Acórdão nº 7426/15.3T8PRT-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE SEABRA
Data da Resolução13 de Fevereiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 7426/15.3T8PRT-A.P1 - Apelação Origem: Porto – Instância Central – 1ª Secção de Execução – J5.

Relator: Jorge Seabra 1º Adjunto Des.

Sousa Lameira.

  1. Adjunto Des.

Oliveira Abreu* *Sumário: I. De acordo com a doutrina firmada pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2002 do Supremo Tribunal de Justiça, a indicação de gerente ou administrador, prescrita nos arts. 260º, n.º 4 e 409º, n.º 4, ambos do CSC, pode ser expressa ou tácita e, nesta última hipótese, pode ela ser deduzida, nos termos do artigo 217º do CC, de factos que, com toda a evidência ou probabilidade, a evidenciem ou revelem.

  1. Como assim, estando em causa uma livrança, situada no domínio das relações imediatas, pode o subscritor que a tenha assinado, sem qualquer menção à sociedade comercial ou ao cargo que nela desempenha como gerente ou administrador, demonstrar, através de factos que com toda a probabilidade o evidenciem, que a aludida subscrição foi efectuada em nome e em representação da sociedade e não em seu nome pessoal.

  2. Todavia, em tal circunstancialismo, segundo a regra prevista no art. 342º, n.º 1 do CC, é ao subscritor – que pretende afastar a sua responsabilidade cambiária, a título individual, para a imputar à sociedade - que incumbe o ónus de alegação e prova de tais factos concludentes.

  3. Não logrando o emitente/subscritor realizar essa prova, será ele, a título individual, o obrigado cambiário e principal responsável pelo pagamento do montante inscrito na livrança na data do seu vencimento.

  4. Neste contexto, inexistindo obrigação cambiária societária, não se coloca sequer a hipótese de uma tal vinculação sofrer de vício de forma, susceptível de, à luz do preceituado no art. 32º, II da LULL, comprometer a obrigação de garantia do pagamento da livrança assumida pelos avalistas do subscritor.

* *Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto: I-RELATÓRIO.

1.

B… e C… deduziram os presentes embargos de executado contra a execução ordinária que por sua vez move contra si o “D…, S.A.

“, pedindo a suspensão e posterior extinção da instância executiva.

Para tanto alegam, em suma, que a livrança dada à execução foi por si assinada em branco, e que não subscreveram qualquer pacto ou acordo, que permitisse ao exequente preencher a mesma nos termos em que o fez.

Afirmam que a referida livrança apenas foi subscrita pelo embargante/executado B…, na qualidade de legal representante de uma sociedade, sendo o demais preenchimento da livrança um erro do exequente.

Finalmente afirma o embargante/executado C…, que nunca quis avalizar o oponente B… em nome individual, nem qualquer financiamento que titule a emissão de tal livrança.

*2.

Recebidos os embargos, contestou o exequente, pugnando pela sua improcedência.

*3.

Saneados os autos, procedeu-se à audiência de julgamento, vindo a ser proferida sentença que julgou improcedentes os embargos, com o consequente prosseguimento da execução.

*4.

Inconformado com a aludida sentença, dela interpôs recurso de apelação o embargante B…, em cujo âmbito deduziu as seguintes CONCLUSÕES A.

Concluiu o Ilustre Tribunal a quo que não se provaram quaisquer factos que estejam em contradição ou que vão para além dos dados como provados, designadamente o Tribunal a quo não teve em consideração as declarações do executado bem como as declarações das testemunhas, onde se pode provar que esta livrança não corresponde ao pacto de preenchimento dado a execução e a livrança dada a execução padece de um vício de forma.

B.

Ora não pode de forma alguma o ora recorrente conformar-se com tal conclusão até porque entende que no âmbito da prova produzida no decurso da audiência de julgamento resultou precisamente o contrário, ou seja, que a livrança padece de um vício de forma.

C.

O Exmo. Sr. Juiz a quo deu como provado os seguintes factos: “1. O embargado/exequente é portador de uma livrança, ora junta a fls. 66 dos autos principais, da qual consta: Local e data, Porto, 14/04/2011; Importância em euros, € 11.851,46; Valor, financiamento; Vencimento, 2012/04/06; 2. Consta ainda a expressão "No seu vencimento pagarei por esta única via de livrança ao E…, S.A., ou à sua ordem a quantia de onze mil, oitocentos e cinquenta e um euros e quarenta e seis cêntimos"; 3. No espaço destinado à assinatura do subscritor, consta a assinatura manuscrita do embargante/executado B….

4. No espaço destinado ao nome e morada dos subscritores consta "B…, Rua …, …, ….-… Vila Nova de Gaia"; 5. No verso da respectiva livrança consta por quatro vezes a expressão "Bom por aval ao subscritor", seguida de outras tantas assinaturas manuscritas, incluindo as dos aqui embargantes; 6. Ainda no verso do mesmo documento consta a seguinte expressão "Declara o D…, S.A., que recebeu por conta desta livrança os seguintes valores: 07/03/2013, € 496,61, e em 27/05/2013, € 787,42, totalizando € 1.283,55, constando a seguir o carimbo a óleo com os dizeres D…, S.A., e duas assinaturas manuscritas ilegíveis; “ D.

Sendo tal matéria a base de sustentação para a conclusão que a foi o aqui recorrente quem assinou, na qualidade de subscritor e avalista, a livrança dada a execução.

E.

Salvo o elevado respeito, entende a aqui recorrente que face à prova produzida jamais e em tempo algum os factos identificados com os números 3, 4 e 5 poderiam ter sido dado como provados, senão vejamos: F.

O subscritor da livrança quando o é não vem dar aval a si próprio!!! Como ficou cabalmente demonstrado que a livrança dada a execução foi subscrita pelo executado B… e avalisada pelo mesmo, por maioria de razão esta dívida nunca poderia ser sua pessoalmente e o pacto de preenchimento tinha anexo um contrato com uma sociedade.

G.

O Tribunal a quo em momento algum da Douta Sentença ora em recurso, nomeadamente nos factos dados como provados, faz referência ao aval do próprio subscritor da livrança HAJA RAZOABILIDADE!!!!! H.

O Exmo. Sr. Juiz a quo deu como não provado os seguintes factos: 1. Que a livrança em causa nos autos tenha sido subscrita em branco; 2. Que a livrança em causa nos autos tenha sido subscrita pelo embargante/executado B…, na qualidade de legal representante de qualquer sociedade comercial; I.

E neste caso, existe nos autos prova suficiente que afirme, de uma forma expressa e clara, que a livrança foi assinada em branco e que o executado B… agiu em representação de uma sociedade.

J.

Como pode o Tribunal a quo dar os factos não provados que deu e explicar como é que alguém que subscreve uma livrança dá o aval a ele próprio!!!!.

K.

O Tribunal a quo não deu qualquer relevância ao depoimento das testemunhas arroladas pela exequente nem deu qualquer relevância as declarações de parte do executado B….

L.

No depoimento das testemunhas, funcionário da exequente, ambas não tem explicação para o subscritor ter dado o seu aval, tendo ficado cabalmente provado que a livrança foi preenchida depois da mesma ter sido assinada.

M.

Esta mais evidente que esta livrança padece de um vício de forma se não vejamos: N.

Como acima se acenou, importa para os recorrentes saber se a nulidade da subscrição da livrança declarada no Acórdão recorrido – e, aqui, intocável – é consequência de vício de forma pois só assim ficariam a coberto da excepção da segunda parte “in fine”, do artigo 32º da Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças.

O.

Cabem, porém, aqui algumas considerações sobre a forma.

P.

O princípio da liberdade de forma constante do artigo 219º do Código Civil significa que, como regra, a validade dos negócios, no direito privado, independe de certa forma.

Q.

Daí que o comportamento declarativo seja, em princípio consensual, menos rígido (ou menos solene e uniformizado) salvo se a lei determinar certa exigência formal, não bastando, então, um mero acordo de vontades para a perfeição negocial.

R.

É a liberdade declarativa que só cede quando o legislador entende que exigências de uma maior reflexão das partes, de maior rigor na formulação, de cognoscibilidade do acto, de necessidades de prova ou até na preocupação de conferir maior solenidade (por razões sociais que impõem se prestigie o negócio) ou, finalmente, buscando a intervenção de um terceiro com papel conformador e autenticador.

S.

São, evidentemente, excepções (forma legal e forma convencional) ao antigo princípio segundo o qual o bom pai de família (como homem escrupuloso e de boa fé) se vincula com a própria palavra dada. (cf. Prof. Manuel de Andrade, “Teoria Geral da Relação Jurídica, 1953, nº 27; Prof. Galvão Telles, “Dos contratos em geral”, 1947, 106; Prof. Vaz Serra, “Contrato de modificação ou de substituição da relação obrigacional”, BMJ 80; Prof. Rui de Alarcão, “Forma dos negócios jurídicos”, BMJ 86, entre outros).

T.

Decorre, também, como principio, a nulidade da declaração negocial carente da forma legal (cf. o artigo 220º do Código Civil que, como nota o Prof. Rui Alarcão [ob. cit. 179] dá “acolhimento […] à ideia de que a inobservância da forma imposta pela lei deve trazer como consequência, em principio, a nulidade e não a simples anulabilidade [nulidade absoluta hoc sensu]. É a solução que se harmoniza com os fins de ordem pública da forma legal, e que corresponde à orientação do nosso direito vigente, e à de outros sistemas jurídicos.”).

U.

Também como regra os requisitos de forma surgem com natureza “ad substantiam” embora, em certos casos, a lei os subalternize vocacionando-os para simples meios de prova da declaração, deixando de ser “ad solemnitatem” para se assumirem como “ad probationem” (então, à carência é adequada a terapia do nº 2 do artigo 364º do Código Civil).

V.

É do exposto que resulta que a expressão “vício de forma” enquanto conceito de direito privado pode implicar realidades completamente distintas. (Não, assim, no direito administrativo que incorpora no vicio de forma não só a carência absoluta de forma legal, como a preterição de formalidades, quer as anteriores à prática do acto [v.g um parecer obrigatório], quer as contemporâneas [v.g. sobre a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT