Acórdão nº 4508/15.5T9MTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução13 de Setembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 4508/15.5T9MTS.P1 Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do PortoI – RELATÓRIO 1. No Processo Comum (Singular) nº 4508/15.5T9MTS (do Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Criminal de Matosinhos – Juiz 3), em que é arguida B… (com os demais sinais nos autos), após realização da audiência de julgamento, no dia 14.02.2017 foi proferida sentença (constante de fls. 185 a 200) onde se decidiu nos seguintes termos (transcrição parcial na parte relevante): “Condenar a arguida B… pela prática de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos arts. 181.º, n.º 1 e 184.º, cometido no dia 17 de Julho de 2015, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de €8,00, no valor total de €560,00 (quinhentos e sessenta euros).

Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pela demandante, condenando a demandada no pagamento da quantia de €300,00 (trezentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros desde a presente data.

(…)” 2. Inconformada, a arguida interpôs recurso, constante de fls. 206 a 231, finalizando a respectiva motivação com as seguintes conclusões (transcrição): “I - O Tribunal a quo deu como provado no n.º 2 do factos provados que“Porque não depositou na conta da arguida a totalidade do dinheiro recebido, no dia 16 de Julho de 2015, pelas 21h13m, a arguida enviou do seu telemóvel para o telemóvel da ofendida a seguinte mensagem: “O meu dinheiro quero amanhã na conta, se não estiver vais ver a surpresa que vais ter! Só te digo fazes-me ir aí que vais ver quem se vai rir. Não penses que eu sou o C… porque não sou! Aí vais conhecer quem eu sou de verdade…Eu tinha vergonha de ter uma irmã como tu! Teres a distinta lata de ficares com um dinheiro que não é teu e fazeres dos outros parvos”.” II - Deu ainda o referido Tribunal como provado no n.º 3 dos factos provados que “Pelas 21h14m, enviou o seguinte: “E mais, tu devias ser actriz e não advogada!”.” III - Por último, deu ainda como provado o ponto n.º 4 dos factos provados, nomeadamente que “No dia 17 de Julho de 2015, pelas 14h43m, enviou mais outra mensagem: “O teu prazo está a terminar…Além de ladra e vigarista, não passas de uma mentirosa! Não tens respeito por ninguém! Mas se pensas que isto já terminou, estás enganada! Continua…” IV - Ora, com o devido respeito e desde logo, não resulta dos autos que o número de onde provieram as sms supra transcritas é propriedade da Recorrente.

V - Inexiste nos autos qualquer documento probatório ou outro qualquer meio de prova idóneo que ateste da propriedade daquele número por parte da Recorrente.

VI - Dos autos apenas resulta que, aquando da prestação do TIR por parte da Recorrente, aquela indicou aquele número como sendo aquele através do qual poderia ser contactada.

VII - E tal contacto apenas foi indicado após insistência e solicitação em sede de interrogatório, para eventuais contactos urgentes e notificações mais expeditas.

VIII - O número de telemóvel em crise nos autos não é da Recorrente, não é por si usado, nem tão pouco é da sua propriedade.

IX - E tendo ficado tudo isto por apurar, não pode a Recorrente ser condenada, tanto mais que tudo esteve ao alcance do conhecimento do Tribunal a quo averiguar.

X - Aliás, a resposta a estas e outras informações estava à distância de uma mera notificação às operadoras de telecomunicações.

XI - Salvo melhor entendimento, o facto de se indicar um número de telemóvel para eventual contacto, não significa automaticamente que se seja utilizador ou mesmo proprietário do mesmo.

XII - A Recorrente reitera que não enviou quaisquer sms à Recorrida.

XIII - Mal andaríamos se a alegação/declaração efetuada em sede de julgamento pela Recorrida de que aquele número era da Recorrente, para que tal servisse, sem mais, de prova da autoria das sms ou mesmo da propriedade do número.

XIV - Se assim fosse, qualquer cidadão poderia ter na sua agenda o contacto telefónico de outrem e atribuir-lhe a prática de um qualquer crime.

XV - Abrindo uma verdadeira caixa de pandora, para que qualquer cidadão que esteja desavindo com outrem por exemplo, se baste e se sirva com uma simples alegação de qual o número de telemóvel usado por essa pessoa para assim a poder incriminar judicialmente.

XVI - Com todo o respeito, a prova, por mais que o Tribunal a quo argumente que poderá ser por este apreciada livremente, terá de ter um mínimo de certeza e segurança jurídica, alicerçada em meios de prova idóneos.

XVII - Ora, o Tribunal a quo baseou-se em declarações exclusivas da Recorrida, bem como em suposições, presunções e encadeamentos alegadamente lógicos.

XVIII - Aliás, como resulta da própria sentença, a prova, nesta parte, baseia-se fundamentalmente nas declarações da Recorrida.

XIX - A palavra da Recorrida, por ser Advogada, beneficiará de uma especial valoração? XX - A douta sentença, faz ainda de forma ligeira e corrida menção à prova documental que terá servido para formar a sua convicção de que a autoria das sms foram enviadas pela Recorrente.

XXI - No entanto, na referida sentença, o Tribunal a quo refere nominada e taxativamente que todos os factos provados basearam-se nas declarações da Recorrida e em prova documental.

XXII - Analisada a prova documental indicada pelo Tribunal a quo, a verdade é que não resulta daquela, a valoração ou indicação do TIR como fazendo parte dos documentos que sustentam a prova documental dos autos.

XXIII - Não se concebendo, por isso, que mais à frente, venha o Tribunal a quo, socorrer-se de tal documento para completar a sua tese de presunções e suposições.

XXIV - Reforça-se, o Tribunal a quo não demonstrou que a propriedade do número em crise era da Recorrente, XXV - Todavia, não teve qualquer pejo em imputar-lhe a autoria das sms, apesar de a mesma a ter negado.

XXVI - Imputação aquela com fundamento num conjunto de suposições e presunções, pois sumariamente e na tese do Tribunal a quo, a Recorrente é a autora das sms pelas seguintes razões: • Porque indicou aquele numero no TIR (apesar de não constar da prova documental usada pela Tribunal a quo para prova dos factos provados); • Porque se trata de alguém próximo do irmão da Recorrida; • Bem como pelo facto da Recorrida ter dito que foi a Recorrente que enviou as sms.

XXVII - O que no fundo até contraria totalmente o invocado pelo Tribunal a quo na motivação da matéria de facto aquando citação do principio da livre apreciação invocando que a mesma não pode ser puramente subjetiva.

XXVIII - Importa então questionar, quais os factos objetivos, materiais que em harmonia com as regras da lógica, da razão, das regras da experiência e dos conhecimentos científicos que permitiram ao Tribunal a quo atribuir à Recorrente a autoria das alegadas sms? XXIX - Tais fundamentos serviram para fundar a decisão do Tribunal a quo, que não teve qualquer dúvida e deu como provada a autoria das sms pela Recorrente, diga-se, sem o mínimo, de principio de prova material.

XXX - Não obstante o direito criminal ser na sua génese iminentemente um direito de efetivas certezas, de efetivas, concretas e objetivas provas que demonstrem a prática de um crime, XXXI - O Tribunal a quo a decidir como decidiu, socorrendo-se do princípio da livre apreciação da prova, descurando e negligenciando a inexistência de qualquer prova nos autos quer da propriedade do número do telemóvel, quer da autoria das sms.

XXXII - Ora, a condenação só é permitida desde que haja sido feita prova dos factos para além de toda a dúvida razoável.

XXXIII - O Tribunal a quo desconsiderou totalmente o principio em dúbio pro reo, o qual é dominado pelo principio da investigação ou da verdade material, impendendo sobre o Tribunal a obrigação de carrear todas as provas necessárias com vista à decisão final, isto porque é preferível a impunidade do culpado à condenação do inocente.

XXXIV - Ou seja, e com o devido respeito, o Tribunal a quo consubstanciou a sua decisão (convicção), não em factos, não em provas materiais ou elementos relevantes e integradores do crime de que a Recorrente vinha acusada, mas antes em suposições que guiam a sua convicção da prática de um crime que nem sequer constituem base sólida para delas se retirarem indícios suficientes.

XXXV - O Tribunal a quo nunca poderia ter dado como provado, como deu, o n.º 2, 3 e 4 dos factos provados.

XXXVI - A fls. 26-28 dos autos encontra-se o alegado teor das sms alegadamente rececionadas pela Recorrida.

XXXVII - Relativamente a essas fls. que contém as alegadas sms, o qual o Tribunal a quo é perentório em afirmar “não se tratar este de um auto de transcrição.” , importa tecer algumas considerações.

XXXVIII - No entanto, e previamente, sobre este documento, o Tribunal a quo, considera que o mesmo “atesta o teor das mensagens e a data e hora em que foram enviadas, tendo a assistente confirmado ser esse o teor das mensagens que recebeu.” XXXIX - Ora, na modesta opinião da Recorrente o Tribunal a quo, grosseiramente, valorou prova legalmente inadmissível, fazendo tábua rasa de todos procedimentos e formalismos indispensáveis e observáveis relativamente à obtenção e posterior utilização deste meio de prova.

XL - O processo penal, atenta a sua natureza acusatória e sendo regido pelos princípios da tipicidade e da legalidade, impõe particulares exigências ao nível da certeza, da clareza, da precisão e da completude dos atos imputados, de forma que o arguido, no caso a Recorrente, deles se possa eficazmente defender.

XLI - Diz o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 13-05-2015, no âmbito do processo n.º 1/13.9PEVNG.P1, disponível em www.dgsi.pt que, “I – Só podem valer como prova em julgamento as comunicações [no caso, uma sms] que o Ministério Público mandar transcrever (ao órgão de polícia criminal que tiver efetuado a interceção e gravação) e indicar como meio de prova na acusação.” XLII - Ora, nos presentes autos, o Ministério Público não mandou transcrever quaisquer sms, pese embora, registe-se...

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