Acórdão nº 7526/15.0T8VNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelPAULA LEAL DE CARVALHO
Data da Resolução13 de Fevereiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Procº nº 7526/15.0T8VNG.P1 Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 947) Adjuntos: Des. Jerónimo Freitas Des. Nelson Fernandes Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório B…, aos 03.09.2015 apresentou requerimento de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento com invocação de justa causa, de que foi alvo (art. 98º-C do CPT, na redação do DL 295/2009, de 13.10), contra C…, Ldª ocorrido aos 02.09.2015[1].

Frustrada a tentativa de conciliação que teve lugar na audiência de partes, a empregadora apresentou articulado a motivar o despedimento com invocação de justa causa (art. 98º-J do CPT), para tanto, e em síntese, alegando, que entre Fevereiro e Julho de 2015 a Trabalhadora faltou ou chegou tarde ao trabalho, dando como justificação que tinha um cancro na garganta e que estava a fazer os respetivos tratamentos médicos, tendo inclusivamente rapado o cabelo. Foi de tal forma convincente que a Empregadora tudo fez para lhe facilitar os tratamentos, não exigindo qualquer justificação médica.

Contudo, em Julho de 2015 a Empregadora veio a ter conhecimento de que a Trabalhadora nunca padeceu de qualquer doença. Não obstante, ela continuou a não cumprir o horário de trabalho, pois chegava mais tarde que a hora de entrada e assinava como se tivesse chegado a horas.

Todo este comportamento da Autora obrigou a que a Empregadora tivesse a necessidade de providenciar a prestação de trabalho suplementar por parte de outros trabalhadores da empresa.

Concluiu, pedindo que seja declarada lícita e regular a sanção de despedimento aplicada à Trabalhadora.

Frustrada a tentativa de conciliação, a A., litigando com o beneficio de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de compensação de patrono, contestou, defendendo não existir justa causa para o despedimento. Para tanto, e em síntese: descreve um degradar das relações com a Ré, pela factualidade que alega; rapou o cabelo no âmbito de prática decorrente da religião umbanda que professa, não tendo, nunca, referido que padecia de qualquer doença do foro oncológico, nem a razão de haver rapado o cabelo, nem tendo que o fazer.

Mais alegou que sofreu danos morais em consequência do despedimento; que no ano de 2015 apenas gozou 12 dias úteis de férias; e que não recebeu qualquer quantia a título de proporcionais de férias, de subsídio de férias e de subsídio de natal do ano de 2015.

Concluiu, pedindo que seja declarada a ilicitude do despedimento, com a consequente condenação da Empregadora a pagar-lhe as seguintes quantias: - 2.000,00€, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais; - 1.010,00€, a título de retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento; - 1.010,00€, a título de indemnização devida pelo despedimento, nos termos do art. 391º do Código do Trabalho; - 230,00€, a título de retribuição base “acoplada” ao subsídio de férias de 2013; - 653,09€, a título de proporcionais de férias e de subsídio de férias do ano de 2015; - 326,52€, a título de proporcionais de subsídio de natal do ano de 2015.

- Tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos.

A Ré respondeu impugnando a factualidade alegada pela Trabalhadora e concluindo pela improcedência dos pedidos contra si deduzidos.

A 1ª instância formulou convite à Trabalhadora, no sentido de esta apresentar nova contestação, na qual procedesse à discriminação expressa da reconvenção, bem como do respetivo valor, na sequência do que a mesma, acedendo a tal convite, incluiu na reconvenção todos os pedidos formulados na contestação primitiva acima reproduzidos.

A Empregadora respondeu, nos mesmos termos em que o havia feito anteriormente.

Foi proferido despacho saneador, havendo sido selecionada a matéria de facto, consignando-se a assente e organizando-se base instrutória.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova, e respondidos os quesitos foi, aos 26.07.2016, proferida sentença que, julgando a ação parcialmente procedente: a) declarou ilícito o despedimento de que foi alvo a Trabalhadora; b) condenou a Empregadora a pagar à Trabalhadora: - uma indemnização em substituição da reintegração, calculada com base em 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, que nesta data se cifra em 1.515,00€; - todas as retribuições que ela deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado desta decisão, à razão mensal de 505,00€; -) tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações e até integral pagamento; c) absolveu a Empregadora do pedido de condenação no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais: d) julgou parcialmente procedente a reconvenção, em consequência do que condenou a Empregadora a pagar à Trabalhadora a quantia global de 653,09€, a título de proporcionais de férias e de subsídio de férias relativos ao trabalho prestado no ano de 2015, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data do despedimento até integral pagamento; e) absolveu a Ré de todos os demais pedidos formulados pela Trabalhadora.

Mais condenou em “custas por ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo da isenção de custas de que goza a Trabalhadora.” e fixou à ação o valor de 9.000,00€ - artigo 98º-P nº 2 do Código de Processo do Trabalho.

Inconformada, a Ré veio recorrer, tendo formulado, a final das suas alegações, as seguintes conclusões: “1. Contrariamente ao que consta da Douta Sentença em crise, quanto à formação da convicção do Tribunal, no ponto 1. os depoimentos prestados pelas testemunhas, D…, E… e F… mostraram-se convincentes, com a certeza necessária, da veracidade dos factos objeto da instrução. De forma que o tribunal deveria ter dado como provados os factos vertidos nos artigos 1º a 4º e 9º da Base Instrutória.

  1. Assim, analisando os depoimentos destas testemunhas, seguindo a ordem apresentada na Douta Sentença em crise, temos: 3. A testemunha F… que disse que duas ou três semanas antes da autora ter ido de férias, em data que não sabe precisar com exatidão, mas que sabe que terá sido antes do S. João, esta começou a ter problemas de garganta, ataques de tosse, falta de ar e tosse (CD, minuto 1:07 a 1:47). Acrescentando que a autora quando chegava ao trabalho dizia que tinha ido fazer exames médicos e biópsias (CD, do minuto 2:20 ao minuto 2:48).

  2. Esta testemunha disse ainda que um dia antes da autora regressar ao trabalho depois de férias, em junho, apareceu com o cabelo rapado (CD, do minuto 3:53 ao minuto 4:18). Tendo a testemunha deduzido que a autora tinha cancro, porque dizia que fazia tratamentos todos os dias e dizia que custavam muito (CD, do minuto 4:23 ao minuto 4:50). A autora dizia, ainda, que estava muito cansada (CD, do minuto 4:59 ao minuto 5:38).

  3. Pelo que atendo o comportamento da autora, na fábrica, todos estavam convencidos que ela tinha cancro, inclusiva a entidade patronal, pois ela dizia que tinha de ir fazer tratamentos diários e aparecia também com um penso no pescoço.

  4. Até que um dia, sem mais, apareceu sem o penso no pescoço e sem qualquer marca (CD, do minuto 5:33 ao minuto 5:48).

  5. Acrescenta, ainda, que três semanas depois de ter regressado de férias, o cabelo começou a crescer normalmente, forte e sem falhas e apareceu sem o penso no pescoço (CD, do minuto 5:48 ao minuto 6:14).

  6. A testemunha F… disse, ainda, que a autora justificava o corte de cabelo e o penso no pescoço com a doença. Ela dizia que andava doente e quando chegava mais tarde justificava com a ida aos tratamentos (CD do minuto 7:01 ao minuto 7:03). Contou, ainda, que um dia a autora chegou ao trabalho e agarrou-se a um colega a chorar, a dizer que tinha cancro. Esta testemunha disse que ouviu tal (CD, do minuto 7:56 ao minuto 8:12).

  7. E que nas primeiras duas semanas de trabalho a seguir às férias andava com o penso no pescoço (CD, ao minuto 9:14).

  8. A autora quando chegava ao trabalho dizia que estava muito cansada, porque os tratamentos tinham custado muito (CD, do minuto 9:32 ao minuto 9:59).

  9. No que diz respeito ao pagamento do subsidio de férias e de Natal, a testemunha F… afirmou que todos na fábrica recebem em duodécimos o subsidio de férias e de Natal e que foi sempre assim (CD, do minuto 7:24 ao minuto 7:35).

  10. Daí que tendo em conta o depoimento desta testemunha aqui demonstrado, o Tribunal deveria ter dado como provado os factos vertidos nos artigos 1º (dando-se como provado que a entidade patronal tinha conhecimento que a autora tinha um cancro), 2º, 4º e 9º da Base Instrutória.

  11. No que diz respeito ao depoimento da testemunha E…, esta de facto começa por dizer que a autora chegava rouca ao trabalho, dizendo que ia para festas e apanhava frio (CD do minuto 1:16 ao minuto 1:58). Tendo a instâncias do Ex.mo Senhor Juiz esclarecido que desde fevereiro até a autora ir de férias, esta apresentava-se rouca. Estava rouca, passados dois ou três dias passava-lhe e depois voltava a ficar rouca (CD, do minuto 14:19 ao minuto 14:43).

  12. Disse que a autora entrou de férias numa sexta-feira (tendo dificuldades em precisar a data ao certo, acabando por dizer que terá sido pelo S. João (CD do minuto 1:59 ao minuto 2:12). E antes de regressar de férias foi à fabrica e tinha o cabelo rapado. Dizia que se sentia mal e quando chegava tarde ao trabalho e dizia que era por causa dos tratamentos. Sentia falta de ar e ia para fora da fábrica apanhar ar. Acrescentando que os colegas de trabalho a ajudavam no que podiam (CD, do minuto 2:42 ao minuto 4:00).

  13. Esta testemunha disse ainda que a autora depois de ter rapado o cabelo dizia aos colegas de trabalho que tinha cancro e que o médico dizia que já estava muito adiantado. Acrescentando que a autora pedia ajuda aos colegas para pegar em coisas mais pesadas. Assim, todos os colegas estavam convencidos que ela tinha cancro e todos a ajudavam...

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