Acórdão nº 3423/15.7T8VFR.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 02 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelJER
Data da Resolução02 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

APELAÇÃO n.º 3423/15.7T8VFR.P2 SECÇÃO SOCIAL ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I.RELATÓRIO I.1 No Tribunal da Comarca de Aveiro – St. Maria da Feira - Inst. Central – o Ministério Público intentou a presente acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho contra B…, que foi distribuída ao J.1, pedindo que julgada a acção procedente se declare que C…, celebrou, em 15 de agosto de 2004, um contrato de trabalho com a Ré e não de prestação de serviços e, por via disso, que se condene aquela a reconhecer a existência desse contrato de trabalho com início em 15 de agosto de 2004.

Alega, em resumo que, na sequência de acção inspectiva por parte da ACT no dia 1-10-2015, foi constatado que C…, se encontrava na sede da R. a prestar actividade por conta e em benefício desta, em condições análogas ao contrato de trabalho, desempenhando as funções de veterinário.

No exercício da sua atividade para a Ré o trabalhador C… utiliza os equipamentos e os instrumentos de trabalho pertencentes à Ré (excepto o estetoscópio, a bata e o termómetro que são seus), tal como utiliza nas suas deslocações em serviço uma viatura pertencente à Ré.

Exerce a sua atividade em horário por si definido mas com respeito pelos limites estabelecidos pelo horário de funcionamento do estabelecimento comercial da Ré, praticando assim um horário de trabalho das 09h00m às 12h30m e das 14h30m às 18h30m.

Recebe, como contrapartida do trabalho prestado para a é Ré a retribuição mensal fixa (mínima) no montante de € 1.209,24, bem como subsídios de férias e de natal e goza anualmente cerca de 15 dias de férias, recebendo a remuneração correspondente a esses dias.

O trabalhador obedece às ordens e instruções dos legais representantes da Ré.

Regularmente citada, a R. apresentou contestação, pugnando pela improcedência da acção.

Em suma, alega que a 15-8-2004, celebrou com C… um contrato de prestação de serviços onde este prestava àquela serviços relacionados com a actividade veterinária, junto dos seus associados, tendo para o efeito fixado o pagamento mensal de €1.209,04, a título de “avença”. Acordaram ainda que, como C… não dispunha de gabinete próprio onde os associados da R. pudessem levar os seus animais e a R. tinha dentro do seu prédio, mas fora das instalações, um gabinete, foi combinado que o Dr. C… prestaria esses serviços naquele local. Tal gabinete é e sempre foi um gabinete fisicamente separado das instalações abertas ao público da R., tendo uma entrada para veículos própria e separada da entrada principal, bem como local de aparcamento próprio.

Mais referem que cabia a C… a definição do seu horário, estando tal horário contido dentro do horário de funcionamento da R., por uma questão de segurança, atenta a localização das referidas instalações.

Invoca ainda que o prestador de serviços, no exercício da sua actividade, usava instrumentos de trabalho próprios e alguns da R.

Conclui pela inexistência de relação de trabalho subordinado entre si e C….

I.2 C… não apresentou articulado próprio, mas veio juntar a Fls. 49 uma narrativa por si subscrita onde declara que entre a sua pessoa e a R. sempre foi consensualizado que o relacionamento entre ambos era de um contrato de prestação de serviços médicos veterinários a utentes da R. e outros; tal prestação foi efectivada com total autonomia técnica, sem observação de qualquer hierarquia ou instruções e que em 31/12/2015 o referido contrato de prestação de serviços cessou por iniciativa da R., tendo-lhe esta restituído os instrumentos e utensílios da sua pertença.

Foi proferida sentença a homologar o acordo obtido entre C… e a R. em sede de audiência de julgamento.

Na sequência de recurso interposto pelo M.P., esta Relação do Porto revogou a decisão recorrida e ordenou o prosseguimento dos trâmites normais do processo.

Notificado para o efeito, C… nada mais declarou nos autos face aos factos apresentados na petição inicial pelo Ministério Público.

I.3 Foi realizada audiência de julgamento com observância do formalismo legal e, subsequentemente foi proferida sentença, concluída com o dispositivo seguinte: - «Em face do exposto, julgo improcedente, por não provada, a presente acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho e, em consequência, absolvo a R. do pedido contra si formulado.

Sem custas, atenta a isenção do MP, e a não apresentação de articulado próprio pelo interveniente C… - art. 186º-Q, nº 4 do CPT “a contrario”.

Fixo à acção o valor de 2.000,00€.

Registe, notifique e comunique à A.C.T. e ao Instituto da Segurança Social, IP. (art. 186º-O, n.º 9 do CPT).

(..)».

I.4 Discordando da sentença o Ministério Público apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram finalizadas com as conclusões seguintes: 1. A alteração da matéria de facto apenas é possível nos casos de manifesta e clamorosa desconformidade da factualidade assente com os meios de prova existentes nos autos, dando-se prevalência aos princípios da oralidade e da imediação, bem como da prova livre (artigo 396º do Código Civil e 607º, n.ºs 1, 4 e 5 do Código de Processo Civil) 2. O juiz deve apreciar a prova testemunhal segundo os critérios de valoração racional e lógica, tendo em conta as regras normais de experiência, julgando segundo a sua consciência e convicção. O juiz é livre, de formar a sua convicção com base no depoimento de uma testemunha em detrimento de testemunhos contrários.

  1. Da análise critica e conjugada de toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, “relacionada entre si e com recurso a juízos de experiência comum” não poderia a Mma. Juiz a quo dar como provados os pontos 8, 10, 11, 14 17 e 20 da fundamentação de facto, tampouco poderia considerar não provados os 3 últimos factos do segmento dos factos não provados.

  2. No que concerne ao horário de trabalho praticado pelo trabalhador C…,( 8 e 14 dos factos provado e 2º dos não provados) depuseram todas as testemunhas inquiridas de forma coerente e quase coincidente.

  3. Com efeito, dos depoimentos das testemunhas D… (5’m16”segundos a 6’minutos), E… (2m14’segundos a 2m´32´´segundos) e do trabalhador, C…, (2´m 19’’ segundos a 2´m 32´ segundos e 4’m 57’’segundos a 5´m 42´´segundos) supra transcritos (I.1), conjugados com as regras da experiência resulta demonstrado erro de apreciação da prova que deverá ser retificado devendo passar a constar dos factos provados: “O trabalhador C… pratica um horário de trabalho das 9h00m às 12h30m e das 14h30m às 18h30m.

  4. O objeto dos presentes autos consiste essencialmente na definição da qualificação jurídica do contrato celebrado entre a R. e C….

  5. A sentença deve conter, para além do mais, a fundamentação, “devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final” (artigo 607º, n.º 3 do Código de Processo Civil).

  6. Não pode é considerar-se nos factos assentes matéria de direito. A referência a “contrato de prestação de serviços” na matéria de facto inculca de per se um juízo de valor, conclusivo, quanto à qualificação jurídica do contrato celebrado.

  7. Deverá ter-se como não escrita a menção “prestação de serviços” nos factos provados.

  8. No que respeita à venda de produtos de carater veterinário por parte do trabalhador C… (17 dos factos provados), depuseram de forma isenta e credível as testemunhas, E… (6’m 09”segundos e 7’m 44’’segundos a 8’m 07’’ sete segundos), C…, 6’m ’40”segundos a 7’’m), conforme declarações supra transcritas (I.3), também aqui resulta demonstrado erro de apreciação da prova que deverá ser retificado. Devendo alterar-se a matéria provada dando-se antes como assente que “O trabalhador vendia, naquele gabinete, produtos de caracter veterinário por conta e ao serviço da Ré.

  9. No que concerne ao período de gozo de férias remunerado ( 3º facto não provado) depuseram de forma isenta e credível as testemunhas D… (8’m 29’’segundos a 8’m 41’’ segundos) e o trabalhador, C…, (4’m 29’’segundos a 4’m 52’’segundos), conforme declarações supra transcritas (I.4), resultando também aqui demonstrado erro de apreciação da prova que deverá ser retificado, dando-se como provado e assente que “O trabalhador C…, goza anualmente cerca de 15 dias de férias, recebendo a remuneração correspondente a esses dias.” 12. No que respeita à obediência às ordens e instruções da Ré por parte do trabalhador C… (20 dos factos provados e 4º facto não provado) depuseram, de forma isenta e credível as testemunhas D… (20’m 27’’segundos a 30’m 23’’segundos) e o trabalhador C… (1´m49’’segundos a 4’m 28’’ segundos), conforme supra transcrito (I.5) resulta também nesta parte demonstrado erro de apreciação da prova que deverá ser retificado, devendo considerar-se provado que: “O trabalhador obedecia às ordens e instruções dos legais representantes da Ré”.

  10. A relação jurídica em causa, constituiu-se em 15/08/2004, portanto, antes da entrada em vigor do atual Código do Trabalho de 2009 e manteve-se inalterada na vigência deste diploma.

  11. Apurada a existência de uma prestação de atividade a troco de retribuição mensal, sob as ordens e instruções da R., nas instalações da R., cumprindo o trabalhador um horário de trabalho diário, gozando dias de férias remuneradas, estaremos perante um contrato de trabalho e não de um contrato de prestação de serviços, independentemente da denominação que as partes outorgantes lhe tenham atribuído.

  12. O objeto dos presentes autos prende-se essencialmente com a qualificação jurídica do contrato outorgado.

  13. Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas (artigo 11º do Código do Trabalho e 1152º do Código Civil).

  14. Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT