Acórdão nº 3293/16.8T8MTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA CEC
Data da Resolução14 de Dezembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 3293/16.8T8MTS Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Local Cível de Matosinhos - Juiz 3 Acórdão Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. RelatórioB…, NIF ………, residente na Avenida …, n.º …, …. - … Vila do Conde, vem intentar a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra C…, S.A., NIPC ………, com sede na Rua …, n.º …, …. - … …, pedindo: a) a declaração de resolução do contrato celebrado entre Autora e Ré; b) subsidiariamente, por mera cautela de patrocínio, a condenação da Ré a substituir o veículo por outro, no estado de novo, que comprovadamente não padeça dos defeitos apontados ao presente; c) em qualquer dos casos ser a Ré condenada a pagar a quantia de €2.000,00, a título de danos não patrimoniais.

Alegou, para tanto, que adquiriu à Ré, em 23-01-2013, o veículo automóvel de marca F…, modelo … . Em 28/01/2013, celebrou com a Ré, enquanto concessionária, um contrato de extensão de garantia, nos termos do qual finda a garantia de fábrica (28/01/2015), iniciaria a garantia contratualmente estipulada. A garantia contratual teve início em 29/01/2015 e estende-se pelo período de 24 meses ou até o veículo perfazer os 80.000km. Para pagamento do valor do veículo celebrou com a D… – Sucursal em Portugal, em 14/01/2013, um contrato em regime de leasing a consumidor. Nos termos deste contrato, efetuou um pagamento inicial de €10.000,00, ficando os restantes €12.000,00 a serem pagos em prestações e o valor residual de €440,00. Em 29/01/2015, foi celebrado entre a Autora e a D… – Sucursal em Portugal acordo de revogação antecipada do contrato de leasing com o n.º …………. O veículo adquirido é um dos veículos equipados com o motor ….., portador da anomalia relacionada com o denominado “kit fraudulento” (manipulação das emissões de gases poluentes). Por via disso resolveu o contrato celebrado com a Ré, dando do facto conhecimento à responsável pela importação do veículo em causa – E… S.A. A Ré declinou a responsabilidade na resolução do assunto em referência e não garante que a reparação do veículo mantenha a performance e consumos nos termos e de acordo com características explanadas à Autora no momento da compra. A garantia convencional terá o seu término em 28/01/2017 e à data a viatura só tinha 72.359km.

Contestou a Ré, alegando que a F…, fabricante da viatura aqui em causa, já assumiu publicamente a existência desta desconformidade. Ademais, a C… não tem qualquer intervenção seja no processo de fabrico ou montagem das viaturas (designadamente da marca F…) nem dos seus componentes – incluindo da viatura concretamente em causa nestes autos – seja no processo de homologação CE de qualquer dos modelos de viaturas daquela marca – incluindo do modelo da viatura sub judice – desconhecendo toda a temática relacionada com a desconformidade existente no sistema de medição de emissões de gás poluente nos motores a diesel tipo .. …. O fabricante da viatura já assegurou, no entanto, que as discrepâncias nos níveis de emissão não têm qualquer impacto ao nível dos demais componentes da viatura, nem na segurança da mesma ou dos respetivos passageiros. Acresce que as medidas técnicas adequadas à remoção desta desconformidade foram já aprovadas pela Autoridade Federal de Transportes Motorizados alemã, a Kraftfahrt-Bundesamt (adiante “KBA”), que já deu início ao processo de avaliação do impacto da correção do defeito em causa em alguns modelos de viaturas F… afetadas, tendo verificado e certificado que, no seguimento da correção da discrepância, o nível de consumo de combustível se mantém em linha com os originariamente indicados pelo fabricante e que a performance do motor se mantém inalterada. De todo o modo, decorreu já o prazo de dois anos a contar da entrega do bem para a autora exercitar os seus direitos, sem alegar quaisquer factos de que resulte que comprou a viatura para uso não profissional. Mesmo neste caso, sempre se imporia a denúncia da falta de conformidade do bem no prazo de dois meses a contar da data em que a mesma tenha sido detetada. O acionamento da garantia e a invocação dos direitos dependeria sempre da denúncia da falta de conformidade do bem no prazo de dois meses a contar da deteção. Ainda que se pudesse entender que assiste à autora o direito a pedir a resolução do contrato ou a substituição do bem, teria de considerar-se a desvalorização da viatura, que conta cerca de 44 meses de utilização à data da petição inicial e tem o valor de cerca de €13.370. Quanto aos danos não patrimoniais não alega um único facto que concretize os supostos danos, pelo que deve ser absolvida dos pedidos. Caso sejam procedentes a autora deve ser condenada no pagamento do valor correspondente à utilização da viatura ou deve o mesmo ser deduzido ao valor de aquisição da mesma.

Dispensando a audiência prévia, foi proferido despacho saneador que julgou improcedentes as exceções dilatórias de ilegitimidade passiva e falta de interesse em agir e procedente a exceção de caducidade do direito da autora com a consequente absolvição da ré do pedido.

Inconformada, a autora assim concluiu a sua alegação:“1) O presente recurso tem por objeto a reapreciação da sentença que absolveu a Ré do pedido, em razão da procedência da exceção de caducidade.

2) Salvo o devido respeito por opinião contrária, cremos que a douta sentença padece do vício de falta de fundamentação.

3) Estamos perante um despacho saneador que se destinou a decidir exceções, sendo para o que interessa ao caso, a da caducidade.

4) Entendemos não se encontrar devidamente fundamentada a decisão de procedência da referida decisão.

5) Desconhece-se como o tribunal pode referir, sem que para o efeito tenha sido feita prova que a entrega do veículo à Recorrente ocorreu em 28/01/2013.

6) O conhecimento público não implica que no caso concreto a Recorrente tenha tido imediato conhecimento de que o veículo era afetado pelo vício em causa.

7) A Recorrida até recebeu missivas da Recorrente não admitiu que o veículo em causa padecia do vício.

8) Não pode o tribunal a quo referir que a Recorrente teve conhecimento de que o seu veículo padecia do referido vício, por mera alegação da Recorrida.

9) A Autora não reconheceu nunca que reconhecia a desconformidade do veículo desde Setembro de 2015.

10) O saneador/sentença de que se recorre padece do vício de falta de fundamentação de facto e de direito ao abrigo do art. 615º, n. 1, al. b) CPC.

11) A procedência da exceção da caducidade importa a verificação e prova de determinados factos, como a data de entrega da viatura, a data do conhecimento efetivo que o veículo da Recorrente era portador do kit fraudulento, a análise da garantia contratual, o que não sucedeu nos autos.

12) A Recorrente adquiriu o veículo automóvel de marca F…, conforme documentos juntos com a petição inicial.

13) No âmbito do referido contrato foi celebrado contrato de extensão de garantia por 24 meses com inicio após término da garantia legal, que garantia defeitos de fabrico, conforme contrato celebrado entre a Recorrente e a Recorrida como resulta dos documentos juntos pela Autora com a sua petição inicial.

14) Entendemos não estar verificada a exceção da caducidade, uma vez que assistia à Recorrente o direito de denunciar um defeito do veículo, a coberto da garantia contratual efetuada.

15) Legalmente, há que atender ao limite temporal do prazo da garantia, o qual pode ser de dois anos (mínimo nas vendas a consumidores) ou ser superior, por via contratual.

16) Este facto foi ignorado pelo que não poderia proceder a exceção da caducidade como referido na douta sentença, em violação do disposto nos arts. 1º-B, 2º,m 9º da Lei 67/2003, 328, ss CC.

17) Acresce que, o enquadramento relativo à lei de defesa do consumidor não seria o único enquadramento legal relevante.

18) No pedido efetuado a Recorrente solicitou a resolução do contrato de compra e venda celebrado, com as consequências legais inerentes.

19) Trata-se de um contrato de compra e venda, regulado nos arts. 874º e ss. do Código Civil.

20) Prescreve o art.º 921.º, n.º 1 do Código Civil – norma que, apesar de estar incluída na seção relativa à venda de coisa defeituosa, é de aplicação generalizada - que “Se o vendedor estiver obrigado, por convenção das partes ou por força dos usos, garantir o bom funcionamento da coisa vendida, caber-lhe repará-la, ou substituí-la quando a sua substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador.” 21) O veículo em causa não possui as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo, nem apresenta as qualidades e o desempenho habituais dos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem.

22) Tal deveu-se a um comportamento fraudulento, que nas relações contratuais com os compradores de viaturas afetadas, tem a natureza de dolo e de ‘ação enganosa’.

23) Assim, face a esta situação sempre seria o referido negócio anulável.

24) Pelo que andou mal o tribunal a quo ao decidir nos termos constantes da douta sentença, violando o disposto no art. 253º, 254º e 921º CC.

Sem prescindir, 25) Não pode a Recorrente concordar com a aplicação dos prazos de caducidade da lei de defesa dos consumidores ao direito de indemnização.

26) O exercício dos direitos previstos no Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08/Abril não impedem que o consumidor possa peticionar uma indemnização nos termos gerais do direito.

27) Tal decorre do art.º 8.º da Diretiva Comunitária (Diretiva n.º 1999/44/CE) que o referido Decreto-Lei transpôs: “O exercício dos direitos resultantes do presente Directiva não prejudica o exercício de outros direitos que o consumidor possa invocar ao abrigo de outras disposições nacionais relativas à responsabilidade...

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