Acórdão nº 779/12.7TTVIS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelNELSON FERNANDES
Data da Resolução14 de Dezembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação 779/12.7TTVIS.P1 Autores: B... e outros Ré: C... – Companhia de Seguros, S.A., _______ Relator: Nélson Fernandes 1ª Adjunta: Des. Rita Romeira 2ª Adjunta: Des. Teresa Sá Lopes _______________________ Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório 1.

Instaurado processo especial para efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, não se obtendo conciliação na sua fase administrativa, B..., D... e E... deram início à respetiva fase contenciosa, contra C... – Companhia de Seguros, S.A., pedindo a condenação desta no pagamento: de € 6.745,12 a título de diferença na indemnização por ITA, a pagar na proporção de 1/3 cada; € 25.922,70 a título de pensão anual, com início em 30.03.2014 e devida até 22.11.2014 – dia em que o sinistrado faleceu –, a pagar na proporção de 1/3 cada; de € 5.426,13 de subsídio de elevada incapacidade permanente, a pagar aos Autores na proporção de 1/3 cada; de € 461,14 mensais de prestação suplementar para assistência de terceira pessoa a partir de 30.03.2014 e até à data do falecimento do sinistrado, a pagar à Autora; de € 1.846,50 a título de despesas de funeral, a pagar à Autora; de € 5.533,70 a título do subsídio por morte, a pagar à Autora; de € 15.092,40 a título de pensão anual, vitalícia e atualizável, com inicio em 23.11.2014, dia seguinte ao do falecimento do sinistrado, a pagar à Autora.

Para tanto alegaram, em síntese, serem herdeiros de F..., que no dia 28.09.2011, cerca das 20h00, quando atuava nas funções de administrador da G..., SA e aquando de uma deslocação a clientes, foi vítima de um acidente de viação, quando foi embatido por outro veículo que seguia em excesso de velocidade. Mais referiram que do aludido embate resultaram para o Sinistrado diversas lesões incapacitantes para o trabalho (em termos temporários e permanentes), vindo ulteriormente a falecer, sendo a Ré responsável pelo pagamento das quantias pedidas, face ao contrato de seguro de acidentes de trabalho celebrado com a empresa de que o Sinistrado era administrador.

1.1.

Regulamente citada, a Ré, na contestação, pugnou pela improcedência da ação, invocando que o sinistro se deveu ao comportamento do próprio Sinistrado, que não parou num sinal de STOP antes do cruzamento onde se deu o embate, cortando a trajetória ao outro veículo que interveio no embate, razão pela qual, e por ter violado as mais elementares regras de segurança estradal, incorrendo na prática de uma contraordenação muito grave, ocorre a descaracterização do acidente como de trabalho, nos termos das als. a) e b) do nº 1, n.ºs 2 e 3 do art. 14º da Lei nº 98/2009 de 04 de Setembro.

1.2.

Após convite do Tribunal aos Autores para que apresentassem nova petição inicial em que colmatassem insuficiências, veio a ser proferido despacho saneador, elencando-se, seguidamente, os factos assentes e os que integrariam a base instrutória.

1.3.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, após decisão sobre a matéria de facto controvertida foi proferida sentença, de cujo dispositivo consta: “Em face de todo o exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, decide-se: - condenar a Ré C... – Companhia de Seguros, SA a pagar: 1. aos Autores B..., D... e E..., na proporção de 1/3 cada: a) a quantia correspondente à pensão anual e vitalícia de € 30.184,80 devida ao Sinistrado F... desde 08.11.2013 até 22.11.2014, sem prejuízo da actualização anual; b) a quantia de € 5.533,70 a título de subsídio de elevada incapacidade permanente; c) a quantia mensal, a título de prestação suplementar para assistência a terceira pessoa, de € 463,45, devida desde 08.11.2013 até 22.11.2014; 2. à Autora B...: a) a quantia de € 1.846,50 a título de subsídio por despesas de funeral; b) a quantia de € 5.533,70 a título de subsídio por morte; c) a pensão anual e vitalícia de € 15.092,40, devida desde 23.11.2014, sem prejuízo da actualização anual; 3. juros de mora sobre as prestações pecuniárias supra atribuídas e em atraso, aos respectivos titulares, vencidos e vincendos à taxa legal, até integral pagamento; - absolver a Ré C... – Companhia de Seguros, SA do demais contra si peticionado pelos Autores.

Custas na proporção de 1/7 a cargo dos Autores B..., D... e E... e de 6/7 a cargo da Ré C... – Companhia de Seguros, SA (n.ºs 1 e 2 do art. 527º do Código de Processo Civil, aplicável por força da al. a) do nº 2 do art. 1º do Código de Processo do Trabalho).

Fixa-se à acção o valor processual de € 236.012,02 – art. 120º do Código de Processo do Trabalho.

Registe e notifique (art. 24º do Código de Processo do Trabalho).

Oportunamente, cumpra-se o disposto no nº 1 do art. 137º do Código de Processo do Trabalho.” 2.

Inconformada, interpôs o Ré recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: “1 – A recorrente entende que, salvo o devido respeito, atendendo à matéria de facto provada, designadamente, nos pontos I., J., AP., AQ., AR., AS. e AT., o Tribunal a quo deveria ter descaracterizado o acidente dos autos como de trabalho por integração no disposto n.º 1 als. a) e b) e n.ºs 2 e 3 do art.º 14º da Lei 98/2009 de 04/09.

2 – Entende-se pois que o acidente proveio exclusivamente de negligência grosseira da vítima encontrando-se preenchidos os dois requisitos que a lei exige para que se verifique a causa de exclusão da reparação do acidente. Por um lado um comportamento temerário inútil e indesculpável por outro, a exclusividade da sua culpa.

3 – O inditoso sinistrado igualmente violou sem causa justificativa as condições de segurança previstas na lei estradal, nomeadamente art.º 21º B2 e Quadro XXIII do Dec. Regulamentar n.º 22-A/98, praticando uma contraordenação muito grave, que se acha prevista na al. n) do art.º 146º do Código da Estrada.

Posto isto, vejamos: 4 – No dia 28/09/2011, cerca das 20H00, o sinistrado conduzia o seu veículo automóvel ZI e interveio num embate com o veículo pesado HQ; 5 – O veículo ZI circulava na estrada que faz a ligação do IP3, saída de ...-sentido Viseu-Coimbra e o veículo HQ circulava na EN ... e seguia no sentido Coimbra-Viseu; 6 – A colisão entre os veículos deu-se ao chegar ao cruzamento que dá acesso ao local ...; 7 – Ao aproximar-se do cruzamento que dá acesso do IP3 à EN ..., o sinistrado avançou sem antes imobilizar a viatura junto de um sinal vertical com a menção STOP, aí existente; 8 – E cortou a linha de trânsito ao veículo HQ que seguia na EN ...; 9 – O condutor do veículo HQ não conseguiu evitar o embate com a frente do seu veículo na parte lateral frontal esquerda do veículo ZI; 10 – A via onde o sinistro se deu tinha o piso em asfalto, que estava conservado.

11 – Com efeito o acidente foi provocado pelo sinistrado, pela não imobilização da viatura que conduzia, junto do sinal vertical STOP, que lhe impunha a paragem obrigatória.

12 – O comportamento do malogrado sinistrado foi temerário, inútil, e indesculpável e revelador de incumprimento da mais elementar diligência e, por isso, integra o conceito de negligência grosseira, já que, foi voluntariamente por si praticado, não obstante ser do seu conhecimento a perigosidade do que fazia 13 – Na verdade se o sinistrado tivesse parado no sinal STOP e deixado passar a viatura que seguia na EN ..., o acidente não teria ocorrido.

14 – A matéria de facto provada mostra bem que a atuação do sinistrado foi a única causa do acidente.

15 – O sinistrado, ao agir daquele modo, não tomou as necessárias e mínimas cautelas expondo-se temerariamente a um perigo grave que se configurava como de muito provável, aliás porque se trata de uma zona de muitos acidentes, o que infelizmente se concretizou.

16 – Com o devido respeito, rejeita-se a fundamentação do Mm.º Decisor, ao desculpabilizar o comportamento da vítima pelo facto de já ter 71 anos de idade e por conseguinte apresentar diminuição das capacidades de concentração e de resistência, por cansaço e até por pura distração.

17 – Independentemente da situação chocante que se nos depara com a perda irreparável de uma vida humana, que lamentamos profundamente, não nos parece que seja feita justiça ao desculpar atos que não podem de todo ser desculpáveis, tanto mais que a sinistralidade no nosso país é demasiado alta, para o continuarmos a fazer.

18 – E não se venha dizer que o condutor do veículo HQ seguia a pelo menos 80km/h numa estrada em que o limite máximo era de 60Km, violando ele próprio as regras estradais.

19- A ser verdade este facto, o certo é que o veículo HQ seguia na sua mão, não sendo expectável que a outra viatura, provinda de um cruzamento com um sinal de STOP, cortasse a sua linha de trânsito 20 – Uma coisa é indubitável, se o sinistrado tivesse parado no STOP, o acidente não teria ocorrido.

21 – Mas a conduta do sinistrado configura igualmente uma violação sem causa justificativa das condições de segurança previstas na lei estradal, acima referidas, incumprindo-as conscientemente, sabia que essa atitude constituiria um risco.

22 – O sinistrado ao não imobilizar a viatura que conduzia junto do sinal STOP desconsiderou e descuidou riscos e perigos previsíveis e elevados, violando um dever de cuidado que devia e podia ter acautelado.

23 – Não surgiu qualquer situação de emergência que justificasse a violação da regra estradal.

24 – No caso dos autos, o risco de acidente existia e era absolutamente previsível, colocando-se o sinistrado de forma voluntária mas desnecessária numa situação de enorme perigo, com manifesto desprezo pelo risco iminente, que poderia ter evitado se cumprisse a lei.

25- O sinal vertical de STOP obrigava o sinistrado a parar antes de entrar no cruzamento e a ceder a passagem aos veículos que transitassem na via onde ia entrar – assim abrangendo o veículo HQ.

26 – Sinal este, como refere o Tribunal a quo “cuja compreensão é basilar para qualquer condutor habilitado a conduzir”.

27 – Ficou assim claramente demonstrado que o acidente em apreço ficou a dever-se à conduta perfeitamente temerária e indesculpável do sinistrado...

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