Acórdão nº 81/16.5T8VLG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelDOMINGOS MORAIS
Data da Resolução27 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. n.º 81/16.5T8VLG.P1 Origem: Comarca do Porto-Valongo-Inst.Central-4ª S. Trabalho – J1 Relator - Domingos Morais - registo 639 Adjuntos - Paula Leal Carvalho Jerónimo Freitas Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:I – Relatório 1. - B…, nos autos identificado, intentou acção comum emergente de contrato individual de trabalho, na Comarca de Porto-Valongo-Inst. Central-1ª S. Trabalho-J1, contra C…, S.A.

, ambos nos autos identificados, alegando, em resumo, que: - O autor foi admitido ao serviço da ré, em fevereiro de 1982.

- O autor tem a categoria profissional de caixeiro de 1ª classe e, no âmbito desta categoria, tem como funções, entre outras, as de recepcionar mercadorias provenientes dos fornecedores, introduzindo as respectivas referências e quantidades no sistema informático, com vista à gestão dos stocks.

- O Autor percebe, actualmente, como retribuição mensal bruta a quantia de 754,64€, que a sua Administração lhe fixou, por comunicação feita em 25 de Março de 2015, para o ano de 2015, com efeitos a partir de Janeiro, acrescida do prémio de assiduidade, de valor correspondente a 10% do seu vencimento, ou seja, €75,46 (€754,64 x 10%), quantia que sempre recebeu com regularidade.

- Em 5 de Maio de 2015, o autor foi impedido de retomar as suas funções na Ré e, posteriormente, despedido ilicitamente, por não ter sido notificado de qualquer nota de culpa contra ele deduzida.

Terminou, pedindo: “Deve a presente ação ser julgada procedente por provada e em consequência, a ré ser condenada no seguinte: 1. A reintegrar o trabalhador, aqui autor, no seu posto de trabalho, na mesma categoria profissional, vencimento e demais retribuições, no local e no desempenho das funções que exerceu até ao passado dia 05 de maio de 2015; 2. A pagar ao autor a titulo de indemnização por danos morais, a quantia de €12.500,00, acrescida de juros vincendos, contados desde a citação da ré, até fectivo e integral pagamento; 3. A pagar ao autor a titulo de retribuições vencidas até 31/12/2015, a quantia de €5.602,97, acrescida juros vencidos e vincendos desde os respectivos vencimentos parciais, até efectivo e integral pagamento; 4. A pagar ao autor as retribuições, nas quais se integram prémios e demais direitos, vincendas até à efectiva e plena reintegração do autor no seu posto de trabalho; 5. A publicar um pedido de desculpas ao trabalhador e dar conhecimento efectivo do mesmo aos trabalhadores da ré.

6. Custas, procuradoria e demais encargos processuais.”.

2.

- Frustrada a conciliação na audiência de partes, a ré contestou, impugnando os factos essenciais da causa de pedir, alegando, em resumo, que “Rejeita pois a encenação alegada pelo A. nos artºs 6º a 142º, da p.i., que não passa de uma alegação deturpada pelo non sense do procedimento do A. e que omite por completo que foi suspenso no dia 5.5.2015 de manhã, as sucessivas recusas de receber as cartas que a R. lhe enviou, inclusive a carta de suspensão, que se recusou a receber em mão, e os esclarecimentos prestados ao seu procurador e as informações dadas pela ACT.

”.

Terminou, concluindo: “- Deve a ação improceder.

- Deve o depoimento de parte ser indeferido.

- Deve o A. ser condenado como litigante de má fé, em multa e em indemnização à R., incluindo os honorários do seu advogado, a liquidar.

”.

3.

– O autor respondeu, alegando que “a manifesta falta de notificação da nota de culpa ao trabalhador, implica a impossibilidade de este exercer o seu direito de defesa, o que inquina de nulidade insuprível, a partir daí, o procedimento disciplinar instaurado pela ré.

”.

Termina como na petição inicial.

4.

– Na audiência preliminar, proferido o despacho saneador, as partes acordaram quanto à matéria de facto, e, posteriormente, o Mmo Juiz proferiu decisão: “Pelo exposto, julgo a presente ação totalmente improcedente por não provada, absolvendo a Ré da totalidade do pedido.

Absolvo o Autor do pedido de indemnização como litigante de má-fé requerido pela Ré.

Custas pelo Autor, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que goza.

”.

5.

– O autor, inconformado, apresentou recurso de apelação, concluindo: “1. Vem o presente recurso interposto da sentença final proferida pelo Tribunal a quo que, em suma, julgou “…a presente ação totalmente improcedente por não provada, absolvendo a Ré da totalidade do pedido”.

2. O tribunal a quo dá como provado, e bem, que: “J) Com data de 02 de Junho de 2015, a Ré enviou ao Autor uma carta registada com Aviso de recepção na qual declarava estar a organizar o processo disciplinar tendente ao seu despedimento juntando em anexo a Nota de Culpa elaborada, concedendo ao Autor o prazo de 10 dias úteis para responder por escrito e reiterando que continuava suspenso sem perda de remuneração, tendo essa carta sido enviada para o Autor para a morada Rua …, …, … - … - Gondomar, ….-… ….

  1. Essa carta foi devolvida à Ré com a menção de "retirou sem deixar novo endereço 03-06-2015" tendo sido recebida pela Ré no dia 04 de Junho de 2015.” 3. A referida carta teve o seguinte percurso nos CTT: ● Foi registada a 02/06/2015; ● O Sr. Carteiro no dia seguinte (03/06/2015) mencionou o supra referido; e ● No dia 04/06/2015 a citada carta foi recebida (devolvida) nas instalações da Ré.

    4. O tribunal a quo considerou que - “Ora, sendo essa a morada do Autor e tendo a carta sido enviada para o endereço correto, nada obrigava a Ré a tentar notificar novamente o Autor de um outro modo.” 5. A Nota de culpa consubstancia uma declaração receptícia que apenas produz efeitos a partir do momento em que entra no poder do destinatário ou dele é conhecida, nos termos gerais do artigo 224º, nº.1 do Código Civil.

    6. Incumbe ao emitente dessa declaração receptícia, in casu, à Ré, o ónus da prova de que a carta que continha a aludida declaração – A NOTA DE CULPA - não foi recebida por culpa do destinatário, conforme artigos 224º, nº. 2 e 342º, nº. 1 do Código Civil 7. A Nota de culpa uma declaração recipienda, como tal, ou seja, como declaração receptícia, a eficácia da comunicação do seu conteúdo dependerá, sempre, do conhecimento pelo destinatário.

    8. Não tendo havido efectiva recepção da declaração, pelo trabalhador, esta só pode ser considerada eficaz quando só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida, conforme 242º, nº 2 do Código Civil, o que significa que, havendo culpa do declarante, de terceiro, caso fortuito ou de força maior, estará, então, afastada a aplicabilidade da norma.

    Pelo que, 9. haverá necessidade de demonstrar, em cada caso, que, sem acção ou omissão culposa do destinatário, a declaração teria sido recebida, não dispensando a concretização do regime um juízo cuidadoso sobre a culpa, por parte do declaratário, no atraso ou na não recepção da declaração, demonstração essa que impende sobre a parte que tiver o ónus da interpelação.

    Assim, 10. Não preenche tal ónus a mera indicação de devolução da carta, constando do envelope que «retirou sem deixar novo endereço», o que, para além do mais, como está demonstrado e adquirido nos presentes autos é falso.

    11. A manifesta falta de notificação/conhecimento por parte do trabalhador da Nota de Culpa, pretensamente enviada pela R., na sua carta de 02 de Junho de 2015, configura uma invalidade do procedimento disciplinar - cfr. artºs 381º - c) e 382º nº. 2 – a) do CT (equivalente à nulidade insuprível prevista na alínea a) do nº 1 do artº 12º da LCCT/89); Pelo que, 12. a posterior decisão proferida no procedimento disciplinar, encontra-se inquinada da referida invalidade do procedimento, o que só por si, deve levar a que, sem mais, seja declarada a ilicitude do despedimento, por invalidade do procedimento disciplinar.

    Pelas razões supra invocadas, e as doutamente supridas por V. Exas., conduzirão ao provimento do presente recurso, como acto de inteira e sã justiça.”.

    6.

    – A ré contra-alegou, concluindo: “1ª O A./recorrente queixa-se de coarção de direito de defesa por não ter recebido a nota de culpa do processo disciplinar; 2ª Não tem razão, porque a nota de culpa não foi por ele recebida por culpa própria, já que foi enviada para a sua residência e nesse local foi dada informação errada ao carteiro de que tinha retirado para outro endereço; 3ª O A. também não recebeu a decisão de despedimento, por não a ter ido reclamar aos correios, dando-se a carta como recebida, ex vi legis (nº 7, in fine, do artº 357º do CT).

    1. O A. não impugnou o despedimento, acto final do processo disciplinar e que verdadeiramente é o acto que última análise o lesou e integrou todos os vícios que o processo disciplinar tivesse (e não tinha), concretamente a coarção do direito de defesa de que o A. se queixa.

    2. A presente ação é pois anómala e um meio processual impróprio e extemporâneo de o A. fazer valer os seus direitos, nomeadamente de impugnar o despedimento.

    Nestes termos, - Deve o recurso ser julgado improcedente.

    ”.

    7.

    - O M. Público, junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

    8.

    - Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

    II.

    - Fundamentação de facto1. - Na 1.ª...

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