Acórdão nº 15612/15.0YIPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 30 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelVIEIRA E CUNHA
Data da Resolução30 de Maio de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Rec. 15612/15.0YIPRT.P1. Relator – Vieira e Cunha. Adjuntos – Des. Maria Eiró e Des. João Proença Costa. Decisão de 1ª instância de 19/12/2016.

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Súmula do ProcessoRecursos de apelação, independente e subordinado, interpostos na acção declarativa, com processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, nº15612/15.0YIPRT, da Instância Central da Comarca do Porto (Póvoa de Varzim).

Autor – B… Unipessoal, Ldª.

Ré – C…, CRL.

PedidoQue a Ré seja condenada a pagar à Autora a quantia de € 91 294,14, acrescida de juros vencidos no valor de €108.362,53.

Tese da Autora No exercício da sua actividade de construção civil, prestou à Ré, a pedido desta, os serviços que constam das sete facturas que identifica no requerimento de injunção, emitidas entre o dia 30 de Abril de 2002 e o dia 3 de Junho do mesmo ano, as quais, por acordo das partes, se venciam nos trinta dias seguintes à da respectiva emissão.

A Ré apenas pagou o valor de €70.000,00, relativo à primeira das mencionadas facturas, permanecendo em dívida de capital o montante peticionado.

A invocação de defeitos efectuada pela Ré, a existirem tais defeitos, estaria afectada de caducidade, pois que inexistiu denúncia.

Tese da Ré Celebrou com a ré contratos de empreitada que tiveram por objecto a construção de um empreendimento habitacional promovido pela ré, tendo sido acordado para a entrega da obra pela Ré o dia 31 de Dezembro de 2002, prazo esse fixado no segundo contrato.

As obras foram executadas pela requerente com atrasos significativos e com defeitos relevantes, quer na execução, quer por incumprimento do caderno de encargos, com aplicação em obra de materiais diferentes dos previstos no contrato.

Estas situações foram sucessivamente reclamadas pela Ré, sobretudo a partir de meados de 2002, dada a necessidade de cumprir os compromissos que possuía com os seus associados. Após, a Ré informou a autora que a iria accionar judicialmente e liquidou a multa contratualmente estipulada para os atrasos na obra em €200.517,60.

Posteriormente, em reunião mantida entre os legais representantes das duas partes, foi acordado que se consideraria a empreitada terminada e as contas referentes aos dois contratos saldadas.

Após tal acordo, a ré mandou efectuar, por terceiro, a reparação de parte dos defeitos da obra, tendo para tanto despendido o valor de €30.358,00.

Exigir, passados mais de doze anos, o pagamento de trabalhos constitui um manifesto abuso de direito.

As facturas identificadas no requerimento de injunção não correspondem a trabalhos efectivamente realizados e por isso não foram aceites pela requerida á data da respectiva emissão.

Por outro lado, sendo a ré credora do valor correspondente às multas contratuais devidas pelo atraso da obra e do montante despendido com a reparação dos defeitos da responsabilidade da autora, num total de €200.517,60, mesmo que se viesse a reconhecer o crédito da autora, sempre o mesmo deverá ser considerado extinto por compensação.

Invoca a prescrição dos juros de mora peticionados pela autora.

Finalmente, reclama a condenação da autora como litigante de má-fé.

SentençaNa sentença proferida pelo Mmº Juiz “a quo”, a acção foi julgada parcialmente procedente, por provada e, em conformidade, foi condenada a Ré a pagar à Autora a quantia de €91.294,14, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, a contar de 10/3/2010, até integral e efectivo pagamento.

Mais foi verificada a excepção de prescrição dos juros de mora vencidos anteriormente a 10/3/2010, nessa medida sendo a Ré absolvida do pedido.

Conclusões do Recurso Independente de Apelação da Ré1ª- Da conjugação dos factos dados como provados pela 1ª instância, resulta terem existido vários incumprimentos por parte da Apelada, enquanto empreiteira da obra, tendo esta recusado proceder à reparação dos defeitos reclamados pela Apelante, bem como indemnizar a mesma pelo atraso na conclusão da mesma.

  1. - Perante estes incumprimentos e a alegada existência de um débito de parte do preço da empreitada, a actuação da empreiteira/apelada, durante os anos que se seguiram à reclamação dos defeitos e durante o período da garantia legal aplicável à construção de imóveis – pelo menos os cinco anos previstos no art. 1225º do CC - criou legitimamente a convicção na Apelante de que a empreiteira não iria mais reclamar o pagamento do preço alegadamente ainda em dívida.

  2. - Foi a confiança nesse comportamento futuro da Apelada, que determinou a Apelante a não reclamar a reparação dos defeitos da obra e as indemnizações a que tinha direito por força dos mesmos e do atraso na conclusão da obra.

  3. - A Apelada sabendo bem quais as reais intenções da Apelante no que diz respeito ao exercício daqueles direitos contratuais e legais, não praticou qualquer ato com vista à reclamação do pagamento do seu alegado crédito, o que só se percebe com o seu propósito de, na sua má-fé, fazer excutir os prazos da Apelante, para depois, vir reclamar o seu crédito.

  4. - O que se confirma com a expressa alegação no art. 3º do seu requerimento de injunção, de que o direito da requerida está caduco, alegação posteriormente reforçada com a resposta que apresentou à oposição deduzida pela aqui Apelante.

  5. - Contrapondo a essa sua actuação a prevalência, no que diz respeito ao seu crédito, do prazo de prescrição ordinário.

  6. - O facto de a Apelada não ter provado, nem sequer alegado, quais as razões que a determinaram a durante um período superior a 12 anos, não ter exigido da Apelante o pagamento de um crédito de um valor tão relevante como o destes autos, nem sequer a ter interpelado para tal, confirma a sua actuação em abuso de direito.

  7. - O ónus da prova de que a Apelada tinha praticado actos que contrariassem essa expectativa da Apelante, competia à Apelada, sendo certo que, como resulta dos factos provados, nenhuma prova foi feita quanto a essa matéria.

  8. - Esta omissão da Apelada traduz um sinal claro, uma circunstância, que reforça a sua actuação em abuso de direito, na medida em que legitimou/justificou a confiança da Apelante no não exercício do direito da Apelada.

  9. - A inacção, inércia ou omissão do exercício do direito por parte da Apelada, durante mais de doze anos, traduz uma actuação em abuso de direito, na vertente da proibição do ‘venire contra factum proprium’ ou de “supressio”.

  10. - O facto do prazo de prescrição para o exercício do direito da Apelada ser superior ao da sua inacção, não afasta o seu abuso de direito, porquanto o período de tempo em que perdurou a sua inacção determina, segundo o sentir comum prudentemente interpretado pelo julgador, que a Apelante confiasse que o exercício do direito em questão já não se verificaria.

  11. - E doze anos de inacção, sem que a Apelada tivesse justificado esse comportamento, justifica esse sentimento/expectativa da Apelante, comum a qualquer cidadão colocado numa situação idêntica.

  12. - A douta sentença, ao ter concluído que a Apelada não actuou em abuso de direito, não fez, com o devido respeito, uma correta interpretação e aplicação do disposto no art. 334º do CC.

Conclusões do Recurso Subordinado de Apelação da AutoraI - O presente recurso tem por base a sentença do Meritíssimo Juiz a quo que julgou parcialmente procedente, por provada, a presente acção e em consequência disso condenou a apelante a pagar à apelada a quantia de EUR. 91.294,14 (noventa e um mil, duzentos e noventa e quatro euros e catorze cêntimos) acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, contados desde 10 de Março de 2010, até efectivo e integral pagamento.

  1. Parece-nos, contudo, que andou bem o Tribunal a quo quando concluiu pela procedência do pedido por entender que, quanto a essa questão, a apelada ao exigir o pagamento do valor peticionado não dava cobertura a um abuso de direito da sua parte.

  2. A apelada discorda apenas da taxa aplicável aos juros de mora vencidos e vincendos a que a apelante foi condenada, a saber 4%, desde 10 de Março de 2010 até efectivo e integral pagamento.

  3. A apelante baseia as suas alegações e conclusões de recurso no abuso de direito que considerou existir por parte da apelada por esta vir exigir o pagamento do seu crédito depois de decorridos mais de doze anos sobre o seu vencimento V. entendendo que os mais de doze anos impediram-na de reclamar da apelada os seus direitos, por caducidade dos mesmos e por ter sido ultrapassado o prazo de garantia nas empreitadas de imóveis.

  4. Todavia, a posição da apelada, em momento algum, impediu o exercício desses direitos: a apelante, numa atitude...

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