Acórdão nº 24541/16.9T8PRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelFERNANDO SAM
Data da Resolução14 de Dezembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 24541/16.9T8PRT.P1 Do Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Cível do Porto - Juiz 5.

Relator: Fernando Samões 1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha 2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró*Acordam no Tribunal da Relação do Porto - 2.ª Secção: I. Relatório B...

, residente na Rua ..., n.º ..., 2.º andar, Porto, instaurou a presente acção declarativa com processo comum contra C..., LDA., com sede na Rua ..., n.º ..., Porto, pedindo que a ré seja condenada: - a encerrar o estabelecimento à hora imposta pela Câmara Municipal ..., das 23h às 7h; - quando tal não ocorrer, a pagar o valor de 500,00 €, a título de sanção pecuniária compulsória; - e a pagar-lhe a indemnização não inferior a 15.000,00 € por todos os prejuízos que lhe têm vindo a ser causados, em virtude de noites consecutivas sem dormir.

Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte: Reside no 2.º andar do prédio que confronta com o prédio em cujo rés-do-chão funciona o restaurante da ré denominado “D...”.

Desde o início do seu funcionamento, nunca cumpriu os horários fixados para o efeito, produzindo sempre muito ruído, que lhe perturba o descanso e o sono, o que o levou a fazer vários protestos e participações junto das entidades policiais e administrativas, tendo a Câmara Municipal ... imposto que o estabelecimento estivesse encerrado desde as 23h até às 7h, imposição que também nunca foi cumprida.

Sente-se exausto, intimidado, humilhado e frustrado, devido ao comportamento da ré que nada fez para a resolução daquele problema.

A ré contestou, por excepção, invocando a ilegitimidade passiva por serem infundadas as imputações feitas e serem da responsabilidade de terceiros, a litispendência, devido à pendência de uma providência cautelar, e por impugnação motivada negando que seja o barulho do seu estabelecimento que incomoda o autor, pois fez obras no estabelecimento, existem outros estabelecimentos na mesma rua e observa o horário de funcionamento, não lhe sendo possível expulsar os seus clientes. Concluiu pela improcedência da acção.

O autor não respondeu à matéria das excepções, apesar de ter sido notificado para tanto.

Teve lugar a audiência prévia, na qual foi fixado o valor da causa, foi proferido despacho saneador, onde foram julgadas improcedentes as excepções da ilegitimidade passiva e da litispendência, foi identificado o objecto do litígio, bem como foram enunciados os temas de prova, sem reclamações.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, a qual decorreu em três sessões: 17 e 31 de Maio e 28 de Junho de 2017, data em que foi encerrada.

Em 7 de Julho de 2017, a ré, invocando contradições entre as declarações do autor e os depoimentos das testemunhas E... e F..., quanto à vivência, solitária ou acompanhada, daquele na habitação, requereu a sua acareação, a fim de aferir da sua credibilidade.

Este requerimento foi apreciado, imediatamente antes da sentença, proferida em 30/8/2017, nos seguintes termos: “Indefere-se, por manifestamente extemporâneo, o requerido pela Ré no ponto 13.º do requerimento apresentado em 07/07/2017”.

Seguiu-se a douta sentença que culminou com o seguinte dispositivo: “Face ao exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, consequentemente, condena-se a Ré a encerrar o seu estabelecimento id. sob a al. c) dos factos provados, à hora imposta pela Câmara Municipal ..., das 23h às 7h, bem como no pagamento do valor de € 500,00 (quinhentos euros), a título de sanção pecuniária compulsória, nos termos do artigo 879.º, n.º4 do Código Civil, por cada infração ao cumprimento do referido horário, e no pagamento de uma indemnização no montante de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), a título de compensação por danos não patrimoniais, absolvendo-se a Ré do demais peticionado.

*Custas a cargo de ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido ao Autor.

Registe e notifique.” Inconformada com o assim decidido, a ré interpôs recurso e apresentou as suas alegações que terminaram nas seguintes conclusões: “

  1. Este processo tem por base as reclamações de um morador da rua onde se situa o restaurante da Recorrente (o único vizinho que alguma vez reclamou) que se queixa do ruído causado pelos clientes daquela.

B) Outra das queixas que apresenta é a imputação de inúmeros atos ilícitos à Recorrente ou pessoas singulares com aquela relacionadas, pese embora, e bem, o tribunal a quo tenha dado como não provadas todas estas alegações.

C) Se o tribunal de 1ª instância deu certos factos como não provados, uma vez que alegações apenas comprovadas pelas declarações do Autor e Recorrido, não se entende como tenha dado outros como provados, embora tivessem como base aquelas declarações.

D) Desde logo, a testemunha F... declarou que, desde o período em que foi reduzido o horário de funcionamento do restaurante das 2 horas da manhã para as 23 horas da noite, não mais vê clientes à porta deste estabelecimento depois das 23 horas da noite (e mesmo que tenha visto depois desta hora em período anterior àquele redução de horário, tal facto não é ilícito, pois o restaurante tinha autorização para funcionar até as 2 horas da manhã).

E) Acontece que o Recorrido não merece a credibilidade que lhe foi imputado pelo tribunal a quo, nomeadamente pelo facto de ter mentido quanto a partilhar o apartamento onde vive com a sua mãe, na última audiência de julgamento deste processo, F) Assim, através da audição dos depoimentos prestados pelo Recorrido, pela testemunha E... (sua alegada namorada e testemunha essencial) e pela testemunha F..., tanto nas declarações prestadas no processo cautelar que correu por apenso a este processo, como pelas declarações prestadas no presente processo, é possível perceber que, ou estas testemunhas não merecem credibilidade por não conhecerem os factos como deram a entender conhecer, ou as declarações do Recorrido não merecem credibilidade por ter mentido, G) Questão que a aqui Recorrente pretendeu esclarecer, através de requerimento enviado aos autos a 7 de julho de 2017, onde pede ao tribunal a quo que proceda à prova de acareação entre o Recorrido e as testemunhas, para tentar perceber qual dos intervenientes não merece credibilidade, H) Requerimento esse que o tribunal considerou extemporâneo, mas de forma errada, pois os artigos 523º, 524º e 607º, nº1, 2ª parte, todos do CPC, permitiam ao tribunal ordenar a produção da referida prova, além de a sentença recorrido ser de agosto de 2017.

I) Ao não ter permitido averiguar da veracidade das declarações daqueles dois intervenientes processuais, nomeadamente em relação à credibilidade dos mesmos e das suas declarações, o tribunal a quo restringiu, injustificadamente, o direito de defesa e o direito a um julgamento justo e equitativo (constitucionalmente tutelado) da Ré e Recorrente.

J) A testemunha H... confirmou que não há clientes no restaurante da Recorrente, após as 23 horas da manhã, desde a alteração do horário de funcionamento, K) A testemunha I... confirma a existência de outros restaurantes na mesma rua, abertos até mais tarde, L) Todas as testemunhas agentes da PSP confirmam que a Recorrente não é fonte de perturbações naquela rua e que o Recorrido, sempre que chamou as autoridades, recusou a entrada das mesmas em sua casa, M) A testemunha J... afirmou que o restaurante fecha às 23 horas e que na mesma rua se situam outros estabelecimentos, abertos até depois das 23.

N) A Recorrente, com base na prova indicada, pretende que sejam dados como factos não provados os da alínea f, g, h, i e q, da fundamentação de facto da sentença.

O) Depois, parece uma contradição que o tribunal de 1ª instância dê como assente que há outros estabelecimentos até mais tarde e que os clientes desses estabelecimentos circulem, para lá das 23 horas, na Rua ..., passando em frente à casa do Recorrido, para depois dar como não provado que os ruídos que este ouve possam ser originados pelos tais clientes dos outros estabelecimentos, P) É uma contradição e deve ser esclarecida no sentido de dar como assente que o Recorrido ouvia ruído originado pelos clientes dos restantes estabelecimentos, nomeadamente tendo em conta a estrutura daquela rua.

Q) Outra conclusão do tribunal de 1ª instância que merece reprovação é o entendimento, na Fundamentação de Direito, de que não obstante as obras realizadas (e comprovadas) pela Recorrente, o ruído persiste, R) Mas nada poderia levar aquele tribunal a concluir neste sentido, uma vez que as próprias testemunhas do Recorrido confirmaram que, depois das 23 horas, o restaurante da Recorrente já se encontra encerrado! S) A condenação em sanção pecuniária compulsória é atentatória das mais basilares regras de senso-comum, pois deixa a Recorrente depende da boa vontade dos seus clientes (incumpridores do horário de funcionamento, mesmo que avisados para saírem antes das 23 horas), T) O que deve a Recorrente fazer quando um cliente se recusa a sair antes das 23 horas? A Recorrente pode ser responsabilizada pela atuação de terceiros à causa? U) Na condenação ao pagamento de 2.500 euros ao Recorrido, com base na responsabilidade civil extracontratual, a Recorrente impugna essa mesma condenação pois faltam dois elementos desta responsabilidade: o nexo de causalidade e a culpa.

V) Se, por um lado, a Recorrente não tem culpa nos alegados danos de ruído provocado por clientes seus (a Recorrente cumpre todas as normas legais, o seu horário de funcionamento e não foi autuada por nenhum agente da PSP que se tenha deslocado ao local), W) Por outro, não ficou provado o nexo de causalidade entre a atuação da Recorrente e os danos alegados pelo Recorrido, pois, através da teoria da causalidade adequada, não é de prever pela Recorrente que, numa rua com mais estabelecimentos, abertos até mais tarde do que o restaurante daquela, provado que ficou que circulam na mesma rua clientes desses restaurantes, e respeitando a Recorrente o horário de...

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