Acórdão nº 229/16.0T9MCN-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA DOLORES DA SILVA E SOUSA
Data da Resolução10 de Maio de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Rec. Penal n.º 229/16.0T9MCN-A.P1 Comarca do Porto Este.

Instrução Criminal do Marco de Canavezes.

Acordam, em Conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.

I- Relatório.

Nos autos de inquérito registados sob o número supra referido a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, DIAP de Paredes, mas que se deslocaram ao Juízo de Instrução Criminal do Marco de Canaveses, juiz 2, onde foi proferido, com data de 03.03.2017, o despacho de fls. 87 a 92 dos autos [15 a 20 destes autos] que indeferiu as intercepções telefónicas e dados de tráfego requeridos e bem assim, a captação de imagem e voz, que haviam sido requeridos pelo Ministério Público.

O Ministério Público inconformado com o despacho veio interpor recurso, consoante motivação constante de fls. 22 a 36 destes autos, que rematou com as seguintes conclusões: 1. … entende-se, erroneamente, que é necessária a “suspeita fundada da prática de certo crime do catálogo”, entendendo que as fundadas suspeitas pressupõem que já ‘haja um certo nível de indícios, logo que não basta a mera notícia do crime e muito menos a denúncia anónima, mesmo que muito verossímeis e suficientemente concretizadas”, para deferimento da interceção do telemóvel ……… da operadora B…, por um período não inferior a 60 dias, bem como a identificação dos IMEI’s, através dos quais se encontra a operar o presente número, disponibilização da faturação detalhada, bem como a localização das células ativadas nas comunicações e o pedido de autorização para se proceder ao registo de áudio e imagem, quer do suspeito, quer de indivíduos que com ele contactem nos termos da Lei 5/2002 de 11 de Janeiro, por um período não inferior a 60 dias.

  1. Lida a promoção do Ministério Público é patente que o fundamento da solicitação das escutas telefónicas e da captação de áudio e imagem é o de ser praticamente inviável a realização de qualquer outro tipo de diligência, que não seja o recurso às interceções telefónicas, no sentido de controlar os movimentos, contactos e negócios que o mesmo efetua, para o cabal esclarecimento da atividade ilícita que o denunciado vem desenvolvendo. Ou seja, o fundamento das escutas telefónicas e da captação de áudio e imagem promovidas pelo Ministério Público é o de que há razões para crer que a diligência é indispensável para descoberta da verdade e que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter.

  2. O alvo visado é suspeito neste processo, uma vez que há uma denúncia contra este, que deu lugar à abertura de inquérito onde o mesmo é investigado pelos factos que lhe são imputáveis.

  3. Com bem se refere no Acórdão da Relação do Porto de 11.02.15, publicado in “O suspeito de um crime não tem que ser completamente identificado ou individualizado bastando que seja pessoa determinável ou identificável”.

  4. Acrescentando nós que, nos presentes autos, para além de um suspeito devidamente identificado, temos a indicação, na denúncia, de factos concretos, perfeitamente comprováveis, de enorme gravidade, e que integram, a comprovarem-se, a prática de vários crimes de “Corrupção ativa” p. e p. pelo art. 374º n.º1 e a prática de vários crimes de “Corrupção passiva” p. e p. pelo art. 373º do CP.

  5. A fase processual em que a escuta pode ser autorizada é o inquérito, que existe.

  6. Para deferimento da interceção de escutas telefónicas e para autorização para se proceder ao registo de áudio e imagem, em caso de indiciação por crimes de “Corrupção ativa” p. e p. pelo art 374º n.º1 e de crimes de “Corrupção passiva” p. e p. pelo art. 373º do CP, a lei prevê um regime especifico, descrito na Lei 5/2002 de 11 de janeiro (Medidas de combate à criminalidade organizada), no art. 6º nº1 a lei exige apenas que essa captação seja necessária para a investigação dos crimes referidos no art. 1, que na sua al. e) refere os crimes de corrupção ativa e passiva.

  7. Não se exige, no primeiro caso (escutas telefónicas) que a diligência seja indispensável para a descoberta da verdade ou da prova, relativamente aos crimes de catálogo, em que se inclui o crime em investigação, na al. a) nº1 do art. 187, mas apenas que seja necessária para a investigação dos crimes em apreço.

  8. No entanto no caso em apreço também se verifica a indispensabilidade para a descoberta da verdade ou da prova, pelo que se encontram preenchidos os requisitos dos dois regimes.

  9. A lei portuguesa, ao contrário do que sucede com outros ordenamentos jurídicos, não exige que existam indícios de crime, cf. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, página 295 a 296.

  10. Como se disse, precisamente, porque a ingerência pelas autoridades públicas na correspondência e nas telecomunicações, só é constitucionalmente admissível no quadro de uma previsão legal atinente ao processo penal, uma vez que constitui um limite a um direito fundamental, a escuta telefónica estará sempre sujeita ao princípio da proporcionalidade, subjacente ao art. 18, n.º 2, da Constituição, garantindo que a restrição do direito fundamental em causa, se limite ao estritamente necessário à salvaguarda do interesse constitucional na descoberta de um concreto crime e punição do seu agente.

  11. Não assiste razão ao Mmº Juiz, porque as razões invocadas por este ferem, aliás, o conteúdo essencial do direito à investigação criminal e à Administração da Justiça, porque não permitem investigar para se descobrir a verdade.

  12. Sobretudo quando se trata da proporcionalidade entre a restrição dos direitos fundamentais do suspeito e o direito ao ius puniendi, direito à investigação criminal, descoberta da verdade e administração da justiça, este deve prevalecer, se a intercepção de escuta telefónica e a captação áudio e de imagem forem a única forma de obter prova da prática do crime.

  13. Para o deferimento duma a intercepção de escuta telefónica e a captação áudio e de imagem, não é necessária suspeita fundada, ou seja um certo nível de indícios da prática do crime, como afirma o Mmº JIC.

  14. O Estado, como titular do ius puniendi, quer que os culpados de actos criminosos sejam punidos, mas também está interessado em garantir aos indivíduos a sua liberdade contra o perigo de injustiças. Por isso, também, em processo penal, a descoberta da verdade material não pode ser obtida a todo o custo, antes havendo que exigir da decisão que ela tenha sido lograda de modo processualmente válido e admissível e, portanto, com o integral respeito dos direitos fundamentais das pessoas que no processo se vêem envolvidas.

  15. Seguindo de perto a publicação “Pressupostos de autorização de escutas telefónicas” de C… publicado in www.verbojurídico.net: “A sua proliferação das escutas telefónicas e o crescimento exponencial dos métodos ocultos de investigação acompanha o crescimento da própria criminalidade organizada e altamente complexa, onde os métodos de investigação “tradicionais” não são adequados à sua investigação.

  16. Citando o Acórdão da Relação do Porto de 3.12.12, publicado in www.dgsi.pt: 18 “A consciência jurídica comunitária é particularmente sensível à gravidade do crime de corrupção, pelo que ele representa de afronta aos alicerces do Estado de Direito democrático e de menosprezo do bem público, e pelo descrédito que gera na população quanto ao funcionamento das instituições públicas (neste caso, das forças policiais) (…).

  17. Violou assim, o Juiz a quo, o disposto nos artigos 187, nº 1 do CPP e o art. 52 da Lei 5/2002 de 11 de janeiro.

  18. Deve, por isso, a decisão do Mmº JIC ser revogada e substituída por outra que defira a intercepção do telemóvel ……… da operadora B…, por um período não inferior a 60 dias, bem como a identificação dos IMEI’ s, através dos quais se encontra a operar o presente número, disponibilização da facturação detalhada, bem como a localização das células activadas nas comunicações e o pedido de autorização para se proceder ao registo de áudio e imagem, quer do suspeito, quer de indivíduos que com ele contactem nos termos da Lei 5/2002 de 11 de Janeiro, p um período não inferior a 60 dias, solicitadas pelo MP.

    Termina pedindo a procedência do presente recurso e revogada a decisão que indefere a intercepção do telemóvel ……… da operadora B…, por um período não inferior a 60 dias, bem como a identificação dos IMEI s, através dos quais se encontra a operar o presente número, disponibilização da facturação e detalhada, bem como a localização das células ativadas nas comunicações e o pedido de autorização para se proceder ao registo de áudio e imagem, quer do suspeito, quer de indivíduos que com ele contactem nos termos da Lei 512002 de 11 de Janeiro, por um período não inferior a 60 dias, e substituída por outra que defira as referidas diligências.

    *O recurso foi admitido por despacho constante a fls. 37 destes autos.

    Nesta instância, o Excelentíssimo PGA apôs mero visto.

    Colhidos os vistos e realizada a conferência cumpre decidir em conformidade.

    *II- Fundamentação.

    Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.

  19. -Questões a decidir.

    Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada é a seguinte a única questão a decidir: Saber se deve subsistir, ou não, o despacho que indeferiu a requerida realização de escutas telefónicas e a recolha...

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