Acórdão nº 16/12.4IDAVR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 22 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE LANGWEG
Data da Resolução22 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 16/12.4IDAVR.P1 Data do acórdão: 22 de Março de 2017 Relator: Jorge M. Langweg Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa Origem: Comarca de Aveiro Instância Central | 2ª Secção Criminal Sumário: 1. Na reforma legislativa introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, o legislador reconheceu expressamente o valor probatório das declarações de coarguido na redação introduzida no nº 4 do artigo 345º do Código de Processo Penal (CPP), só lhe retirando essa eficácia quando tiver sido totalmente subtraído ao contraditório, não podendo, só então, tal depoimento não constituir prova atendível contra coarguido afetado pelo seu teor.

  1. As declarações de coarguido - fora da situação prevista no nº 4 do artigo 345º/CPP -, não constituindo um meio proibido de prova (ex vi dos artigos 125º e 126º/CPP), estão sujeitas às regras da livre apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 127º/CPP, devendo o tribunal aferir a sua credibilidade, de forma objetiva, estando particularmente atento às suas razões e motivação.

    Acordam, em conferência, os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto Nos autos acima identificados, em que figura como recorrente o arguido B…; I – RELATÓRIO 1. Por acórdão datado de 24 de Outubro de 2016, o arguido ora recorrente – entre outros – foi condenado: - pela prática, em coautoria material com os arguidos C…, Lda. e D…, e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 6.°, n°1, 7.°, n°3, e 104.°, n°s 1 e 2, do RGIT, aprovado pela Lei n°15/2001, de 5 de Junho (antes da redacção introduzida pela Lei n°64-A/08, de 31.12), e dos artigos 14.°, n°1, e 26.° do Código Penal, ex vi artigo 3.°, al. a), do RGIT, na pena de 2 anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de cinco anos, sujeita à condição de, nesse período de tempo, o mesmo pagar à administração fiscal a quantia de € 35.000,00; comprovando anualmente, nos autos, o pagamento parcial de tal quantia.

  2. Inconformado com a sua condenação, o arguido recorreu da decisão, terminando a motivação do recurso com a formulação das conclusões seguidamente reproduzidas: «(…) O recurso tem por principal motivação os pontos da matéria de facto dada como provada que o recorrente entende incorretamente julgados, os quais se impugnam, impondo-se uma modificação da decisão do Tribunal a quo e bem assim questões de direito em conexão com a apreciação da matéria de facto.

    Resultando do Acórdão recorrido que a prova relevada para se condenar o recorrente pela prática dum crime de fraude fiscal qualificada é unicamente as declarações dum co-arguido, assistimos a uma insuficiência probatória para a condenação do recorrente.

    O Tribunal a quo para dar como provada a factualidade contida na matéria provada socorreu-se, no que à intervenção do Recorrente diz respeito, unicamente das declarações do co-arguido D… o que é insuficiente na medida em que declarações de um co-arguido por si só não podem fundamentar a prova de um facto criminalmente relevante quando inexiste prova adicional a tornar provável que a sua versão é verdadeira Sendo vários os motivos que levam um arguido a confessar os factos, designadamente quando a declaração confessória atinge outros arguidos, justifica-se uma certa contenção no aproveitamento da informação prestada por um co-arguido, sobretudo para fins de decisão de condenação de outros, só devendo essas declarações ser valoradas quando estejam sustentadas noutros elementos de prova.

    A problemática das declarações de co-arguido centra-se pois nos critérios de valoração e nos limites de valoração. Sendo que a corroboraçao consiste então num suporte probatório exterior às declarações de co-arguido, um plus de credibilidade (necessário aliás) face regime processual das próprias declarações de co-arguido.

    A corroboração não constitui uma regra legal no sentido de impor um juízo, de dar por assente um determinado resultado probatório apenas pelo facto dele ser oriundo desta ou daquela fonte de valor tarifado. Traduz-se, antes, numa exigência acrescida de verificação de um material probatório, que não pode sustentar, por si só, enquanto narração de um dado enunciado factual, o juízo valorativo e consequente decisão, pois requer uma confirmação adicional para que tal enunciado, já considerado atendível de um ponto de vista intrínseco, possa ser apresentado como razão de convencimento A necessidade de corroboração é imposta pela própria natureza das declarações de co-arguido que não configura um testemunho (cf. o artigo 133.n° 1 a) do CPP) e ao contrário da testemunha o co-arguido não será perseguido criminalmente se faltar à verdade A prova por declarações de co-arguido, não sendo uma prova proibida, tem um diminuto valor e, por isso, carece de corroboração por outras provas e acarreta para o tribunal um acrescido dever de fundamentação.

    Sustentado o Tribunal a quo a condenação do recorrente exclusivamente nas declarações de co-arguido verifica-se uma insuficiência de prova para a decisão da matéria de facto.

    Estando-se perante erro de julgamento tendo o Tribunal a quo feito uma incorreta interpretação e aplicação dos artigos 127°, 133° e 345ô do CPP.

    A apreciação do valor probatório do depoimento do arguido feito contra um seu co-arguido no mesmo processo ou em processo conexo deve suscitar especiais cautelas ao julgador. Assim, viola o principio da presunção de inocência a fundamentação exclusiva da condenação na valoração do depoimento de co- arguido (...) Os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art. 412 n° 3 alínea a) do CPP) são: O arguido D…, gerente de direito e de facto da sociedade arguida C…, Lda., a pedido do arguido e B…, preencheu e entregou ao segundo, em nome da sociedade arguida C…, Lda., as seguintes facturas não correspondentes a qualquer transacção real, nos períodos e montantes que a seguir se discriminam: Valor do IVA Total das faturas (…) Total do ano 2008 « 57.460,00 € 344.760,00 (…) Total do ano de 2009 € 117.350,00 € 704.100,00 TOTAL geral € 174.810,00 € 1.048.860,00 O arguido B… apesar de estar coletado para o exercício da atividade de fabricação da cortiça, em nome próprio, nunca exerceu qualquer atividade, não possui, nem nunca possuiu, instalações, escritórios, nem tâo- pouco qualquer trabalhador ao seu serviço, que lhe permitisse proceder à emissão de facturas em seu nome.

    A dedução do imposto de IVA implícito nas faturas supra referidas permitiu a apropriação por parte do arguido E…, de dinheiros públicos, tendo descontado o IVA implícito nas referidas faturas, obtendo, desse modo, uma vantagem patrimonial de relativo aos anos de 2008 (176.956,90 €) e 2009 (176.880,80 €), no valor total de 353.837,70 € (trezentos e cinquenta e três euros e oitocentos e trinta e sete euros e setenta cêntimos), discriminado por trimestre da seguinte forma no quadro: [………………………] Ao emitirem e preencherem as faturas acima referidas, os arguidos F…, G…, D…, em representação da sociedade arguida C…, Lda. e B… bem sabiam que as mesmas não titulavam transações realmente efetuadas e apenas se destinavam a ser utilizadas na contabilidade de diversas sociedades, como ocorreu com a sociedade arguida H…, Lda. E assim prejudicar o Estado.

    Os arguidos F…, G…, D…, este em representação da sociedade arguida C…, Lda. e B… fabricaram e preencheram as facturas supra indicadas, não correspondentes a qualquer transacção real, para a sociedade H…, Lda. Representada pelo arguido E…, sabendo que, debaixo de aparente legalidade, e em prejuízo e à custa do Estado e da comunidade contribuinte, diminuíam o montante de imposto pago a titulo de IRC pela sociedade H…, Lda, e de solicitar e lograr obter reembolsos de IVA, visando obter determinada compensação monetária pela emissão de cada uma das facturas.

    Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram idóneas a fazer diminuir a receita do estado em termos de IRC e IVA relativo ao que seria realmente devido e visando assim, com tais actuações e em relação aos períodos fiscais em causa beneficiar patrimonialmente com tais vantagens fiscais indevidas Agiram assim todos os arguidos de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as condutas descritas eram proibidas e punidas por lei penal, tendo todos os arguidos capacidade para se determinar de acordo com as prescrições legais e ainda assim não se inibiram de a realizar.

    As concretas provas que impõem decisão diversa (art. 412 n°3 al.b ) do CPP) são; Declarações dos Arguidos: D… [dia 11-10-2016, 15:21:58 - 15:32:11] E… [dia 20-09-2016, 10:47:49 - 10:57:59] B… [dia 11-10-2016, 15:36:58 - 15:50:00] Quando aos factos impugnados supra transcritos (…), resulta da decisão recorrida que o Tribunal a quo socorreu-se unicamente das declarações de co-arguido D… para os dar como provados [pág 20 do Acórdão].

    Da conjugação dos depoimentos dos arguidos D… [dia 11-10¬2016, 15:21:58 - 15:32:11], E… [dia 20-09-2016, 10:47:49 - 10:57:59] e B… [11-10-2016, 15:36:58 - 15:50:00] resulta uma ausência de prova credível que sirva para fundamentar a factualidade que se impugnou.

    As declarações de co-arguido D… são anémicas e suspeitas devido ao conflito existente entre aquele e o recorrente e deviam ser submetidas a tratamento específico de corroboração probatória exterior salvaguardando-se o princípio da presunção de inocência e os correctos critérios de apreciação de tal prova.

    Sendo vários e variados os motivos que levam um arguido a confessar os factos, designadamente quando a declaração confessória atinge outros arguidos, justifica-se uma certa contenção no aproveitamento da informação prestada por um co-arguido, sobretudo para fins de decisão de condenação de outro ou outros, só devendo essas declarações ser valoradas, por regra, quando estejam escoradas com outros elementos de prova.

    A prova é pois insuficiente para a condenação do recorrente Não tendo o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT