Acórdão nº 1603/16.7T8VNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso de Apelação Processo n.º 1603/16.7T8VNG.P1 [Comarca do Porto - Juízo Local Cível de V. N. Gaia] Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: B…, contribuinte n.º ………, residente em Vila Nova de Gaia, instaurou contra C…, contribuinte n.º ………, residente em Vila Nova de Gaia, acção judicial que classificou como «acção declarativa de condenação nos termos do artigo 1681, nº 1, do Código Civil», pedindo que o réu seja «condenado a devolver à autora metade das poupanças do dissolvido casal, a saber € 22.018,04, acrescido de juros a partir da citação».

Para o efeito alegou que autora e réu se encontram divorciados desde 08.10.2009, após o que foi instaurado inventário para separação de meações que findou no dia 22.01.2015 gerando a necessidade de a autora instaurar a presente acção para obter uma indemnização por parte do réu por perdas e danos; o réu abandonou o lar conjugar em 26.02.2008, antes da instauração da acção de divórcio, sendo que à data desse abandono existiam no Banco D… dois depósitos a prazo pertença da autora e do réu, nos montantes de €7.036,08 e de €37.000,00, valores que o réu ou alguém a seu mando, tendo em vista prejudicar a autora, levantou em 02.06.2008 e 11.06.2008; o réu não devolveu à autora metade desses depósitos que pertenciam ao casal e provinham das poupanças de ambos, sendo que nos termos do artigo 1681.º, nº 1, do Código Civil, que serve de «fundamento da presente acção», «o cônjuge que administrar bens comuns ou próprios do outro conjugue … responde pelos actos intencionalmente praticados em prejuízo do casal ou do outro cônjuge».

O réu contestou a acção, clamando pela sua improcedência, excepcionando para o efeito a «prescrição e/ou caducidade» do alegado direito da autora por aquando da instauração da acção e citação do réu já estarem decorridos mais de três e mesmo mais de cinco anos sobre a data dos levantamentos referidos na petição inicial, e impugnando os factos alegados e alegando que o dinheiro das contas bancárias referidas não pertencia aos cônjuges e não foi levantado pelo réu que também nunca teve qualquer intenção de prejudicar nem prejudicou a autora.

A autora foi convidada a pronunciar-se sobre a excepção arguida e veio dizer somente que apenas em 22.01.2015 teve conhecimento da necessidade de instaurar a presente acção para obter do réu uma indemnização por perdas e danos, uma vez que o réu se recusou a prestar contas desses depósitos.

Após foi proferida decisão na qual se conheceu da excepção da prescrição nos seguintes termos (que se reproduzem sem as notas de rodapé): «Estão, …, com fundamento nos documentos que estão nos autos, que se valoraram em todo o seu teor, provados os seguintes factos: 1) A autora intentou contra o réu a acção de divórcio litigioso com o n.º 5438/09.5TBVNG, da 5ª Secção de Família e Menores, J3, de Vila Nova de Gaia. 2) No âmbito dessa acção foi dissolvido o casamento, por divórcio por mútuo consentimento, entre a autora e o réu, tendo a sentença transitado em julgado na data de 09.11.2009. 3) A presente acção entrou em Juízo no dia 25.02.2016. […] Fazendo o enquadramento geral da questão e com base no quadro legal aplicável importa ter em conta que com as alterações introduzidas pela Lei 61/2008 de 31/10 ao regime jurídico do divórcio – alterações que aqui se aplicam e que determinaram, por um lado, o fim do divórcio litigioso e, por outro, consagração do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges (art.º 1773º, n.º 1 CC) nas situações de ausência de acordo ou consentimento mutuo – o legislador […] pôs definitivamente termo à figura do divórcio-sanção ou divorcio remédio, ainda que no nosso direito anterior à reforma de 2008 estivesse já consagrado um sistema de compromisso cuja componente dominante era a do divorcio-constatação da ruptura do casamento. Ao mesmo tempo e no sentido de assegurar verdadeira sistematização e coerência lógica a todo o regime implementado e protecção legal adequada ao cônjuge eventualmente lesado eliminou definitivamente aqueles que eram os últimos elementos subsistentes da doutrina da fragilidade da garantia, por via da qual a responsabilidade civil se não aplicava, pelo menos em princípio, no âmbito dos direitos familiares pessoais. Com a nova redacção dada ao artigo 1792 pela Lei nº 61/2008, de 31/10 permite-se que o cônjuge lesado possa intentar acção para efectivação de responsabilidade civil nos tribunais comuns, fazendo-o nos termos gerais dos artigos 483º e seguintes.

Dispõe o nº 1 do art.º 1792º CC, na redacção introduzida pelo diploma legal acima citado que “o cônjuge lesado tem o direito de pedir a reparação dos danos causados pelo outro cônjuge, nos termos gerais da responsabilidade civil e nos tribunais comuns”, acrescentando no nº 2 que o cônjuge que pediu o divórcio com o fundamento da alínea b) do artigo 1781.º (casos de alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de um ano e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum”) deve reparar os danos não patrimoniais causados ao outro cônjuge pela dissolução do casamento, devendo este pedido deve ser deduzido na própria acção de divórcio.

A norma do actual n.º 1 do artº 1792º, de cujo âmbito se exclui o fundamento de divórcio decorrente da alteração das faculdades mentais do outro cônjuge nos termos supra referidos, remete literal e intencionalmente para os termos gerais da responsabilidade civil extracontratual, afastando a doutrina da fragilidade da garantia. Por isso o dever de indemnizar o cônjuge lesado não prescinde da efectiva verificação de um facto voluntário praticado pelo cônjuge lesante, que seja ilícito, adequadamente causador de danos e culposo. Não é já a mera violação dos deveres conjugais o facto gerador da obrigação de indemnização, mas o facto-fundamento do divórcio. Porém, a violação dos deveres conjugais pode continuar a ter efectivo relevo no âmbito da responsabilidade civil, nomeadamente quando o próprio facto-fundamento constitua violação de direitos absolutos. A indemnização não se funda na mera violação dos deveres conjugais, mas antes no próprio facto lesivo, ilícito, culposo e gerador de danos. Daí que não se prescinda do juízo de culpa, o qual, em algumas situações, pode respaldar-se coincidentemente no acervo fático alegado como violação dos deveres conjugais para efeitos de declaração do divórcio e, sendo assim, não ficam os (ex-) cônjuges imunes ao desconforto da discussão processual da sua culpa.

O regime de prescrição em causa é o previsto no artigo 498º, do Código Civil. Ora, estabelece o nº 1 do art. 498º do citado código que "o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso". No caso destes autos verifica-se a circunstância do conhecimento efectivo com a data do trânsito em julgado da sentença proferida – cfr. facto Provado em 2) –.

Seguindo a tendência dos mais recentes códigos de reduzirem os prazos de prescrição do direito a indemnização por responsabilidade civil extracontratual, também o nº 1 do art. 498º do C.Civil veio, como excepção ao prazo prescricional ordinário (art. 309º) estabelecer para tais casos uma prescrição de mais curto prazo. E veio, na sequência da legislação germânica, fixar o início da contagem do prazo no momento em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora - e afastando-se aqui daquela - com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos.

Quando determina que o prazo de prescrição se conta do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito quer o preceito em causa significar que tal prazo é contado a partir da data em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito a indemnização pelos danos que sofreu e não da consciência da possibilidade legal do ressarcimento. Assim, o lesado tem conhecimento do direito que invoca - para o efeito do início da contagem do prazo de prescrição - quando se mostra detentor dos elementos que integram a responsabilidade civil, ou melhor, "o início da contagem do prazo especial de três anos não está dependente do conhecimento jurídico, pelo...

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