Acórdão nº 168/07.5TBAMT-D.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelMIGUEL BALDAIA DE MORAIS
Data da Resolução13 de Fevereiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 168/07.5TBAMT-D.P1 Origem: Comarca do Porto Este, Penafiel – Instância Central – Secção Cível, Juiz 1 Relator: Miguel Baldaia Morais 1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra 2º Adjunto Des. José Sousa Lameira* Sumário I- De acordo com o regime presentemente plasmado na lei adjetiva (art. 311º do Código de Processo Civil), o incidente de intervenção principal espontânea será admissível quando um terceiro pretenda, sponta sua, intervir na causa como associado de qualquer uma das partes primitivas.

II- Para que o incidente possa ser admitido, torna-se mister que o terceiro venha a juízo fazer valer um direito seu, ou na expressão da lei, “um direito próprio paralelo” ao da parte primitiva a que pretende associar-se, exigindo-se outrossim que se esteja em presença de um direito (rectius, interesse) pelo qual pudesse, ab initio, demandar ou ser demandado com essa parte.

III- O esquema que define a figura da intervenção principal espontânea, caraterizada pela igualdade ou paralelismo do interesse do interveniente com o da parte a que se associa, traduz-se, assim, na cumulação no processo da apreciação de uma relação jurídica própria do interveniente, substancialmente conexa com a relação material controvertida entre as partes primitivas, em termos de tornar possível um hipotético litisconsórcio (necessário ou voluntário) inicial.

IV- Por inexistência dessa relação litisconsorcial, está afastada a possibilidade de dedução desse incidente nas situações em que o terceiro pretende tão-somente substituir na lide uma das partes primitivas.

* Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I- RELATÓRIO B…, Ldª intentou a presente ação declarativa contra C… Ldª peticionando que seja declarada a resolução de contrato de empreitada celebrado entre ambas, por incumprimento definitivo imputável à ré, sendo esta condenada no pagamento da quantia de €787.259,37, acrescida de juros de mora desde a citação até integral e efetivo pagamento.

No decurso da ação, veio a “D…, Ldª” (que anteriormente havia deduzido incidente de habilitação de cessionário – apenso A -, julgado improcedente por decisão já transitada em julgado) deduzir incidente de intervenção principal espontânea alegando, para tanto, que a autora lhe cedeu o crédito que detinha sobre a ré resultante do incumprimento do ajuizado contrato de empreitada.

Acrescenta que, por mor da operada cessão de créditos, “deverá intervir nos presentes autos para que a decisão possa regular definitivamente a situação concreta dos factos relativamente ao pedido formulado”.

Notificadas as partes primitivas, pronunciou-se a ré pugnando pela não admissibilidade do incidente de intervenção de terceiros.

Foi proferido despacho que admitiu a requerida intervenção principal, por se considerar mostrarem-se verificados os pertinentes pressupostos.

Inconformada com tal decisão, veio a ré interpor o presente recurso, o qual foi admitido como apelação, a subir em separado e com efeito meramente devolutivo.

Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes CONCLUSÕES: 1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que admitiu o incidente de intervenção espontânea da D…, Lda. (cessionária), por cessão do crédito da Autora B… (cedente), tendo entendido a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo ser essa a única forma de colmatar o vazio deixado pela liquidação da referida Autora; 2. Como decorre do apenso A, inicialmente, a Requerente D…, Lda. deduziu, com os mesmos fundamentos, incidente de habilitação de adquirente ou cessionária, o qual foi julgado improcedente, tendo pacificamente transitado em julgado.

  1. A Mm.ª Juíza do Tribunal a quo entendeu erradamente que “era do entendimento das instâncias superiores que no presente caso teria ocorrido uma cessão de créditos…”, quando – por força até do caso julgado formal que havia ocorrido no apenso A – tal não foi levado ao ponderado juízo daquelas instâncias. Apenas foram chamadas a pronunciar-se acerca da inutilidade superveniente da lide, ou do prosseguimento, ou não da ação, em face da dissolução e liquidação da Autora e da sua substituição pelos seus liquidatários.

  2. Contrariamente ao vertido na sentença em crise, nos autos não ficou sequer demonstrada a existência de qualquer cessão de crédito.

  3. A Requerente para justificar o seu direito de crédito alegou o seguinte: A B…, Lda, a 29 de Dezembro de 2009 deliberou a dissolução e liquidação da sociedade mas, antes disso, cedeu os créditos detidos sobre a sociedade C…, Lda à aqui requerente – vide Artigo 7 do Requerimento de Intervenção sublinhado nosso 6. Para comprovar tal cedência de crédito juntou o doc. 2, que mais não é do que a ata em que foram tomadas essas deliberações. Analisando o conteúdo da ata verifica-se que foi objeto da deliberação, integrando o ponto 1 da ordem do dia a “cessão de créditos detidos sobre a firma C…, Lda, à firma E…, Lda e a firma Construções F…, Lda, reclamados judicialmente para a firma D…, Lda.

  4. Posta aquela proposta à votação, reza a ata, “foi deliberado proceder à transmissão dos aludidos créditos para a D…,Lda, a qual, após a referida cessão, passa a assumir todos os direitos e obrigações….”(sic) sublinhado nosso.

  5. Logo, se foi deliberado proceder, é porque, ao contrário do que vem alegado no requerimento inicial de intervenção principal espontânea, ainda não tinham procedido, ainda o iriam fazer, pelo que tal facto não podia ter sido dado (sabe-se lá porquê!!) como assente, quando foi impugnado e sobre ele não recaiu qualquer outra prova.

  6. Nos termos do n.º 1 do art.º 577.º do C.C., o credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor, conquanto a cessão não seja interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor; e os requisitos e efeitos da cessão entre as partes definem-se em função do tipo de negócio que lhe serviu de base.

  7. Quer isto dizer que, entre as partes (no que respeita ao cedente e cessionário), a validade da cessão é aferida pelo modelo de negócio que lhe deu origem (venda, pagamento, mútuo…); 11. Um dos requisitos desta forma de transmissão de obrigações é, como ensina Menezes Leitão in “Direito das Obrigações”, vol. II (transmissão e Extinção das Obrigações, Não Cumprimento e garantias do Crédito), 7.ª ed. 2010, pág 17, que o qualifica como sendo o primeiro dos requisitos, a existência de um negócio jurídico a estabelecer a transmissão da totalidade ou de parte de um crédito, acrescentando que pode esse negócio consistir numa compra e venda (art.º 874º do C.C.), numa doação (art.º 940º do C.C.), numa sociedade (art.º 984º, c) do C.C.), num contrato de factoring, numa dação em cumprimento (art.º 837º do C.C.) ou pro solvendo (art.º 840º n.º 2do C.C.), ou num ato de constituição de garantia.

  8. Ora, à luz destes princípios legais e doutrinais, não vemos que o documento supra mencionado, ou seja cópia da ata n.º 27, configure um negócio jurídico celebrado entre a B…, Lda. e a D…, Lda.

  9. Contrato, consoante o define o Prof. Carlos da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª Edição, pág. 105, define-se o negócio bilateral constituído por duas ou mais declarações e vontade convergentes, tendentes à produção de um mesmo resultado jurídico unitário (v.g. compra e venda, doação, sociedade, arrendamento, aluguer, empreitada, etc.) sublinhado e negrito nosso.

  10. Também a cessão de crédito consiste num contrato que pode assumir qualquer das formas configuráveis para o contrato base ou causal. In casu, não se mostra junto qualquer contrato de cedência ou transmissão do pretenso crédito. O que existiu foi apenas uma deliberação tomada pelos sócios da B…, Lda no sentido de transmitir à Requerente o alegado crédito.

  11. A deliberação, porém, não é um contrato, traduzindo apenas uma declaração unilateral de vontade plurissubjectiva dos sócios em transmitir o invocado crédito.

    Na verdade, 16. Conforme refere Pinto Furtado, in “Deliberação dos Sócios”, Almedina, Coimbra, 1993, pág. 49, “as deliberações dos sócios não são mais, afinal, do que declarações unilaterais da sociedade, formadas como actos colegiais do plenário de sócios, segundo uma das “formas” admitidas por lei para o respectivo tipo social”.

  12. A deliberação foi unicamente uma manifestação de vontade dos sócios no sentido de autorizarem que a cessão do pretenso crédito se fizesse nas condições da proposta colocada à votação. Não encerra, em si, qualquer cedência de crédito.

  13. O teor da ata foi devidamente impugnado pela aqui Recorrente, sendo aliás, um documento em si inidóneo à prova daquele facto. Não obstante a falta de prova da invocada transmissão, a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo deu como assente a aludida cessão de crédito.

  14. Em súmula: do que foi alegado nos autos vide Requerimento inicial e da prova documental junta (que foi impugnada) não se verifica, de todo, qualquer convénio entre hipotético cedente e cessionária, mas apenas e tão só a manifestação de vontade de um deles. Na dita ata não se operou nem a transmissão dos créditos detidos pela “B…” para a “D…”, sobre as sociedades na ata referidas, nomeadamente, sobre a aqui Requerida e ora Recorrente, nem a assunção da contrapartida pela D…, logo esta não adquiriu a qualidade de credora.

  15. Este Tribunal de recurso já assim se pronunciou (quanto ao teor da mesma ata) a propósito da aludida cessão de crédito da sociedade “B…” para a “D…”, com referência ao crédito alegadamente detido por aquela sobre uma outra empresa denominada E… (conforme resulta da mesma ata 27), vide Ac. da Relação do Porto, processo n.º 2260/12.5TBAMT.P1 – 3.ª Secção, datado de 10.07.2013, e em que foi Relatora a Mm.ª Juíza Desembargadora Dr.ª Teresa Santos.

  16. Por outro lado, não está sequer alegado (porque não existiu) a notificação da referida cessão à aqui Recorrente, o que torna tal negócio (a ter existido) ineficaz em relação à mesma - artigo 583º, nº...

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