Acórdão nº 4135/14.4TBMAI.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 18 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução18 de Maio de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)
  1. SECÇÃO CÍVEL – Processo nº 4135/14.4TBMAI.P1 Comarca do Porto – Instância Central - 2º Juízo Cível (Póvoa de Varzim) J6 Sumário (artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil) I - O juízo de valor que incide sobre os atributos dos factos, nomeadamente em termos de graduação quantitativa, continua a ser questão de facto, desde que não envolva ponderação de conceitos de direito.

II - A valoração de um facto pela parte a quem ele desfavoreça, embora em quantidade ou grau menos elevado do que aquele com que foi estimado pela parte a quem favorece, não deixa de consubstanciar confissão, na exacta medida da quantidade ou grau admitidos.

III - O reconhecimento pela ré de que a incapacidade que afectou o autor por via das lesões sofridas é de 11%, que o autor havia estimado em 20%, consubstancia confissão parcial da valoração efectuada pelo autor, na medida dessa sua aceitação, em percentagem mais baixa.

IV - Tendo a confissão judicial escrita força probatória plena contra o confitente, não pode o juiz fixar aquela incapacidade em grau inferior ao confessado, com base em peritagem, cujo valor probatório é apreciado livremente pelo tribunal.

V - Mesmo que não implique uma perda directa de rendimentos, o défice funcional permanente consubstancia dano específico, autónomo e indemnizável, independentemente da sua qualificação como dano patrimonial ou não patrimonial.

VI - Reputa-se adequada a indemnização de 50.000,00 €, para ressarcimento de lesado com 54 anos de idade, que auferia cerca de 2.000,00 € mensais e ficou com um défice funcional de 11%.

Acordam no Tribunal da Relação do PortoI RELATÓRIOb...

intentou acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra a Companhia de Seguros c..., SA, pedindo a condenação da ré a pagar ao autor a quantia de 249.000,00 €, acrescida de juros legais de mora a partir da citação.

Estribou o seu pedido em prejuízo decorrente de acidente de viação imputável a condutor de veículo segurado na ré.

Regularmente citada, apresentou-se a ré a contestar, impugnando parte dos factos atinentes à dinâmica do acidente, bem como a extensão e a natureza dos danos invocados pelo autor.

Saneado e instruído o processo, realizou-se a audiência de julgamento, após a qual foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré a pagar ao autor a quantia total de 64.350,00 € (350,00 €, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação, até integral pagamento; 64.00,00 €, a título compensação de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa de 4%, a partir da data da prolação da sentença e até integral pagamento), no mais a absolvendo do pedido.

Inconformados, vieram autor e ré interpor recursos, admitidos como de apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo.

Ambos contra-alegaram.

Foram colhidos os vistos legais.

II FUNDAMENTAÇÃO1.

Conclusões das alegações de recurso Do autor 1. O recorrente alegou (artigo 41.º da p.i.) que “…a R. admite que o A. é portador de uma IPG de 11 pontos, que implica esforços acrescidos”, o que a recorrida expressamente aceitou no artigo 1.º da sua douta contestação.

  1. No artigo 35.º do mesmo articulado, a recorrida afirmou que, “relativamente à IPG alegadamente fixada ao autor, a ré avaliou-o nos seus serviços clínicos, tendo concluído que o mesmo ficou a padecer de uma IPG de 11 pontos, em consequência do acidente dos autos…”.

  2. As sobreditas alegações subsumem-se à afirmação ou confissão expressa de factos feitas pelo mandatário no articulado da contestação, pelo que, atento o disposto nos artigos 46.º e 465.º, n.º 2, ambos do CPC, somente poderiam ser retiradas enquanto o autor, aqui recorrente, as não tivesse aceitado especificadamente.

  3. Através do seu requerimento de fls.. (com a referência Citius 23484445), o ora recorrente declarou “que aceita, especificadamente e sem reservas, as confissões feitas pela Ré nos artigos 1.º e 35.º da sua, aliás douta, contestação.” 5. Até ao momento da apresentação nos autos do aludido requerimento de aceitação especificada, a recorrida não se tinha retratado, nem havia retirado as afirmações/em apreço.

  4. Portanto, não sofrerá dúvidas que as afirmações em apreço se subsumem ao conceito legal de confissão, tal como o define o artigo 352.º do Código Civil.

  5. Tais afirmações valem, pois, como PROVA POR CONFISSÃO JUDICIAL, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 452.º e seguintes do C.P.C., sendo de relevar que têm FORÇA PROBATÓRIA PLENA contra a recorrida, enquanto confitente, atento o que se diz no artigo 358.º, n.º 1, do Código Civil.

  6. Sabendo-se que a prova por confissão judicial se sobrepõe hierarquicamente a todas as demais, nomeadamente à prova pericial, face tal à prevalência e eficácia absoluta da confissão, teriam, forçosamente, de ser desconsiderados os relatórios de ambas as perícias médicas efectuadas.

  7. O Mº Juiz a quo estava obrigado a levar em conta e vinculado a dar como provada a matéria factual alvo da mencionada confissão, produzida pela recorrida e aceite especificadamente pelo recorrido.

  8. Assim, por virtude da confissão havida, é meridianamente certo que deverá ser alterado o teor do ponto 25) dos factos provados, substituindo-se pelo seguinte texto: “Em consequência de tais sequelas, o autor ficou com uma IPG ou défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 11 pontos, compatível com a sua actividade profissional, mas implicando esforços suplementares.” 11. Na douta sentença, foi sufragado o entendimento de que a incapacidade em apreço, inexistindo qualquer diminuição do salário auferido pelo recorrente, somente será atendível e indemnizável enquanto dano não patrimonial, entendimento este do qual discordamos frontalmente.

  9. No âmbito da responsabilidade civil extracontratual emergente de acidente de viação, no leque dos danos patrimoniais, destacam-se, no que aqui interessa, os resultantes das sequelas sofridas que impliquem perda de capacidade de trabalho e de ganho do lesado.

  10. Com efeito, a lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação constitui em si um dano real ou dano-evento, designado por incapacidade ou défice funcional permanente, na exacta medida em que afecta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem “saúde”.

  11. Os nossos tribunais, com particular destaque para a jurisprudência do STJ, têm vindo a reconhecer o dano inerente à incapacidade para o trabalho como efectivo e real dano patrimonial, na vertente de lucros cessantes, na medida em que respeita a incapacidade funcional, ainda que esta não impeça o lesado de trabalhar e ainda que dela não resulte perda ou diminuição de vencimento.

  12. Na verdade, a força de trabalho humano sempre é fonte de rendimentos, sendo que tal incapacidade obriga a um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente auferido.

  13. Como, lapidarmente, se disse no douto acórdão do STJ, de 10/10/2012, proferido no processo n.º 632/2001.G1.S1, “… a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas”.

  14. E, continuando a citar a mesma decisão superior, “na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado - constitui uma verdadeira «capitis diminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável – e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição -, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais …” 18. Ou seja, a este propósito (efeitos e ressarcibilidade do dano patrimonial resultante da incapacidade) podem projectar-se em duas vertentes: - por um lado, a perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua actividade profissional habitual ou específica, durante o período previsível dessa actividade, e consequentemente dos rendimentos que dela poderia auferir; - por outro lado, a perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da actividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa actividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expectável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual.

  15. Isto é, numa e noutra vertente, os danos resultantes da incapacidade (IPG) sempre serão indemnizáveis como verdadeiros e típicos danos de cariz patrimonial.

  16. Dizendo de outro modo, a incapacidade ou défice funcional permanente abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua actividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras actividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas actividades ou tarefas, com a consequente...

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