Acórdão nº 2059/12.9T2AVR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 18 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelJUDITE PIRES
Data da Resolução18 de Maio de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 2059/12.9T2AVR.P1 Comarca de Aveiro Aveiro – Inst. Central – 1.ª Secção Cível – J1 Relatora: Judite Pires 1ºAdjunto: Des. Aristides de Almeida 2ª Adjunta: Des. Inês Moura Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I.RELATÓRIO.

  1. B..., residente na Rua ..., n.º .., Aveiro, intentou acção declarativa, com processo ordinário, contra C... - Companhia de Seguros, S.A., com sede na Avenida ..., n.º ..., Lisboa, e contra o Fundo de Garantia Automóvel, com sede na Avenida ..., n.º .., em Lisboa, pedindo a condenação do Réu que venha a ser julgado responsável a pagar-lhe: a) a quantia de € 168.900,44, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento; b) todas as despesas que o A. haja de efectuar com futuras intervenções cirúrgicas e/ou próteses por causa do acidente dos autos, nomeadamente, ao globo ocular esquerdo.

    Articula, para o efeito, que, no dia 1 de Novembro de 2009, pelas 07,05 horas, ocorreu um acidente de viação, na Rua ..., em ..., Aveiro, em que interveio o veículo automóvel de matrícula XA-..-.., à data propriedade do ora A. e conduzido por D.... O XA-..-.. entrou em despiste, tendo ido embater num muro existente do lado esquerdo da Rua ... e, depois, no pilar da moradia com o n.º ..., sita do lado direito da Rua, atento o seu sentido de marcha. Deste acidente resultaram lesões corporais para o ora A., que seguia no veículo como passageiro.

    A mãe do A., E..., celebrou com a Ré C... o contrato de seguro de responsabilidade civil do veículo XA-..-.., titulado pela Apólice n.º .......... Na altura da celebração do contrato, a Seguradora sabia que o XA-..-.. não era propriedade da E..., mas do filho, tendo a E... fornecido à Seguradora cópia do registo de propriedade da viatura e informado a mesma que o XA-..-.. tanto seria conduzido por ela como pelo filho.

    Contestou a Companhia de Seguros F..., S.A., que informou ter incorporado, por fusão, a C... – Companhia de Seguros, S.A., tendo excepcionado: a) a nulidade do contrato de seguro, por omissões ou inexatidões do tomador do seguro no que respeita à propriedade do veículo e ao seu condutor habitual, em virtude de tomadora do seguro ter omitido que o veículo era do filho, que era este o condutor habitual e que tinha menos de 25 anos e carta de condução há menos de 2 anos, com a finalidade de obter um seguro de responsabilidade civil mais barato; b) a nulidade resultante da falta de interesse da tomadora do seguro (E...) relativamente ao risco coberto.

    E deduziu o chamamento para intervenção acessória provocada do condutor do veículo, D..., por este circular com uma taxa de álcool no sangue de 0,64 g/l.

    O Fundo de Garantia Automóvel, por sua vez, na contestação que apresentou, excepcionou: a) a sua ilegitimidade para a causa por, nos termos do n.º 1 do artigo 62.º do RSSORCA (aprovado pelo artigo 1.º do D.L. n.º 291/2007, de 21/08), se exigir que as acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação sejam propostas contra o FGA e o responsável civil, desde que conhecido (como é) “sob pena de ilegitimidade”; b) não ser parte legítima, por estarem excluídos da garantia do FGA, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 52.º do RSSORCA, “os danos materiais causados aos incumpridores da obrigação de seguro de responsabilidade civil automóvel”; c) a exclusão da alínea a) do n.º 2 do artigo 52.º do RSSORCA, que estabelece que o Fundo não garante “os danos materiais causados aos incumpridores da obrigação de seguro de responsabilidade civil automóvel”.

    O A., na réplica, notificado da excepção de ilegitimidade processual passiva deduzida pelo FGA, veio deduzir o chamamento para intervenção principal de D..., condutor do veículo na altura do acidente.

    E defendeu que devem ser julgadas improcedentes as restantes excepções.

    Por despacho proferido a fls. 148/149, foi admitido o chamamento para intervenção principal de D....

    Foi proferido despachado saneador que: a) declarou que a presente acção configura um caso nítido de litisconsórcio eventual ou subsidiário passivo: o mesmo pedido é deduzido pelo autor contra a seguradora, a título principal, e contra o Fundo de Garantia Automóvel (FGA) a título subsidiário; b) decidiu que: - quanto à invalidade do contrato por omissões ou inexatidões, a norma aplicável é a do artigo 429.º do Código Comercial; - quanto à falta de interesse digno de proteção legal relativamente aos riscos cobertos, aplicável é o artigo 43.º do RJCS; c) julgou o FGA para legítima para a acção após o chamamento para intervenção principal de D..., condutor do veículo na altura do acidente; d) julgou improcedente a excepção de nulidade do contrato de seguro por omissões ou inexatidões do tomador do seguro no que respeita à propriedade do veículo e ao seu condutor habitual, por, verificado o acidente, o segurador não poder arguir a anulabilidade do contrato de seguro; e) relegou para a decisão final o conhecimento da excepção de nulidade resultante da falta de interesse da tomadora do seguro (E...) relativamente ao risco coberto; f) relegou, igualmente, para a decisão final o conhecimento da excepção de exclusão da alínea a) do n.º 2 do artigo 52.º do RSSORCA, que estabelece que o Fundo não garante “os danos materiais causados aos incumpridores da obrigação de seguro de responsabilidade civil automóvel”, por a invocação desta excepção só ter fundamento se não existir seguro válido, designadamente o celebrado pela mãe do ora A. – n.º 2 do artigo 6.º do RSSORCA Foram enunciados os temas da prova.

    Procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a acção: a) condenou a Ré Seguradora a pagar ao A. a quantia de € 96.363,40, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, a partir da citação e até integral pagamento, além da quantia de € 30.000,00, a título de danos não patrimoniais, “acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, a partir da prolação da presente sentença e até integral pagamento”; b) absolveu a Ré Seguradora do mais que foi pedido; c) absolveu o FGA e o interveniente principal dos pedidos contra eles formulados.

  2. Não se resignou com tal sentença a Ré “F..., S.A.”, pelo que dela interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto da decisão a proferida pela Instância Central de Aveiro que decidiu condenar a ora Recorrente no pagamento de € 126.363,40, por entender que não é procedente a exceção de nulidade do contrato e, por não se encontrar verificado o nexo de causalidade entre a taxa de alcoolemia que o condutor do veículo seguia e o acidente.

  3. Com interesse para a apreciação das questões objecto deste recurso, vejam-se os pontos 2, 4, 7, 8, 14, 15, 49 a 51, 53 da matéria de facto dada como provada e as alíneas b, c e d da matéria de facto não provada; 3. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo andou mal ao considerar como não provados a alínea b) matéria de facto não provada, de acordo com a prova produzida em sede de audiência e julgamento, nomeadamente a testemunha G... quando foi ouvida no dia 05-09-2016 entre os minutos 15:06:52 e 15:12:25 esclareceu o tribunal do seguinte: 4. É comum e medicamente assente que o álcool afeta negativamente as faculdades físico-mentais imprescindíveis ao bom desempenho da condução automóvel.

  4. Com efeito, está cientificamente provado que o álcool no sangue, a partir de determinado nível, produz alterações na capacidade neuro-motora do condutor, influenciando, necessária e negativamente, a condução dos veículos automóveis pois diminui a atenção e reflexos indispensáveis à condução.

  5. Pelo que a Recorrente entende que o facto da alínea “d) o acidente ocorreu devido aos efeitos que o álcool produzia no condutor;”, deveria ser dado como provado.

  6. Dispõe a al. c) do n.º 1 do artigo 27.º do DL 291/2007 que a seguradora tem direito de regresso “Contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida”; 8. Depende, assim, o direito de regresso da seguradora que se verifique dois pressupostos: 1) Ser o condutor o culpado pela eclosão do acidente (tenha dado causa ao acidente); e 2) Estar o condutor do veículo etilizado em medida superior ao legalmente permitido (conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida); 9. Ou seja, a “culpa” cuja prova incumbe à seguradora pela referida disposição legal corresponde não a uma actuação culposa, com preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil subjectiva, mas sim ao facto de o acidente resultar da condução do condutor etilizado; 10. De acordo com os factos dado como provados 4. e 15., o Interveniente deu azo ao sinistro, por ter entrado em despiste e por conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida; 11. Resultando, assim, no preenchimento dos pressupostos previstos na al. c) do n.º 1 do artigo 27.º do DL 291/2007 para que a Recorrente seja ressarcida das quantias despendidas com a regularização do sinistro; 12. De acordo com a redacção da presente lei, o Legislador abandonou o elemento subjectivo e substituiu-o por um elemento objectivo, substituindo a expressão "tiver agido sob a influência do álcool" (do anterior diploma), pela expressão "conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida"; 13. Contrariamente à lei anterior, agora, não se exige essa relação causa/efeito, sendo suficiente a constatação objectiva e concreta que o condutor causador e culpado no acidente, seja, no momento da sua eclosão, portador de taxa de álcool no sangue superior à legalmente permitida; 14. Nesse sentido veja-se Acórdão do STJ de 28-11-2013 (Processo n.º 995/10.6TVPRT.P1.S1) cuja conclusão é: “O artigo 27.º, n.º 1, alínea c), do Decreto- Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, atribui à entidade seguradora o direito de regresso contra o condutor do veículo culpado pela eclosão do sinistro...

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