Acórdão nº 1626/16.6T8AVR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 04 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelANA PAULA AMORIM
Data da Resolução04 de Dezembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Domínio Público Hídrico-1.626/16.6T8AVR.P1 Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo Central Cível de Aveiro - Juiz 3-Juiz Desembargador Relator: Ana Paula Amorim Juízes Desembargadores Adjuntos: Manuel Fernandes Miguel Baldaia de Morais*Acordam neste Tribunal da Relação do Porto[1] (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)I. RelatórioNa presente ação que segue a forma de processo comum em que figuram como: - AUTORES: B… e mulher C…, casados no regime da comunhão geral de bens, contribuintes nºs ……… e ………, respetivamente, residentes na Rua …, .., em Albergaria-a-Velha; e - RÉU: ESTADO PORTUGUÊS, pedem os autores, que seja reconhecido e constituído o direito de propriedade privada dos autores sobre a parcela de terreno onde se encontra construído o prédio urbano, composto de moradia unifamiliar, com três pisos, garagem e logradouro, sito na Avenida …, nº .., na …, concelho da Murtosa, desta comarca, inscrito na matriz sob o artigo nº 2104 e descrito na competente conservatória sob o nº 1507, com inscrição de propriedade a favor dos autores, por tal prédio se encontrar na posse e fruição dos autores e seus antepossuidores antes de 31 de Dezembro de 1864, o que constitui título legítimo, nos termos do disposto no artigo 15º da Lei nº 54/2005, de 15/11.

Alegaram, em síntese, que são donos do imóvel em análise, o qual veio à sua posse por o terem comprado a D…, Ldª, por escritura pública de 17 de Junho de 1994, sendo que desde tempos imemoriais e sempre antes do ano de 1864, o terreno que constitui o prédio atrás identificado e outros que lhe eram contíguos, eram cultivados por particulares, mediante contratos de arrendamento ou outros acordos, desde antes de 31 de Dezembro de 1864.

Mais, alegaram que o prédio em questão está edificado parcialmente sobre uma parcela pertencente ao domínio público marítimo, constituído pela margem da denominada Ria de Aveiro.

-Citado, o réu não apresentou contestação.

-Por despacho de 6 de julho de 2016, foram os autores convidados a apresentarem documentos comprovativos da factualidade alegada nos arts. 20º, 21º, 22º, 23º e 26º da petição inicial, tendo os mesmos, na sequência da respetiva notificação, informado que não é possível obter tal prova e que pretendiam que fosse inquirida a testemunha por si arrolada relativamente à matéria em causa.

-O Ministério Público, notificado do teor do requerimento apresentado pelos autores, opôs-se à requerida inquirição, sustentando que o direito que os autores se arrogam apenas é passível de ser demonstrado por prova documental.

-Por despacho de 27/10/2016, foram as partes convidadas a apresentarem alegações finais, por se ter entendido que a factualidade em discussão apenas podia ser demonstrada com recurso a elementos documentais.

-Em resposta ao convite, os autores apresentaram a respetiva peça processual, na qual sustentam que a ação deve prosseguir os seus termos, com a produção das provas oferecidas e outras que se entendam necessárias, até final, sustentando a sua posição no trabalho publicado sobre a matéria da autoria d Senhor Juiz Desembargador --- Bargado.

-Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve: “ Nestes termos, julgo a presente ação improcedente e, em consequência, não reconheço a propriedade dos autores sobre a parcela de terreno referenciada nos autos.

Custas pelos autores (sendo o valor da causa o indicado na petição inicial)”.

-Os Autores vieram interpor recurso da sentença.

-Nas alegações que apresentaram os apelantes formularam as seguintes conclusões: 1. A questão que se coloca é a de saber se o direito que os autores se arrogam (de posse e de propriedade sobre uma faixa de terreno do domínio público marítimo, por particulares, desde antes do ano de 1964) tem de ser provado e só pode ser provado documentalmente ou se a lei admite a produção de outros meios de prova, nomeadamente testemunhal, pericial, inspeção judicial, presunções.

  1. Na primeira hipótese – nº 2 do artigo - quem pretender ver reconhecido o seu direito de propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de correntes navegáveis ou flutuáveis, tem de fazer prova documental de que aquelas parcelas estavam no domínio privado em data anterior a 31 de Dezembro de 1864 – nº2 do artº 15º da Lei nº 34/2014.

  2. Numa segunda hipótese – nº 3 do artigo - a de o interessado não dispor de documentos que lhe permitam fazer a prova da propriedade particular dos terrenos, antes 31 de Dezembro de 1864, o interessado fica “apenas” obrigado a provar que os terrenos estavam na posse em nome próprio de particulares, antes de 31 de Dezembro 1864, no que ao caso interessa.

  3. A alteração efetuada, só se explica porque o legislador considerou a enorme dificuldade que será para qualquer particular fazer prova documental da aquisição do direito de propriedade sobre terrenos, antes da data de 1864, prevendo que a prova da posse em nome próprio por particulares, antes de 31 de Dezembro de 1864, faz presumir que os terrenos em causa são propriedade particular.

  4. A lei deixou de fixar qualquer condição e qualquer limitação ao tipo de prova, pelo que deve admitir-se todo o tipo de provas admissíveis em direito: documental, testemunhal, pericial, inspeção judicial, presunções, com exceção da confissão, por os bens do domínio público serem, por natureza, indisponíveis.

  5. Pelo exposto, entende-se que, como os autores alegaram dispor de documentos relativamente recentes, para prova da aquisição da propriedade sobre o terreno em causa, até ao ano de 1927, conforme documentos juntos, podiam fazer prova da posse em nome próprio do terreno antes daquela data, prova que poderia ser feita por depoimento da testemunha cuja inquirição requereram com a petição e inicial e que reafirmaram com as suas alegações.

  6. É que, como se alega antes, aquele meio de prova não estava vedado aos autores, de acordo com a redação atual do preceito de direito substantivo que regula a matéria em causa.

  7. Deste modo, o Mº Juiz a quo não deveria ter fixado a matéria de facto assente antes de ouvir a prova testemunhal apresentada pelos autores, de forma a produzir todas as provas levadas aos autos, antes de proferir decisão.

Termina por pedir a revogação e substituição por douto acórdão que ordene a prosseguimento da ação, com a produção das provas oferecidas e outras, que se entendam necessárias, até final.

-O Ministério Público em representação do Estado Português veio apresentar resposta ao recurso, formulando as seguintes conclusões: a) Deverá considerar-se que o disposto no artº 15º nº 3º da Lei 54/2005 de 15.11 na versão atual, só pode ser provado por documento, b) julgando - se improcedente o recurso interposto (que requer a inquirição da testemunha como meio de prova) por a prova testemunhal ser inadequada e insuficiente para dos factos, nomeadamente da posse privada ou fruição conjunta antes de 31.12.1864.

  1. Termos em que se requer que se julgue que o tribunal a quo produziu toda a prova admitida, encontrando-se fixada a matéria de facto, confirmando-se a sentença recorrida.

    -O recurso foi admitido como recurso de apelação.

    -Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

    - II. Fundamentação 1.

    Delimitação do objecto do recursoO objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.

    A questão a decidir consiste em saber se o reconhecimento de propriedade privada sobre parcelas de leitos e margens públicos, ao abrigo do regime previsto no art. 15º da Lei --- /2005, apenas é possível mediante prova documental.

    - 2.

    Os factosCom relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância: 1 – Encontra-se inscrita a favor dos autores, na Conservatória do Registo Predial de Murtosa, a aquisição de um prédio urbano composto de moradia unifamiliar, com três pisos, garagem e logradouro, sito na Avenida Engº …, nº .., na freguesia da …, concelho da Murtosa, desta comarca, na matriz sob o artigo nº 2104 e descrito na referida Conservatória sob o nº 1507 (art. 1º da petição inicial).

    2 – Por escritura pública de 17 de Junho de 1994, os autores compraram a D…, Ldª, o referido imóvel (art. 3º da petição inicial).

    3 – O prédio supra-identificado confronta, do seu lado nascente, com a estrada (art. 11º da petição inicial).

    4 – Tal prédio está edificado parcialmente sobre uma parcela pertencente ao domínio público marítimo, constituído pela margem da denominada Ria de Aveiro (art. 13º da petição inicial).

    5 – As áreas do...

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