Acórdão nº 649/13.1GBVFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 22 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelERNESTO NASCIMENTO
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo comum colectivo 649/13.1 GBVFR da Comarca de Aveiro, Santa Maria da Feira, Instância Central, 2.

a Secção Criminal – J1 Relator - Ernesto Nascimento Adjunto – José Piedade Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório I. 1. Efectuado o julgamento foram condenados os arguidos, parte criminal: - B… e C…, pela prática, em autoria material, de um crime de violação de regras de segurança, p. e p. pelo artigo 152.°-B/1, 2, e 4, alínea b) C Penal, conjugado com os artigos 1.°, 44.°, 45.° e 54.° do Decreto 41825/58, de 11.08, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa pelo mesmo período, mediante regime de prova, que contemplará medidas de interiorização, pela mesma, da necessidade de adopção, no futuro, das regras de segurança que as obras a seu cargo imponham e, - D…, Lda., pela prática de um crime de violação de regras de segurança, p. e p. pelos artigos 11.°/2 alínea a) e 4, 152.°-B/1, 2, e 4 aIínea b) C Penal, conjugados com os artigos 1.°, 44.°, 45.° e 54.° do Decreto 41825/58, de 11.08, na pena de 420 dias de multa, à razão diária de € 100,00, perfazendo o montante global de € 42.000,00; parte cível: na parcial procedência do pedido de indemnização civil, a pagar solidariamente, - a quantia de € 20.000,00 à demandante E…, acrescida dos respectivos juros de mora, calculados à taxa legal dos juros civis em vigor em cada momento, vencidos e vincendos desde a data desta decisão até integral pagamento; - a quantia de € 20.000,00 ao demandante F…, acrescida dos respectivos juros de mora, calculados à taxa legal dos juros civis em vigor em cada momento, vencidos e vincendos desde a data desta decisão até integral pagamento; - a quantia de € 74.755,20 à demandante G…, acrescida dos respectivos juros de mora, calculados à taxa legal dos juros civis em vigor em cada momento, vencidos e vincendos desde a data desta decisão até integral pagamento; - absolvendo-os do demais peticionado.

  1. 2. Inconformados com o assim decidido, recorrem, quer os arguidos, quer, subordinadamente, a demandante, sustentado aquilo que qualificam como conclusões, mas que, como tal não podem ser entendidas, no sentido comummente aceite de resumo das razões do pedido, pelo que aqui se não transcrevem, apenas se enunciando as questões aí suscitadas.

    E que são, respectivamente.

    - por parte dos arguidos: a nulidade da sentença; erros de julgamento; a violação do princípio in dubio pro reo; a subsunção dos factos ao direito e, o quantum da indemnização; - por parte da demandante: o quantum da indemnização, reportado aos danos de natureza patrimonial.

  2. 3. Nas respostas que apresentaram, a Magistrada do MP e a assistente, defendem o não provimento do recurso interposto pelos arguidos e, estes, por sua vez, defendem o não provimento do recurso interposto por esta última.

  3. Subidos os autos a este Tribunal a Exma. Sra. PGA, invocando o facto de o recurso se limitar à parte cível, limitou-se a apor o visto.

    No exame preliminar o relator deixou exarado o entendimento de que nada obstava ao conhecimento dos recursos, que, por sua vez, haviam sido admitidos com o regime de subida adequado.

    Seguiram-se os vistos legais.

    Foram os autos submetidos à conferência e dos correspondentes trabalhos resultou o presente acórdão.

  4. Fundamentação III. 1. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões da motivação apresentada pelo recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas - a não ser que sejam de conhecimento oficioso - e, que nos recursos se apreciam questões e não razões, bem como, não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, então, as questões suscitadas nos presentes, são as de saber se, - recurso dos arguidos: a nulidade da sentença; erros de julgamento; a violação do princípio in dubio pro reo; a subsunção dos factos ao direito e, o quantum da indemnização; - recurso da demandante: o quantum da indemnização, reportado aos danos de natureza patrimonial.

  5. 2. Vejamos, então, para começar, a matéria de facto definida pelo Tribunal recorrido.

    Factos provados

    1. Da acusação e do pedido de indemnização civil: 1. A sociedade arguida D…, Lda. tem por objecto social o fabrico, comercialização, importação e exportação de gruas e outras máquinas e equipamentos para a indústria da construção civil; prestação de serviços conexos, nomeadamente de assistência técnica e aluguer.

      1. A arguida B… consta do Registo Comercial como gerente da sociedade arguida desde 6.01.2005.

      2. A arguida B… é casada com o arguido C….

      3. H… é filho dos arguidos B… e C….

      4. A sociedade arguida tem os serviços de Segurança no Trabalho na modalidade de serviços externos, sendo a sociedade "I…, Lda." a entidade contratada para assegurar estes serviços.

      5. No dia 24 de Abril de 2014, o arguido C… teve um traumatismo facial e craniano grave, após acidente de trabalho com martelo pneumático, apresentando, como consequência, síndrome cerebral orgânico, o que lhe provoca grande prejuízo da sua capacidade de entendimento, discernimento e autodeterminação, pelo que, a partir dessa data, passou o seu filho H… a participar, também, da gestão da sociedade arguida.

      6. Desde, pelo menos, os dias 23 de Janeiro de 1995 e 6 de Janeiro de 2005 até ao dia 24 de Abril de 2014, eram os arguidos C… e B…, respectivamente, quem detinha o poder de decisão na sociedade arguida, no domínio da gestão comercial e financeira, cabendo a estes os actos de gestão.

      7. No âmbito da actividade profissional indicada em 7), nos períodos aí indicados, os arguidos C… e B… eram os únicos responsáveis pela direcção dos trabalhos que, a título de empreitada ou subempreitada, a sociedade arguida realizava, sob o ponto de vista técnico e sob o ponto de vista organizacional e operacional, eram quem definia o quadro de trabalhadores ao serviço daquela, recrutando-os, distribuindo-os e definindo as tarefas a executar por cada um deles, cabendo-lhes, também, o aprovisionamento dos equipamentos necessários à boa execução dos trabalhos.

      8. O ofendido J… foi trabalhador da sociedade arguida desde o dia 1 de Março de 1994 até ao dia 30 de Abril de 2000.

      9. Desde, pelo menos, o ano de 2012, o ofendido J… prestava serviços de fabricação, montagem e desmontagem de equipamentos de elevação para a sociedade arguida, na qualidade formalmente designada de "trabalhador independente".

      10. O ofendido J… celebrou com a Companhia de Seguros K… um acordo de seguro denominado "Seguro Acidentes de Trabalho Gerentes e Administradores, Profissões Liberais e Trabalhadores Independentes", mediante a apólice nº…….., que produziu efeitos desde 12.12.2011 até 30.11.2013, tendo por pessoa segura o referido tomador de seguro e com a cobertura de riscos traumatológicos, incluindo risco de trajecto.

      11. Na segunda semana do mês de Setembro de 2013, o arguido C… ordenou que o ofendido J…, acompanhado dos trabalhadores da sociedade arguida, L… e M…, procedesse à limpeza e impermeabilização das caleiras do pavilhão industrial da sociedade arguida, sita na Rua …, em …, concelho de Santa Maria da Feira.

      12. Alguns dos instrumentos e utensílios e maquinaria utilizados na obra referida em 12) eram pertença da sociedade arguida.

      13. A cobertura do pavilhão onde estavam a ser executados aqueles trabalhos é constituída por dois tipos de placas: a) placas de fibra (translúcidas): com uma largura de 10S0 mm, caracterizadas por não terem resistência de carga, quebrando-se com facilidade; e b) placas de ferro: com uma largura de 1500 mm, caracterizadas por terem alguma resistência à carga.

      14. Cada placa de fibra alterna com quatro placas de metal.

      15. Os trabalhadores identificados em 12) conheciam as características da cobertura e estavam conscientes do risco associado às placas de fibra, sabendo que teriam de apoiar-se nas placas de ferro.

      16. Dado que a manipulação da tela tem de ser realizada em toda a sua extensão, inclusive nos espaços onde se encontram as placas de fibra, os trabalhadores apenas podem apoiar-se e caminhar sobre a viga longitudinal.

      17. Os arguidos não fixaram qualquer prazo para que os trabalhadores identificados em 12) procedessem à conclusão dos trabalhos, podendo realizar os mesmos calmamente e interromper com pausas frequentes.

      18. No dia 17 de Setembro de 2013, cerca das 15:50 horas, L…, M… e o ofendido J… encontravam-se a proceder ao estiramento da tela de impermeabilização na caleira da cobertura, manipulando-a, em simultâneo, em três locais distanciados uns dos outros, de forma a garantir que a tela ficasse bem esticada.

      19. O ofendido J… estava no meio, M… estava na extremidade norte e o L… estava na extremidade sul.

      20. M… afirmou perante os colegas que a tela deveria estar mais chegada à extremidade, tendo o ofendido J… se levantado e começado a andar sobre a viga longitudinal para verificar o que o colega estava a afirmar.

      21. Enquanto o ofendido J… caminhava, passou por uma placa de fibra, deu um passo em falso e com o seu peso, a placa de fibra partiu-se, provocando a queda daquele para o interior do pavilhão, a uma altura de cerca de 7 metros.

      22. Como consequência directa e necessária da queda referida em 22), o ofendido J… sofreu lesões traumáticas crânio-meníngeoencefálicas e lesões torácicas, as quais foram causa directa da sua morte, ocorrida imediatamente.

      23. Os arguidos B… e C… sabiam que os mencionados trabalhos estavam a ser executados sem qualquer equipamento de protecção contra quedas em altura.

      24. Apesar de saberem que a execução de trabalhos em altura expõe os trabalhadores a riscos elevados, particularmente quedas, frequentemente com consequências graves para os sinistrados e que representam uma percentagem elevada de acidentes de trabalho, os arguidos B… e C… não procederam à avaliação dos riscos associados à execução daquela obra, não definiram as medidas de prevenção adequadas aos trabalhos a realizar, não elaboraram fichas de procedimentos de segurança, apesar de aqueles trabalhos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT