Acórdão nº 2883/16.3T8VFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 04 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelJER
Data da Resolução04 de Dezembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

APELAÇÃO n.º 2883/16.3T8VFR.P1 Recurso de Contra-ordenação 4.ª SECÇÃO I. RELATÓRIO I.1 A sociedade “B..., Ldª”, notificada da decisão administrativa da Autoridade Para as Condições do Trabalho, aplicando-lhe uma coima única no valor de € 6.000,00, pela prática das contraordenações imputadas nos processos 211600156, 211600157, 211600158, e no pagamento à Segurança Social de €1.052,93 relativos à C... e €3.275,54 relativos ao D..., dela discordando, veio deduzir impugnação judicial.

Alegou, no essencial, que a decisão que lhe foi notificada apenas corresponde ao processo 211600156, além de que a decisão administrativa padece de uma nulidade insanável, por não ter sido dado cumprimento ao disposto no artigo 15º-A da Lei nº107/2009.

Mais alegou não se verificarem os ilícitos apontados, pois que, os referidos C... e D..., encontravam-se na empresa como prestadores de serviços de angariação e de vendas de veículos automóveis, à comissão, nunca tendo sido trabalhadores dependentes da arguida, inexistindo qualquer dever de comunicação de admissão dos mesmos ao ISS.

Durante a ação inspetiva, a arguida erradamente entendeu que não podia ter ao seu serviço vendedores comissionistas e por isso no dia seguinte ao daquela fiscalização celebrou um contrato de trabalho com aqueles e comunicou a sua admissão ao ISS.

Quanto ao processo 211600158, a arguida alega que o auto de notícia incorre num vício de falta de fundamentação, já que se as pessoas visadas são prestadores de serviço e, enquanto tal, emitiram recibos verdes, nada havendo a imputar-lhe.

Mais refere dispor, como sempre dispôs, de folhas de registos dos tempos de trabalho dos trabalhadores O recurso foi recebido, tendo sido decidida a questão prévia suscitada, no sentido da sua improcedência, ao concluir-se que a decisão administrativa respeita não só ao processo 211600156, mas também aos processos 211600157, 211600158 e 211600159, apensados àquele. Conheceram-se, ainda, as nulidades invocadas, tendo igualmente sido decididas no sentido da sua improcedência.

Foi designada data para realização do julgamento.

I.2 Realizada a audiência de julgamento, subsequentemente foi proferida sentença concluída com o dispositivo seguinte: - «Pelo exposto, julgo improcedente o recurso interposto por “B..., Ldª”, condenando-a pela prática das seguintes contra-ordenações: a) - no processo nº 211600156, pela falta de comunicação, aos serviços do Instituto da Segurança Social, IP (ISS, IP), da admissão da trabalhadora C..., no prazo previsto para o efeito, a prestar trabalho para o infrator, o que constitui violação do nºs 1 e 2 do artigo 29º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, alterado pela Lei n.º 119/2009, de 30 de dezembro, com a redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, numa coima de €750,00; b)- no processo nº 211600157, pela falta de comunicação, aos serviços do Instituto da Segurança Social, IP (ISS, IP), da admissão do trabalhador D..., que estava a receber prestações sociais do “Fundo de Desemprego”, no prazo previsto para o efeito, a prestar trabalho para o infrator, o que constitui violação dos nºs 1 e 2 do artigo 29º e do artigo 242º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, alterado pela Lei n.º 119/2009, de 30 de dezembro, com a redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, numa coima de €2.500,00; c)- no processo 211600158, pelo incumprimento por parte da arguida da obrigação de transferir a responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho, relativamente aos trabalhadores C... e D..., para entidade legalmente autorizada a realizar aquele seguro, o que constitui violação do disposto no artigo 79º, nº1, da Lei nº98/2009, de 04.09, numa coima de €4.080,00; d)- no processo 211600159, pelo incumprimento por parte da arguida, da obrigação de manter no local de trabalho um registo dos tempos de trabalho, em local acessível e que permita a sua consulta imediata, o que constitui violação do artigo 202º, do CT/2009, numa coima de €816,00.

e) Em cúmulo jurídico, condeno a arguida numa coima única no valor de € 6.000 (seis mil euros), e no pagamento à Segurança Social de €1.052,93 (mil e cinquenta e dois euros e noventa e três cêntimos) relativos à C... e €3.275,54 (três mil, duzentos e setenta e cinco euros e cinquenta e quatro cêntimos) relativos ao D....

*Custas a cargo da recorrente, na parte em que sucumbiu, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC – art.94º, nº3 do RGCC e art. 8º, nº7 e tabela III do RCP.

*Comunique à ACT, nos termos do art.º 45º, nº 3 da Lei 107/2009, de 14/9.

*Proceda-se ao depósito da presente sentença na secretaria.

Notifique. (…)».

I.3 Inconformada com essa decisão a arguida interpôs recurso, nos termos do artigo 49º, nº1, do Regime Jurídico das Contraordenações Laborais e da Segurança Social (Lei nº107/2009, de 14.09), na parte em que a condenou pela prática das infrações dos processos 211600156, 211600157, 211600158, apresentando alegações e sintetizando estas com as conclusões seguintes: I. A Recorrente vem acusada da prática de três contraordenações no âmbito dos processos n.ºs 211600156 e 211600157, pela alegada falta de comunicação, aos serviços do Instituto da Segurança Social, IP da admissão dos trabalhadores C... e D..., e do processo n.º 211600158 pelo alegado incumprimento da obrigação de transferir a responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho, relativamente aos trabalhadores C... e D....

  1. Com efeito, a C... e o D... nunca foram trabalhadores da Recorrente, sendo na verdade prestadores de serviços.

  2. Resulta da Douta sentença, nomeadamente do art. 44º da matéria provada, a Recorrente mantinha ao seu serviço dois funcionários, a E... e o F..., sendo a C... e o D... prestadores de serviços.

  3. A E... e o F... eram funcionários da Recorrente, estando obrigados à prestação de trabalho nas instalações da Recorrente, durante um determinado horário de trabalho, utilizando para tal os equipamentos e ferramentas daquela, bem como ao cumprimento das ordens e instruções dadas pela Recorrente.

  4. Como contrapartida do trabalho prestado, os funcionários recebiam uma retribuição mensal fixa.

  5. Dispõe o art. 1152º do Código Civil (CC) que “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta.” VII. Mais, dispõe o art. 11º do Código de Trabalho (CT) que “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.” VIII. O contrato de trabalho tem como objeto a prestação de uma atividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador de conformar através de ordens, diretivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou.

  6. A subordinação jurídica típica de uma relação de trabalho subordinado implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de sujeição do trabalhador, cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.

  7. Por outro lado, resulta do art. 1154º do CC que o “Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.” XI. No contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efetiva por si, com autonomia e da forma que considerar mais adequada, sem subordinação à direção da outra parte.

  8. Não pode o Tribunal a quo bastar-se com a mera presunção de laboralidade, consignada no art. 12º do CT, para considerar provada a existência de uma relação de trabalho.

  9. Resulta do art. 12º do CT a presunção da existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das características elencadas naquele normativo.

  10. Provou-se que os prestadores de serviços (C... e D...) utilizavam as suas próprias viaturas nas deslocações de serviço (quando necessário), suportando as respetivas despesas, não estavam sujeitos a qualquer horário de trabalho, a remuneração auferida era variável e à percentagem consoante o número de veículos vendidos, e não fixa em função do tempo despendido na realização da sua atividade ou número de visitas ao estabelecimento da Recorrente, e à qual os trabalhadores deram quitação através da emissão dos respetivos ”atos isolados”, nunca tendo auferido, durante a execução do contrato de prestação de serviços, gozo e retribuição nas férias, subsídios de férias e de Natal.

  11. No caso sub judice, a Recorrente ilidiu a presunção de laboralidade, apresentando factos que são reveladores da inexistência de uma relação jurídica de trabalho (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil).

  12. Assim, afastada está a referida presunção, pelo que, não se pode considerar como provado o contrato de trabalho existente entre a Recorrente e os referidos prestadores de serviços/comissionistas.

  13. Em face de tudo quanto acima se expôs, deverá a decisão proferida pelo Tribunal a quo ser parcialmente revogada, quanto aos processos n.ºs 211600156, 211600157 e 211600158, devendo a Recorrente ser absolvida das infrações de que vem acusada.

    Nestes termos e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se parcialmente a Sentença recorrida.

    I.3.1 O Tribunal a quo proferiu decisão sobre a admissibilidade do recurso, não o tendo admitido na parte relativa aos processos 211600156 e 211600157, em virtude das coimas parcelares aplicadas à arguida/recorrente nesses...

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