Acórdão nº 7053/12.7TBVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE SEABRA
Data da Resolução27 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 7053/12.7TBVNG.P1 - Apelação Origem: VN Gaia – Instância Central – 3ª Secção Cível – J3 Relator: Jorge Seabra 1º Adjunto Des.

Sousa Lameira.

  1. Adjunto Des.

    Oliveira Abreu* *Sumário: I. Na prestação de serviços médicos por hospital privado, com escolha de médico pelo paciente, existe um vínculo contratual entre o hospital e o paciente e entre este último e o médico por si escolhido.

    1. Em acto médico do qual resultaram danos na integridade física do paciente existe um concurso aparente entre a responsabilidade civil aquiliana ou extracontratual e a responsabilidade contratual; Ainda assim, o regime aplicável será o da responsabilidade contratual por ser, em regra, o que se apresenta como o mais favorável ao lesado/doente.

    2. No âmbito de contrato de prestação de serviços médicos, com fins curativos ou terapêuticos, a obrigação do médico é, via de regra, uma obrigação de meios; Destarte, para a verificação do pressuposto de ilicitude não basta ao lesado demonstrar a não verificação ou a desconformidade do resultado almejado, sendo mister a demonstração de que o médico incumpriu as «leges artis» concretamente aplicáveis ao caso.

    3. Se a prestação de serviços médicos se reconduz à realização de um exame – colonoscopia -, sem fins curativos ou terapêuticos, é de considerar verificado o pressuposto da ilicitude quando a lesão sofrida (perfuração cólica) seja em altíssimo grau estranha ao cumprimento do fim do contrato (probabilidade inferior a 1%) e a sua gravidade resulte desproporcionada quando comparada com os riscos normais para o lesado, inerentes àquela concreta intervenção ou acto médico.

    4. Nas sobreditas circunstâncias, o consentimento informado do doente (o conhecimento de risco de perfuração cólica) não exclui a ilicitude do acto médico, pois que o consentimento não abrange a lesão física perpetrada.

    5. Verificada a ilicitude, por força do preceituado no art. 799º, n.º 1 do Código Civil incumbe ao médico afastar a presunção de culpa, comprovando que os procedimentos adoptados eram os exigidos pelas «legis artis» aplicáveis ao caso ou que a lesão sobreveio por causa de força maior e/ou facto imputável ao lesado.

    6. A responsabilidade objectiva do Hospital devedor dos serviços de saúde decorre do princípio geral previsto no art. 800º do Código Civil, segundo o qual o devedor que, para efeitos de cumprimento, lança mão de auxiliares – daí retirando vantagens -, deve, em contrapartida, aceitar o risco pelos prejuízos causados a terceiros, a título de culpa (mesmo que presumida), pelos seus auxiliares.

    7. Os actos dos auxiliares no cumprimento do contrato de prestação de serviços médicos (sejam eles dependentes ou independentes) são imputáveis ao devedor (Hospital) como se tivessem sido cometidos pelo próprio.

    * * Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:I - RELATÓRIO1.

    B…, residente no Porto, intentou a presente acção contra “ Hospital C… “, com sede em …, e D…, com domicílio profissional no aludido Réu, peticionando, a final, a condenação solidária dos RR. no pagamento da quantia de €100.000,00, acrescida de juros de mora a contar da citação.

    Para tanto, em síntese, invocou que foi submetida a intervenção médica levada a cabo pelo 2º Réu no âmbito de exame de colonoscopia, da qual resultou a perfuração de víscera oca e que lhe determinou que tivesse de ser operada com colocação de «saco» exterior para passagem das fezes.

    Fruto da actuação do 2º Réu sofreu danos patrimoniais, descritos nos autos, no valor de €11.258,42, e, ainda, danos não patrimoniais, que também elenca, e que avalia em €90.000,00.

    *2.

    Citados, contestaram os RR., negando a sua responsabilidade no evento em apreço, solicitando, ainda, a intervenção principal das respectivas Companhias de Seguros, intervenção que foi, nesses termos, deferida, como consta do despacho a fls. 197-199 dos autos.

    1. As aludidas Seguradoras ofereceram o seu respectivo articulado, impugnando a factualidade alegada e concluindo, a final, pela improcedência da pretensão da Autora.

    2. Foi dispensada a realização de audiência prévia, lavrando-se despacho de saneamento, com fixação dos temas de prova.

      Foram, ainda, admitidos os meios de prova oferecidos e requeridos pelas partes.

    3. Realizado o julgamento foi proferida sentença que julgou improcedente a causa e absolveu os RR. do pedido.

    4. Por decisão proferida a fls. 444-446, transitada em julgado, foram declarados habilitados como herdeiros da Autora (entretanto falecida), os seus filhos E…, F…, G… e H….

      *7.

      Inconformados com a sentença proferida vieram os habilitados, na posição da originária Autora, interpor recurso de apelação, deduzindo as seguintes:CONCLUSÕES 1. A sentença recorrida enferma de erros relevantes na apreciação da prova produzida, além de erro de direito, não podendo ser mantida.

    5. No que concerne aos erros na apreciação da prova, deve dar-se como provado que a Autora saiu do recobro não às 20 h, como vem referido na alínea 8) da matéria provada pela sentença, mas às 20 h e 30m, tal como resulta confessado pelo R. Hospital nos arts. 27º, 52º e 57º da sua contestação, ma sequência do alegado pela Autora em 8 da p.i., tudo em conformidade com as disposições constantes dos arts. 46º e 574º, n.º 2 do CPC.

    6. No que toca à prova gravada, afiguram-se insuficientes os factos dados como provados sob a alínea 10), em face do depoimento prestado pela testemunha, filha da A., G… (minutos 7:10 a 7:37 do seu depoimento), donde se propõe que daquela alínea 10) passe a constar: “ Quando saiu do Réu Hospital, a Autora vinha com a barriga muito inchada, não conseguia andar sozinha, vindo pendurada primeiro na Enfermeira e posteriormente na sua filha e a queixar-se imenso de dores.” 4. Também deveria ser admitido, sob uma nova alínea, que: “ A Autora, que mora num 2º andar sem elevador, ao chegar a casa vinda do hospital e do exame, teve de ser transportada, de cadeirinha, pelo seu filho E… e pelo seu genro, conforme resulta do depoimento da testemunha E… (minutos 1: 30 a 2:28 do seu depoimento).

    7. Quanto aos factos dados como provados sob a alínea 11) revelam-se este insuficientes, face à prova gravada (vide depoimento da testemunha E… – minutos 4:18 a 4:49), pelo que se propõe seja aditada àquela uma nova alínea com o seguinte teor: “ A Autora contactou telefonicamente, por volta das dezasseis horas do dia 16.03.2011, o Hospital C…, perguntando pelo Dr. D…, tendo-lhe sido dito que não estava de serviço, ao que pediu para falar com outro médico a quem se queixou de muitas dores, que tinha «duas barrigas» e muitas dores nas costas, tendo-lhe sido dito que se deitasse de barriga para baixo.” 6. Acresce que das declarações prestadas pelo R. Dr. D… (vide o seu depoimento a 1h 1m 5 s a 1h 2m 22s) deveria ser dada como provada a seguinte matéria: “ A análise clínica da doente feita pelo Réu Dr. D… no dia 15.03.2011 era sobreponível à análise clínica feita no I… e Hospital J…, respecivamente, no dia seguinte e na madrugada subsequente.

    8. Deve finalmente aditar-se à matéria de facto uma outra alínea do seguinte teor: “ A prática do Hospital C… é a de que, havendo um contacto de um doente que reporte um evento de elevada importância na decorrência de um exame ou intervenção aí realizada, é desse facto informada a Direcção Clínica para pôr em marcha os procedimentos que se revelem do interesse da saúde do doente em causa (conforme factos relatados pela testemunha Dr. K…, Director Clínico-Adjunto do Hospital C… – minutos 5:55 a 6:25).

    9. No que concerne aos factos não provados, não pode, em face do acima exposto, dar-se como tal os referidos sob as alíneas 2), 4) e 9), por estarem em directa contradição com os factos que nos termos acima referidos deverão dar-se como provados.

    10. A sentença a quo, tendo embora entendido, e bem, que a situação dos autos se enquadra no âmbito da responsabilidade contratual, afirmou, no entanto, que competia à Autora alegar e provar factos que integrassem o incumprimento (facto ilícito), os nexos de imputação e de causalidade, bem como os prejuízos dele decorrentes (dano), ou seja, os pressupostos da obrigação de indemnizar, com excepção da culpa, cuja demonstração de inexistência impendia sobre os demandados.

    11. Concluiu, porém, que embora não lhe ofereça dúvidas que a perfuração do cólon ocorreu no decurso do exame realizado a 15.03.2011 pelo Réu Dr. D… «não se vislumbra também qualquer outra actuação ilícita do Réu médico ou do Hospital […]».

    12. Quando, no entender dos recorrentes, tal apreciação configura erro de direito, quanto à não verificação do pressuposto da responsabilidade civil (acto ilícito) que efectivamente corresponde à lesão corporal sofrida pela Autora, a referida perfuração do cólon.

    13. Tendo sido dado como provado pela sentença a quo que a dita perfuração do cólon ocorreu durante e por causa da execução do contrato destinado à realização de um exame médico, terá de se concluir que ocorreu uma lesão da integridade física da Autora, não exigida pelo cumprimento do contrato, que configura a prática de um facto ilícito.

    14. Como se lê no douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1.10.2015 (Processo 2104/05.4TGBPVZ.P.S1), disponível in www.dgsi.pt, proferido em caso análogo ao dos autos: “… a perfuração do intestino ocorreu durante e por causa da execução do contrato destinado à realização de um exame médico; independentemente de encontra a construção jurídica mais correcta, a verdade é que objectivamente ocorreu uma lesão da integridade física da A., não exigida pelo cumprimento do contrato; a ilicitude está verificada.” 14. E sugestivamente, continua o douto Acórdão, que vimos citando: “ Com esta afirmação quer-se dizer que, em si mesmo, o exame foi uma intromissão na integridade física, natural e necessariamente consentida pela Autora; assim sucederá, em regra, com os exames médicos. Mas esse consentimento prévio ou pretensão da autora não abrange a lesão em discussão.

    15. Donde a douta sentença a quo, ao desconsiderar que a lesão da integridade...

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