o namoro como a sociedade conjugal se caracterizam por um determinado número de factos e actuações conjuntas dos seus elementos, que permitam identificá-los como tal.

Por outro lado, o mais relevante é que os maus-tratos estejam de alguma forma concreta associados a uma posição de controlo ou domínio que o agente possa ter sobre a vítima.

Provou-se que o relacionamento entre o Recorrente e a Ofendida era ocasional, meramente sexual, adulterino, nunca tendo ambos ou qualquer deles tido qualquer intenção de ter outro tipo de relacionamento, nomeadamente de namoro, noivado, união de facto ou, mesmo, futuro casamento.  A Ofendida era e é casada e, em momento algum dos autos consta que alguma vez tivesse pretendido deixar o marido para ficar com o Recorrente ou para manter com este outro tipo qualquer de relacionamento afectivo.

Não existiu portanto nenhuma relação de controlo ou de domínio do Recorrente sobre a Ofendida.

Não se verifica por isso o elemento essencial do relacionamento afectivo entre o Recorrente e a Ofendida, para que o tipo legal de crime de violência doméstica seja preenchido.

Não podia por isso o Recorrente ter sido condenado pela prática deste crime, tendo o tribunal apreciado e decidido erradamente quanto à qualificação do relacionamento entre aquele e a Ofendida como sendo de namoro, tendo sido por isso interpretada erradamente e violada a norma do Art. 152° do CP.

Tal como resulta da prova documental e do registo digital das declarações do Recorrente, da Assistente e dos depoimentos de todas as testemunhas inquiridas, não poderia o tribunal decidir como decidiu a matéria de facto, uma vez que estas provas, devidamente valoradas, impunham uma decisão diferente.

O Recorrente considera que o tribunal julgou incorrectamente, ao dar por provados todos os factos da acusação, com excepção dos seguintes: - Que o Recorrente e a Ofendida se tenham conhecido em 2001, data em que foi contratada para trabalhar numa lavandaria daquele; Que a relação laboral tenha cessado em 2003;  - Que em 2011 o Recorrente tenha voltado a contratar a Ofendida, passando a mesma a trabalhar no estabelecimento comercial da rede "C…" sito na …, pela qual o Recorrente é responsável; Que, por várias vezes e após horário laboral, ambos se dirigiram, quer para motéis, quer para a residência do Recorrente, onde mantiveram relações sexuais; - O Recorrente considera que a prova resultante dos documentos constantes dos autos, das declarações prestadas na audiência e do depoimento das testemunhas inquiridas impunha uma decisão no sentido de dar por não provados todos aqueles pontos de facto constantes da acusação.

- A acusação baseia-se em 7 alegados episódios de violência e maus-tratos perpetrados pelo Recorrente sobre a Ofendida e, com excepção do episódio de 17/18 de Janeiro de 2015, todos os restantes episódios e respectivos factos estão relatados com utilização de fórmulas vagas e imprecisas, sem especificação das circunstâncias factuais que permitam concretizar as imputações.

Os pretensos actos ilícitos do Recorrente ocorrem sempre em data incerta e quase sempre sem se saber o local e circunstâncias próprias de cada episódio e as consequências das alegadas agressões são sempre "lesões no respectivo corpo e saúde", sem se saber quais terão sido em concreto tais lesões, em que parte ou partes do corpo da Ofendida terão as mesmas sido infligidas, se as mesmas foram graves ou leves, se deixaram marcas ou não...  E para sustentar e provar estas imputações descritas nestes seis episódios constantes da acusação e dados por provados no douto Acórdão, apenas existem as declarações da própria Ofendida, não existindo uma única testemunha, nenhum relatório médico, nem nenhuma participação criminal contemporânea...nada! Nenhuma prova foi oferecida e nenhuma foi produzida.

Ocorrendo a falta de especificação das circunstâncias factuais que permitam concretizar as expressões vagas e genéricas expendidas na acusação, existe insuficiência da matéria de facto para a decisão.

As imputações vagas e imprecisas são inadmissíveis em processo penal, já que impedem o exercício pleno do direito de defesa e contraditório e, por outro lado, impedem que o tribunal adquira a certeza e a segurança necessárias para julgar com justiça.

O Tribunal, na Motivação de facto da douta sentença, afirma ter formado a sua convicção na análise crítica do conjunto da prova produzida, dizendo que a mesma, apreciada de acordo com as regras da experiência e o normal suceder das coisas, terá sido suficiente para, para além de dúvida razoável, dar por assentes os factos que o foram.

O Recorrente entende, pelo contrário, que o Tribunal não fez a análise crítica da prova, conforme a Lei impõe, tendo-se limitado a aderir cegamente, de forma total e infundada, à tese da acusação e às declarações da Ofendida, dando por provados todos os factos que esta decidiu relatar nos autos e no seu depoimento.  Diz o Tribunal que as declarações da Ofendida se mostraram "sinceras" e que foram corroboradas pelo exame ao telemóvel da Ofendida, onde se encontram seis fotografias tiradas na casa do Recorrente, com registos cerca de 6 horas da manhã do citado dia 18.01 e pela localização celular do telemóvel da ofendida na zona da residência do Recorrente entre as 20,00h do dia 17.1.2016 e as 4,50h do dia seguinte.

O Recorrente entende que uma verdadeira análise crítica e isenta do depoimento da Ofendida revelaria, como revela efectivamente, a sua insinceridade, estando eivado de confabulações e contradições, como se demonstrará: A Ofendida começa o seu depoimento, praticamente, por referir que as ofensas do Recorrente eram praticadas sempre diante de testemunhas, e no entanto, não conseguiu indicar ou arrolar uma única testemunha que tenha presenciado um único acto de humilhação ou violência do Recorrente e as que indicou D…, E…, F… e G…), devidamente questionadas sobre a matéria, todas negaram alguma vez terem presenciado tais actos.

A Ofendida, ao longo do seu depoimento, tentou passar a imagem de uma mulher dominada pelo Recorrente, no entanto, contraditoriamente, ao longo do mesmo depoimento, por diversas vezes declarou e demonstrou precisamente o contrário, com afirmações de carácter e vontade fortes, independente e que não se deixa dominar por ninguém.  Não tinha a Ofendida qualquer dependência económica do Recorrente, tendo afirmado expressamente no seu depoimento, que nunca dependeu do mesmo e o próprio salário que auferia na lavandaria não era essencial à sua economia doméstica (1h45m).

A Ofendida declara que o Recorrente, na noite de 17 para 18 de Janeiro de 2015, lhe retirou o telemóvel cerca das 22,30...

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