Acórdão nº 5851/15.9T8MAI.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelMIGUEL BALDAIA DE MORAIS
Data da Resolução27 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 5851/15.9T8MAI.P1 Origem: Comarca do Porto, Maia – Instância Local – Secção Cível, Juiz 2 Relator: Miguel Baldaia Morais 1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra 2º Adjunto Des. José Sousa Lameira*Sumário I- As caixas de saneamento dos esgotos gerais assumem natureza de partes forçosa ou necessariamente comuns do edifício, à luz do disposto na alínea d) do nº 1 do art. 1422º do Código Civil, por serem objetivamente necessárias ao uso comum do mesmo, servindo, dada a sua finalidade, a generalidade dos condóminos.

II- Por isso, enquanto partes comuns, continuam a pertencer à generalidade dos condóminos malgrado se situem no interior de uma fração autónoma.

III- Está vedado aos condóminos, considerados individualmente, a realização de obras novas que contendam com a segurança do edifício, proibição essa que abarca a potencialidade ou probabilidade séria de verificação desse resultado.

IV- Prejudica a segurança do edifício o condómino que procede à vedação de uma garagem onde se situem caixas de saneamento dos esgotos gerais, obstaculizando, desse modo, o livre acesso às mesmas de molde a permitir, numa situação de urgência – v.g. rebentamento ou entupimento -, a sua reparação em tempo útil.

V- Uma fração autónoma que, de acordo com o título constitutivo de propriedade horizontal, esteja destinada a ser exclusivamente utilizada para parqueamento automóvel, não pode ser usada, ainda que parcialmente, para guardar e armazenar produtos e equipamentos de um clínica médica.

*Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I- RELATÓRIO Condomínio do Edifício …, situado na Av. …, n.º …, em … – Maia intentou a presente ação declarativa com processo comum contra B… e C…, alegando, em síntese, que: . Os réus são proprietários da fração “J”, com a área de 27 m2, destinada a aparcamento automóvel, situada na cave, com entrada pelas traseiras da Rua …, n.º …, em … – Maia; . Os réus, sem consentimento ou autorização do condomínio, vedaram parte do referido lugar de garagem com uma estrutura de madeira e fecharam-no com um portão, impedindo ou dificultando o acesso a duas caixas de saneamento dos esgotos gerais; . A mencionada parte do lugar de garagem que foi vedada pelos réus está a ser usada como armazém de uma clínica, o que consubstancia uma alteração da afetação ou destino da fração em causa, violando o regulamento de condomínio.

Conclui pedindo que os réus sejam condenados a: - demolir a obra que efetuaram, designadamente a estrutura de madeira e respetivo portão que ergueram em parte do seu lugar de garagem, correspondente à fração “J”; - desocupar essa mesma parte da fração “J” de coisas que nela se encontrem; - abster-se de utilizar a fração “J” para outro fim que não o que consta no título de constituição de propriedade horizontal.

Pessoal e regularmente citados para os termos da presente ação, os réus vieram apresentar a respetiva contestação e deduzir pedido reconvencional.

Para fundamentar a sua defesa alegam, em suma, que: . Verifica-se uma situação de irregularidade de representação do autor e de falta de deliberação da assembleia de condóminos, o que implica a sua absolvição da instância; . Vedaram o espaço em apreço antes da constituição da propriedade horizontal, bem como anteriormente à aprovação do regulamento de condomínio; . O destino da garagem é comummente entendido como espaço de arrumos dos veículos automóveis e de outros objetos que os proprietários das frações ali entendam colocar; . Nunca foi negado o acesso do autor às caixas de saneamento, cuja vistoria nunca deixou de ser efetuada; . A atuação do autor consubstancia um manifesto abuso de direito; . O autor litiga com evidente má-fé; . Estão na posse da fracção “J” fechada e destinada a arrumos, pelo menos, há 26 anos, à vista de todas as pessoas, de forma pública, pacífica, sem oposição de ninguém, ininterruptamente e na convicção de exercerem um direito próprio; . Adquiriram o direito de propriedade da fracção “J” com as características acima descritas através de aquisição originária; . Nessa medida, requerem a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal, por forma a que a referida fracção “J” passe a ser considerada como fechada e destinada a garagens e arrumos; . São proprietários da fracção “J” na qual se encontram duas caixas de saneamento; . São ainda proprietários da fracção “O”, a qual se encontra arrendada ao condomínio desde há mais de 10 anos, onde igualmente se encontra instalada, no seu interior, uma caixa de saneamento; . Pela utilização desse espaço, bem como pelos incómodos causados, deve o autor ser condenado a pagar-lhes uma indemnização anual de Eur. 400,00, a qual é devida desde o ano de 2012.

Concluem requerendo que se julgue procedente a exceção invocada, com a consequente absolvição da instância, ou, caso assim se não entenda, que a ação seja julgada improcedente, com a consequente absolvição do pedido.

Peticionam que seja modificado o título constitutivo da propriedade horizontal nos termos supra referidos, que o autor seja condenado a reconhecer que a propriedade da fracção “J” titulada pelos réus é fechada e destinada a garagem e arrumos e que o autor seja condenado no pagamento da aludida indemnização anual.

Formulam, por último, pedido de condenação do autor como litigante de má-fé.

O autor apresentou resposta à contestação, concluindo como na petição inicial, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional e bem assim do pedido da sua condenação como litigante de má-fé.

Impetra a condenação dos réus como litigantes de má-fé.

Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a invocada exceção dilatória de irregularidade de representação do autor e de falta de deliberação da assembleia de condóminos.

Procedeu-se à seleção dos factos assentes e à elaboração dos temas da prova, sem que quanto aos mesmos tenha sido apresentada qualquer reclamação.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento com respeito pelo formalismo legal.

Foi proferida sentença na qual se decidiu julgar a presente ação procedente e, em consequência, condenar os réus a: - demolir a obra que efetuaram, designadamente a estrutura de madeira e respetivo portão que ergueram em parte do seu lugar de garagem, correspondente à fração “J”; - desocupar essa mesma parte da fração “J” de coisas que nela se encontrem; - abster-se de utilizar a fração “J” para outro fim que não o que consta no título de constituição de propriedade horizontal.

Mais se decidiu julgar improcedente o pedido reconvencional deduzido pelos réus, absolvendo o autor desse pedido.

Foram ainda julgados improcedentes os pedidos formulados pelo autor e pelos réus de condenação da contraparte como litigantes de má-fé.

*Não se conformando com o assim decidido, vieram os réus interpor o presente recurso, o qual foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Com o requerimento de interposição do recurso apresentaram alegações, formulando, a final, as seguintes CONCLUSÕES: I. Os recorrentes não se conformam com a decisão que os condenou a demolir uma pequena e frágil parede em madeira, que construíram na sua fração e a desocuparem a dita fração e a não a utilizarem para outro fim que não seja o constante do título constitutivo da propriedade horizontal.

  1. Considerando que: a. A fração J é propriedade dos RR (privativa) - fls 27, tem área de 27 m2, e destina-se a aparcamento automóvel – fls. 45 e 46 b. Nesta fração autónoma estão duas caixas de saneamento.

    1. Os RR vedaram com uma parede de madeira, um espaço com oito metros quadrados, em parte desta fração - fls. 177, que utilizam para arrumações.

  2. Entendem os recorrentes que a sentença recorrida padece de vício notório na apreciação da prova quando dá como não provados os factos 21, 22, 26, 28, 27.

  3. Dos factos provados 14 e 17, conjugados com os documentos de fls. 67 a 69, resultam os factos 21 e 22.

  4. Basta a utilização de presunções judiciais para se concluir pela prova dos factos com a seguinte redação: a. 21 “ Ainda antes da aprovação do regulamento referido em 14) já o espaço aludido em 2) fosse utilizado para arrumos”; b. 22 “A fração aludida em 2) tenha sido parcialmente vedada em data anterior a 28/11/2003.” VI. O depoimento das testemunhas também foi nesse sentido, nomeadamente, o da testemunha D…, como se transcreveu.

  5. O senhor Juiz a quo não teve dúvidas sobre estes factos e, por isso, no primeiro parágrafo de fls. 226 afirma isso mesmo.

  6. Assim, os factos não provados 21 e 22 devem ser dados como provados, com a redação referida em V destas conclusões.

  7. Se o autor procede com regularidade à verificação e manutenção das referidas caixas de saneamento (ponto 7 da matéria assente), e se a fração onde está a caixa de saneamento foi vedada pelo menos antes de novembro de 2003 (facto 22), então a autora e os condóminos têm conhecimento de que a fração “J” está vedada pelo menos antes de novembro de 2003.

  8. Assim, o facto não provado 28 deve ser alterado para facto provado com a seguinte redação: a. 28 “O autor tem conhecimento de que parte da fração “J” estava vedada e era utilizada para arrumos desde, pelo menos, novembro de 2003.

  9. Se durante pelo menos 12 anos o autor procedeu com regularidade à verificação e manutenção das caixas de saneamento (facto 7), para o efeito ia pedir as chaves dos arrumos na fração J (factos 8, 15 e 16), então o autor tem necessariamente conhecimento de que parte da fração J está vedada e é utilizada para arrumos, desde anterior a 2003 (factos 14, 17, 21 e 22).

  10. E, só em 2015 intentou a presente ação, sem que venha demonstrada outra forma eficaz de se opor, nomeadamente notificando os RR para os efeitos, tem de se concluir que o autor não se opôs a essa utilização e ao facto de parte da garagem estar fechada durante pelo menos 12 anos.

  11. Aliás, testemunha dos autores e administrador de facto do condomínio, J…, disse que “deixou andar”, se deixou andar, sabia e não se opôs.

  12. Assim, o facto não provado 26...

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