Acórdão nº 5954/12.1TDLSB-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 22 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA DEOLINDA DION
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

RECURSO PENAL n.º 5954/12.1TDLSB-A.P1 2ª Secção Criminal CONFERÊNCIA Relatora: Maria Deolinda Dionísio Adjunto: Jorge Langweg Acordam os Juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:I - RELATÓRIO

  1. No âmbito do processo comum com intervenção de Tribunal Singular n.º 5954/12.1TDLSB, da Comarca do Porto, Porto - Instância Local – Secção Criminal-J2, foi julgado e absolvido, por sentença proferida a 15 de Julho de 2016, o arguido B…, com os demais sinais dos autos, da prática do crime de abuso de confiança, previsto e punível pelo art. 205º, n.º 1, do Cód. Penal.

    b) Mais foi absolvido do pedido de indemnização civil que contra ele formulava a demandante “C…, S.A.”.

    c) Inconformada, a referida demandante interpôs recurso, requerendo, concomitantemente, a constituição como assistente, ao abrigo do disposto no art. 68º, n.º 3, al. c), do Cód. Proc. Penal.

    d) Todavia, por despacho proferido a 17/10/2016, viu negada a sua pretensão com os seguintes fundamentos: Despacho Recorrido (transcrição) “A sociedade “C…, SA”, ofendida e demandante nestes autos, apresentou queixa-crime contra B… a 28.05.2012.

    Realizado o inquérito, o MP proferiu despacho de acusação contra o arguido imputando-lhe a prática, em 2011-2012, de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art.º 205º, n.º 1, do CP, o qual reveste natureza semi-pública.

    O arguido requereu a abertura de instrução, sendo que realizado debate instrutório veio o arguido a ser pronunciado nos exactos termos de facto e de direito constantes da acusação.

    O julgamento teve início a 30.09.2015, tendo sido proferida sentença a 15.07.2016 que absolveu o arguido.

    Ao longo de todo o processo a sociedade “C…, S.A.”, interveio apenas como demandante, vindo agora, ao abrigo do disposto no art. 68º, n.º 3, al. c), do CPP, na redacção da Lei 130/2015, de 04.09, com entrada em vigor 04.10.2015, requerer a sua constituição como assistente para interposição de recurso da sentença absolutória e logo no que respeita à parte crime.

    O MP teve vista nos autos e não deduziu oposição.

    Notificado o arguido, defendeu o mesmo que das regras que regem a aplicação da lei processual no tempo, resulta inaplicável a al. c) do n.º 3, do art. 68º, do CPP, por tal resultar num enfraquecimento da posição ou diminuição dos direitos processuais do arguido.

    Vejamos.

    O artigo 5.º, do CPP, que rege a aplicação da lei processual penal no tempo, dispõe que: “1 - A lei processual penal é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior.

    2 - A lei processual penal não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar:

  2. Agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa; ou b) Quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo.” Como regra a lei processual penal é de aplicação imediata.

    No entanto, existem normas processuais materiais e normas processuais próprio sensu, sendo que as primeiras estão sujeitas ao princípio da legalidade criminal.

    Para o que ao caso interessa as normas relativas à constituição de assistente são normas processuais materiais.

    Para aferir da sucessão de normas processuais penais deste tipo, o ponto de referência é a data da prática dos factos.

    Ora, quando as normas processuais materiais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores é sempre aplicável o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao arguido.

    O Ac. STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 12/2016, in Diário da República n.º 191/2016, I Série, de 04-10-2016, estabeleceu que: “Após a publicação da sentença proferida em 1.ª Instância, que absolveu o arguido da prática de um crime semipúblico, o ofendido não pode constituir-se assistente, para efeitos de interpor recurso dessa decisão, tendo em vista o disposto no artigo 68.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na redacção vigente antes da entrada em vigor da Lei n.º 130/2015, de 04.09.” O acórdão em causa não é de aplicação aos presentes autos por, na sua essência, não estar em causa a aplicação da lei no tempo, mas os seus argumentos auxiliam-nos à decisão que somos chamados a tomar.

    Com efeito, naquele acórdão consignou-se a propósito da alteração introduzida pela Lei n.º 130/2015, de 04.09, ao art. 68º, do CPP, que: “Tratando-se inquestionavelmente de lei nova a que aditou a referida alínea c) ao número 3 do artigo 68.º do Código de Processo Penal, fica, todavia, por saber se ela é, de facto, inovadora ou, ao invés, meramente interpretativa.

    Questão que, como bem se entenderá, não é despicienda, tendo em conta as consequências decorrentes da resposta que lhe for dada, nomeadamente em termos da sua aplicação retroactiva, se se concluir pela segunda das possibilidades.

    O que, como refere João Baptista Machado, significa que “a lei interpretativa, embora se aplique aos factos pretéritos, se detém perante as causae finitae (litígios terminados), sendo a sua «retroactividade» limitada pelas res judicata vel praescripta”.

    Procedendo, pois, a tal indagação, um aspecto pode, desde já, ter-se como assente: Nada na Lei n.º 130/2015, de 04.09 se diz acerca da sua eventual natureza interpretativa, no que concerne à citada norma da alínea c) do número 3 do artigo 68.º do Código de Processo Penal, quando é verdade que, ainda que se tratasse de uma norma inovadora, o legislador, se assim entendesse, sempre podia declará-lo, pese embora tal não passasse de uma forma disfarçada de atribuir, à lei nova, carácter retroactivo.

    Forma dissimulada de retroactividade que é, de todo o modo, proibida quando, relativamente a determinadas matérias, como sejam as de natureza penal, uma lei de hierarquia superior o não consinta.

    Não sendo, todavia, o que ocorre no caso vertente, uma vez que o legislador da Lei n.º 130/2015, de 04.09 nada referiu a respeito, vejamos, agora, se, pelas suas características, a dita norma da alínea c) do número 3 do artigo 68.º do Código de Processo Penal trata-se de uma norma interpretativa.

    Assentando, então, na distinção doutrinal entre leis inovadoras e leis interpretativas, diz-se que “são de sua natureza interpretativas aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vêm consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado”, certo sendo que [n]ão é preciso que venha[m] consagrar uma das correntes jurisprudenciais anteriores ou uma forte corrente jurisprudencial anterior”. Assim, “… para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários… dois requisitos: que a solução de direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou intérprete poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei”.

    Retendo estas considerações e o mais que para trás se disse acerca das razões que presidiram à decisão do legislador de, pela Lei n.º 130/2015, de 04.09, proceder à alteração do número 3 do artigo 68.º do Código de Processo Penal, aditando-lhe a aludida norma da alínea c), apuremos agora, revertendo ao caso concreto em apreciação, da natureza desta norma e, para sermos mais precisos, se se trata de uma norma inovadora, no sentido próprio e estrito do termo, ou, meramente interpretativa.

    Começando pelo sentido literal, decorrente, primeiro do que flui da Exposição de Motivos da Lei n.º 343/XII, que esteve na origem da Lei n.º 130/2015, de 04.09, e, depois, do que emana da aditada norma da alínea c) do número 3 do artigo 68.ºdo Código de Processo Penal, tudo indicia que a mesma se trata de uma autêntica norma inovadora, e não meramente interpretativa da norma do número 3 do citado artigo 68.º, na redacção vigente até àquela Lei n.º 130/2015, de 04.09.

    Efectivamente, como já se observou, com o aditamento da referenciada norma da alínea c) mais não visou o legislador que alterar o estado de coisas, designadamente, “autonomizar” o conceito de vítima existente no Código de Processo Penal, mantendo todavia os conceitos de assistente e demandante civil, “Não obstante [ter] introduzi[do] … uma alteração (que se) considera[da] significativa no regime do assistente e que se prende com a possibilidade de requerer a atribuição desse estatuto no prazo de interposição de recurso da sentença…[sendo certo] que, [até então], quando as vítimas, que não se constituíram assistentes, são confrontadas com uma sentença de absolvição já nada podem fazer, atentos os limites previstos na lei quanto ao momento para a constituição de assistente”.

    Esta, a primeira observação que importa fazer.

    Depois, para além das naturais e comuns divergências que sempre se verificam quando se trata de interpretar uma determinada norma legal, não poderá dizer-se que fosse controvertida e muito menos incerta a solução de direito que, em face do prescrito no artigo 68.º, número 3, do Código de Processo Penal, na redacção vigente até à Lei n.º 130/2015, de 04.09, era fornecida para a questão de direito atinente à possibilidade de o interessado se constituir assistente após a realização do julgamento e da prolação da sentença, ainda que com o declarado propósito de dela recorrer.

    (…) E tanto assim é que o legislador da Lei n.º 130/2015, de 04.09, na Proposta de Lei n.143/XII não fez eco de um qualquer arruído doutrinal e/ou jurisprudencial que, porventura detectado, impusesse fazer a alteração a que procedeu.

    Acresce que, se é certo que a solução definida pela Lei n.º 130/2015, de 04.09, mercê do aditamento efectuado à norma da alínea c) do número 3 do artigo 68.º do Código de Processo Penal, coincide com a acolhida no acórdão recorrido, logo contida no quadro da controvérsia que aqui se suscita, é igualmente verdade que, pelas razões lá mais para trás alinhadas, tal solução, não se...

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