Acórdão nº 2377/12.6T2AVR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelIN
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. Nº 2377/12.6T2AVR.P1 Apelação 1ª Relator: Inês Moura 1º Adjunto: Paulo Dias da Silva 2º Adjunto: Teles de Menezes Sumário: (art.º 663.º n.º 7 do C.P.C.) 1. Quem recorre à utilização de cláusulas contratuais gerais encontra-se numa posição de superioridade relativamente aos aderentes, que são privados de interferir na “modelação” das cláusulas, o que determina o dever daquele levar em consideração os interesses destes, no que só assim encontra correspondência a uma conduta conforme à boa fé.

2. A finalidade de um seguro de vida e incapacidade absoluta, celebrado a favor de um Banco tendo como garantia o pagamento do capital mutuado, é a de prevenir a situação do segurado ficar sem a possibilidade de auferir rendimentos, por ter ficado afectado na sua capacidade de trabalho, não podendo exercer actividade geradora de proventos.

3. A cláusula que exige, na consideração da situação de invalidade absoluta e definitiva, que a pessoa segura necessite ainda de recorrer de modo contínuo à assistência de terceira pessoa para os actos normais da vida diária, nada tem a ver com a afectação da sua capacidade de trabalho e de obter rendimentos, antes vai além da razão de ser do contrato, determinando um desequilíbrio das prestações contratuais e frustração da confiança do segurado, sendo por isso abusiva por desproporcionada e contrária boa fé.

Acordam na 3ª secção do Tribunal da Relação do Porto I. RelatórioVem o A. B…, intentar a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra C…, S.A., pedindo a sua condenação: a) a pagar ao Banco D…, S.A., por força do capital garantido pelo seguro, a quantia do capital do empréstimo que estiver em dívida na data da prolação da sentença; b) a pagar-lhe a si o remanescente do capital seguro com juros à taxa legal a contar da citação.

Alega, para o efeito, que em 24/03/1997, o Banco E…, S.A., actualmente Banco D…, S.A., concedeu-lhe um empréstimo no valor de €74.819,68 (15.000.00$00). Como condição da concessão do empréstimo exigiu a celebração de um contrato de seguro para cobertura do capital em caso de morte ou invalidez permanente. O Banco E…, S.A., promovia nos seus balcões a celebração desse seguro com a Seguradora E1…, S.A., empresa do mesmo grupo financeiro. O A. subscreveu uma proposta contratual que lhe foi apresentada, que tem as coberturas de morte ou invalidez absoluta e definitiva. Na noite de 9 para 10 de Dezembro de 2010 o A. sofreu um acidente vascular cerebral (AVC), tendo ficado a padecer de hemiparesia dos membros superior e inferior esquerdo. Foi submetido a exame médico na Junta Médica da Área de Saúde do Centro, Organismo da Segurança Social, tendo-lhe sido atribuído um grau de incapacidade de 69,20%. Na sequência deste exame médico, o Organismo da Segurança Social a que o A. pertence considerou-o na situação de Invalidez Definitiva. O A. comunicou tal facto à R., tendo esta recusado o pagamento de qualquer quantia, sustentando a sua recusa no facto de, nos termos das Condições Especiais da Apólice, a situação de Invalidez Definitiva pressupor que, em consequência de doença ou acidente, a pessoa segura: a) fique totalmente incapacitada de exercer qualquer profissão ou outra actividade lucrativa; b) necessite de recorrer, de modo contínuo, à assistência de uma terceira pessoa para efectuar actos normais de vida diária. A Ré nunca comunicou ao A. esta cláusula, nem nunca o A. dela teve conhecimento.

A Ré contestou defendendo que as condições do contrato foram explicadas ao A., que na proposta de seguro assinada pelo A. já constava a cláusula que define o que é Invalidez Absoluta e Definitiva da Pessoa Segura e que o A. tinha particular e privilegiado conhecimento das coberturas do contrato de seguro uma vez que era funcionário bancário ao serviço do Banco E…, S.A..

O A. vem responder na réplica, defendendo que nem o A. nem a sua então esposa preencheram a proposta de seguro, que esta apenas lhes foi apresentada para ser assinada, limitando-se o A. a assinar no local que lhe foi indicado, e que não lhe foi exibido qualquer documento onde constasse a referida cláusula.

Foi proferido despachado saneador e foi elaborada a condensação, que não sofreu reclamação.

Procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais.

Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a R. do pedido contra ela formulado.

É com esta decisão que o A. não se conforma e dela vem interpor recurso, concluindo pela revogação da sentença proferida, formulando para o efeito as seguintes conclusões, que se reproduzem: 1. A incapacidade ou a invalidez para o exercício de actividade profissional, enquanto risco de cobertura do seguro associado ao empréstimo para aquisição de habitação própria, deve ser aferida em face da actividade anteriormente exercida pela pessoa segura, bem como das suas aptidões profissionais.

2. Quem já padecendo de hipocuasia (surdez) profunda à direita e severa à esquerda, e em consequência do acidente vascular cerebral (i) apenas consegue locomover-se com dificuldade (ii) necessita de ajuda de terceiros para aceder a transportes públicos, (iii) abotoar algumas peças de roupa, (iv) cortar a carne e o peixe nas suas refeições e (v) não consegue subir os descer escadas que do lado direito não tenham corrimão de suporte para o braço, na actual exigência do mercado de trabalho e elevada competitividade no exercício de qualquer actividade económica por conta própria, é uma pessoa absolutamente incapaz.

3. O ponto 28 da decisão da matéria de facto, para além de não ter a devida fundamentação, não cabe na compreensão do senso comum, devendo por isso ter-se como não escrito ou pelo menos, totalmente desconsiderado na decisão de direito.

4. O ponto 34 da decisão da matéria de facto não tem qualquer assento nos meios de prova constantes do processo, pelo que deve ser retirado dos factos provados.

5. Relativamente a este ponto de facto, as testemunhas que depuseram na audiência de julgamento, não tiveram qualquer intervenção no processo de celebração do contrato de seguro, e em ponto algum dos respectivos depoimentos afirmaram que foi explicado ao autor o conteúdo e alcance da cláusula constante do art.º 2.º al. d) das Condições Especiais da Apólice; 6. Por igual fundamento, a decisão quanto aos pontos 24 e 36 deve ser alterada no sentido de nela apenas constar que o autor era funcionário bancário no Banco E…, exercendo as funções de Caixa, tendo sido ele próprio quem preencheu a proposta de seguro constante de fls. 2 do documento nº 1 junto pela ré com a sua contestação.

7. Mesmo admitindo a validade da cláusula constante do art.º 2º al. d) das Condições Especiais da Apólice, o que não se concede, como se dirá na conclusão seguinte, o quadro sequelar do autor enquadra-se na previsão da mesma cláusula; Sem prescindir e por mera cautela; 8. Uma cláusula segundo a qual, para a atribuição da indemnização contratada em caso de invalidez total ou permanente, a pessoa segura, para além de estar inválida para o exercício da sua profissão ou outra actividade da área da sua formação técnica, tenha de estar dependente da ajuda de terceira pessoa para actos normais da vida diária, é uma cláusula desproporcionada, abusiva, desequilibrada e contrária aos princípios da boa fé.

9. A cláusula constante do art.º 2º al. d) das Condições Especiais da Apólice, porque proibida no quadro legal vigente, é proibida, e por tal, deve considerar-se excluída do contrato.

10. Foi violado o disposto no art.º 607.º n.º 4 do C.P.Civil, e nos artºs 12º, 15º e 16º do Dec-Lei 446/85 de 25 de Outubro (regime legal das cláusulas contratuais gerais.) A R. veio responder ao recurso interposto, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

  1. Questões a decidirTendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do C.P.C.- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608 n.º 2 in fine: - da impugnação da matéria de facto; - da invalidade da cláusula constante do art.º 2.º al. d) das Condições Especiais da Apólice; - da situação do A. se enquadrar na previsão do art.º 2.º al. d) das condições especiais da apólice.

  2. Fundamentos de Facto- da impugnação da matéria de facto Vem o Recorrente impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, indicando que a sua discordância se verifica quanto aos pontos 28, 34, 24 e 36 da mesma.

O art.º 640.º do C.P.C. impõe um ónus a cargo do Recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto dispondo: “1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o Recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

  1. Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

    1. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

  2. Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

  3. (…) 3. (…)” Isto significa que o recurso não pode ser apresentado de forma genérica pelo Recorrente que se insurge contra uma errada apreciação da matéria de facto, antes se lhe impõe a indicação concreta dos factos que considera mal avaliados, a necessidade de individualização das divergências com referência aos concretos meios de prova que constam do processo, a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre os mesmos e, caso o recurso se funde em prova gravada, o Recorrente tem de indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu...

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