Acórdão nº 1470/16.0T8PVZ-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelVIERA E CUNHA
Data da Resolução14 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

• Rec. 1470/16.0TBPVZ-A.P1. Relator – Vieira e Cunha. Adjuntos – Des. Maria Eiró e Des. João Proença Costa. Decisão recorrida de 2/12/2016.

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Os FactosRecurso de apelação interposto na acção com processo especial de interdição por anomalia psíquica nº1470/16.0T8PVZ-A, da Comarca do Porto, Instância Central (Póvoa de Varzim).

Autor/Apelante – Digno Magistrado do Ministério Público.

Requerida – B….

Tese do AutorA Requerida nasceu em 26/3/47, sendo casada e encontrando-se internada em Lar.

Em consequência de problema do foro oncológico, neste momento, não fala nem estabelece raciocínios, não conhece horas, dias, nem assina o seu nome, necessitando de alguém que a represente.

A Requerida não fez testamento vital mas foi transmitindo verbalmente que, numa eventual situação de incapacidade futura, não queria qualquer actuação invasiva, nem auxílio para prolongamento da vida.

Pede assim seja decretada a interdição por anomalia psíquica da Requerida, a título provisório e com carácter urgente, nomeando-se-lhe tutor provisório, ao abrigo do disposto no artº 142º CCiv.

Produzida prova, foi, por sentença de que se recorre, indeferido o pedido de decretamento da interdição provisória.

Conclusões do Recurso de Apelação:1_ O Ministério Público intentou Ação Especial de Interdição por Anomalia Psíquica de B… pedindo que fosse decretada a interdição da Requerida a título provisório, com carácter urgente ao abrigo do disposto no art. 142º do C. Civil, tendo indicado para tutor o cônjuge da Requerida.

2_ A fundamentar a urgência está o problema do foro oncológico irreversível e terminal que impossibilita a Requerida de transmitir a sua vontade de forma coerente, não ter feito testamento vital nem ter nomeado um procurador para a saúde, poder entrar em estado comatoso a qualquer momento ficando a sua sobrevivência dependente do recurso a meios paliativos invasivos e não ser possível recolher o consentimento esclarecido (para intervir ou não).

3_ Sucede que, a própria Requerida transmitiu verbalmente aos familiares próximos (marido e filhas) que, numa eventual situação de incapacidade futura, não queria qualquer atuação invasiva, nomeadamente alimentar e medicamentosa para lhe prolongar artificialmente a vida.

4_ E manifestou essa vontade, quando estava em França emigrada, quando a doença se manifestou e quando se agudizou mas ainda estava lúcida como resulta do doc 7 junto com a PI e das declarações dos inquiridos, nomeadamente do marido.

5_ Na douta sentença foram elencados os factos indiciariamente provados mas nada se disse (provado ou não provado) quanto à falta de testamento vital e à não nomeação de um procurador para a saúde apesar de tais factos terem sido alegados, podendo tais vícios ser oficiosamente conhecidos pela Relação _ cfr. arts. 615º, al. b), c) e d), 662º, nº2 e 665º ambos do CPC.

6_ Por outro lado, o tribunal, salvo o devido respeito, laborou em erro ao não atentar em todos os fundamentos invocados para a interdição provisória e urgente da Requerida tendo-se focado apenas na necessidade de suprir a vontade da Requerida no que à rejeição de meios de suporta artificial de vida diz respeito e, 7_ concluiu que, não tendo a Requerida outorgado oportunamente um testamento vital e estando agora numa situação de impossibilidade de recusar ser submetida aos meios de suporte artificial das funções vitais jamais essa vontade pode ser atendida.

8_ Ninguém pode negar que “O bem jurídico vida humana é em regra indisponível para terceiros, impondo-se, como sublinham Gomes Canotilho e Vital Moreira, “ contra todos, perante o Estado e perante os outros indivíduos”_ CRP Anotada, 3ª ed., pág.174.

9_ Contudo, numa sociedade plural e democrática o direito à autodeterminação individual é especialmente protegido, pelo que as diretivas antecipadas de vontade são hoje prática corrente em muitos países ocidentais.

10_ As diretivas antecipadas são “instruções que uma pessoa dá antecipadamente, relativas aos tratamentos que deseja ou (mais frequentemente) que recusa receber no fim da vida, para o caso de se tornar incapaz de exprimir as suas vontades ou de tomar decisões por e para si própria”_ cfr. KENIS, Yvon, 2003, in Nova Enciclopédia da Bioética.

11_ A forma que essas diretivas podem revestir são, em regra, o testamento vital e nomeação de procurador de cuidados de saúde, devendo, na sua falta e conhecendo-se a vontade real de um paciente incapaz e adulto, ser encetado um processo com vista à nomeação de um tutor provisório _ cfr. neste sentido André Gonçalo Dias Pereira, “O Consentimento Informado na Relação Médico-Paciente” Estudo de Direito Civil, Coimbra Editora.

12_ Aludindo ao consentimento e ao dissentimento, o mesmo autor escreve: “se é verdade que ambos são revogáveis a qualquer momento, não parece que devamos entender que o estado de inconsciência cria uma presunção no sentido da revogação da opinião anteriormente expressa” _ cfr. obra citada, pág. 246 e 251-252.

13_ O reconhecimento do direito à autodeterminação em cuidados de saúde constitui uma das mais importantes dimensões de proteção da integridade pessoal e da liberdade do indivíduo, na medida em que, através do seu exercício este consente ou recusa a prestação de cuidados de saúde.

14_ Exemplos de recusa de tratamento relativamente frequentes são a recusa de terapêuticas consideradas evasivas, a recusa de alimentação, a recusa de uma transfusão sanguínea… 15_O direito à recusa informada, livre e esclarecida de tratamentos faz parte dos direitos dos cidadãos portugueses e a todo o direito corresponde um meio jurídico e processual de o tornar efetivo.

16_ Isso mesmo resulta do art. 9º da Convenção sobre os Direitos do Homem e da Biomedicina, da al. h) do art. 7º do DLnº101/2006, de 06 de Junho criador da Rede de Cuidados Continuados Integrados, dos arts. 45º e 46º do Código Deontológico dos Médicos, do art. 38º, nº3 do C. Penal.

17_ No Código Civil Português, a Subsecção III, dedicada às interdições, estabelece uma ordem segundo a qual se buscará a tutela do interditando (cfr. art. 143.º) começando por dar um lugar privilegiado ao cônjuge efetivo.

18_ Tratando-se de incapacidade de um adulto sem representação legal e sem ter formalizado “diretiva antecipada”, sobretudo...

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