Acórdão nº 9179/15.6T8PRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelRODRIGUES PIRES
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 9179/15.6T8PRT.P1 Comarca do Porto – Maia – Instância Local – Secção Cível – J5 Apelação Recorrente: B… Recorrida: “C…, SA” (“D…, SA”) Relator: Eduardo Rodrigues Pires Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Maria de Jesus Pereira Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO A autora B…, residente na Rua …, nº …, …, …, intentou a presente ação declarativa de condenação contra a ré “C…, SA”, com sede na Rua …, .., …, Porto, pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização de 9.762,01€, a título de danos patrimoniais, mais os que se apurarem em sede de execução de sentença e de 5.000,00€, a título de danos morais, mais o que se apurar em função da incapacidade que vier a ser estabelecida também em sede de execução de sentença.

Pretende ainda a condenação da ré no pagamento de um valor correspondente aos lucros cessantes vincendos, decorrentes do facto de a autora não poder exercer a sua atividade profissional em pleno, a calcular em sede de execução de sentença.

A ré, na contestação, perante a causa de pedir constante da petição inicial, veio alegar que para a presente ação são competentes as secções do trabalho, ocorrendo assim exceção dilatória da incompetência absoluta do tribunal determinativa da sua absolvição da instância.

A autora respondeu, sustentando a competência das secções cíveis.

Em sede de audiência prévia, a autora foi notificada para proceder ao aperfeiçoamento da sua petição inicial, o que cumpriu.

A ré apresentou nova contestação, em que voltou a excecionar a incompetência do tribunal em razão da matéria.

A autora respondeu uma vez mais, sustentando a competência das secções cíveis.

Foi depois proferido o seguinte despacho: “(…) Nos presentes autos é, desde logo, invocada pela Ré a excepção dilatória de Incompetência deste tribunal em razão da matéria.

A Constituição da República Portuguesa, no seu artº 211º, nº 1, estabelece que “os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais” (art. 211.º, nº 1).

Entre os tribunais judiciais de primeira instância temos os tribunais de comarca, os quais se desdobram em secções de competência genérica (que ainda se podem subdividir em secções cíveis, criminais e de pequena criminalidade) e secções de competência especializada, tais como a de Trabalho – cfr. artº 79 a 81 da Lei 62/2013 de 26/08 (LOJ).

A competência das secções cíveis vem definida no artº 117º da LOJ e a competência das secções especializadas do Trabalho, vem definida no artº 126 da LOJ.

Assim, as secções do trabalho, enquanto especializadas, têm a sua competência limitada às matérias que lhes são especialmente atribuídas.

Como se sabe, a aferição da competência material de um tribunal para julgar uma acção determina-se pela causa de pedir e pelo pedido invocados pelo Autor.

Como refere no Acórdão da Relação do Porto de 23/03/2015, in www.dgsi.pt: “ …conforme ensina Manuel de Andrade, para se decidir qual a norma de competência aplicável “deve olhar-se aos termos em que foi posta a acção seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.), seja quanto aos seus elementos subjectivos (identidade das partes)”. Depois de salientar que a competência do tribunal “se determina pelo pedido do Autor”, acrescenta que “é ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor (compreendidos aí os respectivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão”.

Seguindo estes ensinamentos, ter-se-á então de perscrutar os termos em que a acção foi proposta e a causa de pedir que lhe serve de substrato fáctico.” Ali se cita a posição de Manuel de Andrade, segundo a qual a competência em razão da matéria se determina pelo pedido do Autor (Noções Elementares de Processo Civil, 1976, p. 91).

Este princípio tem encontrado acolhimento pacífico na jurisprudência. Lê-se no acórdão do STJ, de 18-11-2004, in www.dgsi.pt: “A competência do tribunal em razão da matéria, no confronto do tribunal do trabalho e do tribunal de competência genérica ou da vara, do juízo cível ou do juízo de pequena instância cível é essencialmente determinada à luz da estrutura do objecto do processo, envolvida pela causa de pedir e pelo pedido formulados na petição inicial, independentemente da estrutura civil ou laboral das normas jurídicas substantivas aplicáveis.” Será, portanto, imprescindível a averiguação da causa de pedir e do pedido invocados pelo Autor para depois se poder avaliar, por consulta das disposições determinativas da competência dos tribunais cíveis ou de trabalho em quais das competências se enquadra a situação em apreço.

A competência cível dos tribunais do trabalho encontra-se, como se disse, fixada no artigo 126.º da LOJ.

No artº 126º, nº 1, c) compete às secções especializadas do trabalho conhecer das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais.

Sustenta a Ré que a situação invocada pela Autora cai na previsão daquela norma.

Já a Autora afirma que não, pois, a causa de pedir que sustenta a acção não é o acidente de trabalho que a Autora sofreu em 2 de Abril de 2013 mas o cumprimento defeituoso do contrato de seguro de acidentes de trabalho por conta própria celebrado entre a Autora e a Ré.

Vejamos então, a factualidade invocada pela Autora e o pedido formulado por esta.

Se analisarmos a petição inicial apresentada pela Autora, mesmo já depois de aperfeiçoada, vemos que do artº 1º ao 7º relata como ocorreu o que ela própria classifica como acidente de trabalho, ocorrido em 2 de Abril de 2013 e as lesões que sofreu em consequência directa do mesmo, a saber: “ traumatismo torácico “, tendo recorrido aos serviços da Ré no dia 3 de Abril de 2013, tendo sido medicada pelo ortopedista do departamento da Ré, Dr. E… com anti-inflamatórios e tendo tido alta médica.

Mais alega que, no dia seguinte o seu estado de saúde piorou e ela voltou aos serviços da Ré, tendo sido assistida pela Dra. F… que “lhe colocou uma banda torácica e substituiu a medicação prescrita pelo Dr. E… por analgésicos mais potentes e lhe atribuiu ITA por mais seis dias.” Em 9 de Abril voltou à consulta da Dra. F… “ que lhe estabeleceu um quadro clínico semelhante e lhe prorrogou a ITA por mais sete dias”.

Em 15/04/2013 retornou à consulta de ortopedia, novamente com o Dr. E… “ a quem relatou ter piorado da parte torácica e que sentia visão turva, insónias, tonturas e muito frio” (artº 11).

Na sequência dos sintomas relatados o médico pediu TAC torácia (artº 12).

Na avaliação que o médico fez da TAC detectou que “havia suspeita de fractura do sexto e sétimo arcos costais direitos, tendo-lhe aumentado a dose de opiáceo antes receitada”, estabeleceu ITA até 8/05/2013 e, atentas as queixas que a Autora mantinha, enviou-a para a consulta de pneumonologia (artº 13 a 15).

Em 30/04/2013 o pneumologista Prof G… detectou ainda na TAC uma lesão da pleura e, para obviar às dores que a Autora sentia prescreveu-lhe medicação anti-inflamatória “potente. (artº 16 e 17).

Em 8/05/2013, voltou à consulta do Dr. E… e queixou-se da persistência dos sintomas de ”visão turva, insónias, tonturas e muito frio” e, mediante a própria insistência da Autora no sentido de lhe ser alterada a medicação o médico fê-lo alterando-a no sentido descrito no artº 19º da PI e prorrogando-lhe a ITA por 30 dias.

No artº 20º da PI a Autora alega que os sintomas que vinha sentindo “visão turva, insónias, tonturas e muito frio” eram efeitos secundários da medicação.

E, pese embora afirme no artº 19º que o ortopedista, mediante a persistência das queixas, lhe alterou a medicação e lhe prorrogou por 30 dias a ITA no artº 20º diz que ele não tomou um das duas atitudes adequadas: ou alterar a medicação ou manter a medicação e recomendar repouso absoluto e por isso, devido aos efeitos secundários da medicação, nessa mesma noite 8/05/2013, desmaiou e “quando veio a si estava caída no chão com dores violentas na anca direita e coluna lombar, efeitos esses que passaram quando a Autora gradualmente suspendeu a toma da medicação ( artº 23).

Ora, aqui chegados temos que é a própria Autora quem alega que o desmaio (e, acrescentamos nós, por conseguinte, a queda consequente) foi um efeito secundário da medicação que estava a tomar para cura das lesões sofridas em consequência directa do acidente de trabalho, a saber: ““ traumatismo torácico “ e a “ lesão na pleura”.

Assim, até aqui não existe qualquer dúvida de que as lesões que a Autora alega, inclusive as originadas pelo desmaio são consequência do acidente de trabalho, pois, não é alegado qualquer facto susceptível de interromper aquele nexo causal, sendo por demais conhecido e previsível o facto de a toma de medicação, ainda para mais,” potente” como alega a Autora poder causar efeitos secundários, sendo um dos mais normais, tonturas ou desmaios.

Ora, a Autora, como afirma no artº 41º, em consequência deste estado de saúde esteve com baixa dada pelo pneumologista até 8/06/2013 (artº 41) e é ela quem alega no artº 44 que a lesão que lhe foi detectada na anca em 4/06/2013 pelo Dr. H… “sacroleíte direita traumática grave“ foi consequência direta da queda provocada pelo desmaio”.

Aliás, a Autora continua no artº 55º e 56º a alegar que por manter “queixas torácicas“ e “por estar polimedicada há cerca de dois meses“ um dos médicos da Ré, o Prof. G… entendeu por bem que fosse avaliada em medicina interna e veio a ser-lhe sempre prorrogada a ITA até 24/07/2013 – cfr. artº 58.

Assim, todas as lesões sofridas pela Autora – o traumatismo torácico e a lesão da pleura directamente e o desmaio com a consequente queda, por via dos efeitos secundários da medicação ministrada para o tratamento daquelas lesões, mantêm nexo de causalidade adequada com a...

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