Acórdão nº 2772/15.9T9AVR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Setembro de 2017

Data da Resolução27 de Setembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso Penal 2772/15.9T9AVR.P1 Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1.

RelatórioB…, C… e D…, assistentes devidamente identificadas nos autos de Instrução acima referenciados, inconformadas com a decisão instrutória de não pronúncia, recorreram para este Tribunal da Relação, formulando as seguintes conclusões (transcrição): 1. Vista a decisão sob recurso e quanto, a final, determinou para o Tribunal recorrido uma decisão de não pronúncia, estamos perante esvaziamento por via do entendimento vertido em tal decisão do crime de difamação, como previsto e punido pelos artigos 180º, n.º 1, e 183º, n.º1, alínea b), do Código Penal, e, com tanto, uma inadmissível desprotecção, à luz do próprio princípio e direito constitucional de acesso aos tribunais e tutela jurisdicional efectiva, dos bens jurídicos da honra e da consideração das Assistentes.

  1. Ainda que no caso concreto a própria decisão do IRN, I.P. não tenha acompanhado as concretas imputações e a intenção da Arguida, fosse em sede de acusação, fosse por via de punição disciplinar, certo é que o IRN, I.P. não é órgão de soberania, não se admitindo ou compreendendo sequer qualquer tentativa de ingerência, muito menos uma sobreposição do que aquele organismo público entenda ao que é da competência dos Tribunais, em sede de tutela penal e jurisdicional efectiva dos bens jurídicos da honra e da consideração.

  2. A Arguida não se limitou a tecer juízos de valor ofensivos e infundados, antes imputando factos concretos a cada uma das Assistentes, com relevância e gravidade bastantes, tanto que consubstanciadores não só de infracções disciplinares, como da prática de crime(s), como o de procuradoria ilícita.

  3. É falso quanto a Arguida referiu sobre a Assistente B… e a esta imputou directamente, em plena consciência e com conhecimento da falsidade dos factos que lhe imputava, e de que a ofendia seriamente nas suas honra e consideração, sendo tamanha a gravidade dos juízos formulados e da factualidade que directamente lhe imputou directamente junto dos dirigentes da entidade empregadora, que foi a Assistente sujeita a procedimento disciplinar, como pretendido pela Arguida no intuito exclusivo de denegrir a Assistente no seu bom nome e no seu desempenho profissional.

  4. Ao acusar as Assistentes C… e D… do exercício simultâneo da Advocacia e de funções públicas pese embora a incompatibilidade, bem como, de forma igualmente directa e expressa, da prática do crime de procuradoria ilícita, sujeitou-as a procedimento disciplinar também por tais imputações falsas de acrescida gravidade e a que fossem expostas como suspeitas do que consubstanciaria mesmo a prática de crime mediante missivas dirigidas pela Instrutora à Ordem dos Advogados e a Autoridades Judiciárias (v.g. fls 41, 42, 43, 44, 45 e 46 dos autos).

  5. A Arguida, jurista e tendo exercido Advocacia, ora Adjunta de Conservador e (então) Coordenadora-Geral dos Serviços do IRN, I.P. na Loja do Cidadão, sabia necessariamente da falsidade e da falta de fundamento de quanto imputou às Assistentes, incluindo a prática que imputou às Assistentes C… e D… do crime de procuradoria ilícita.

  6. Diz-se na decisão sob recurso que foram analisadas todas as provas, mas evidencia-se preterição absoluta de consideração do teor de 15 depoimentos, para além dos das próprias Assistentes, bem demonstrativos da falsidade das imputações dirigidas pela Arguida a cada uma das Assistentes e, bem assim, de que tinha plena consciência dessa falsidade e de qual fosse a sua intenção ao investir contra trabalhadoras que haviam prestado declarações, com a verdade, em inquérito que veio a culminar em sancionamento disciplinar da Arguida.

  7. Desconsiderando, no todo, os depoimentos prestados por 15 testemunhas, 12 das quais em exercício de funções nos Serviços do IRN, I.P. da Loja do Cidadão E…, limitou-se o Tribunal recorrido a aludir, vagamente, aos depoimentos de 5 testemunhas arroladas pela Arguida, completamente contrariados por aqueles 15 depoimentos e pela própria decisão condenatória da Arguida em sede do processo disciplinar 21 RC 2014/SAIGS, e, ademais, prestados de forma, no mínimo, sui generis, como resulta dos autos.

  8. Aludindo o Tribunal a quo ao processo disciplinar 16 DIV 2014/SAIGS – ainda que numa leitura incorrecta – e à qualidade de superior hierárquica da Arguida comos e tal legitimasse a ofensa, não se compreende que não seja igualmente atendido o relatório final e a decisão proferida no processo disciplinar 21 RC 2014/SAIGS (fls 90 e 91), com sancionamento da Arguida por força da sua conduta, precisamente, enquanto superior hierárquica para com os demais trabalhadores, e quanto nesse relatório já referia o Senhor Instrutor sobre a falta de fundamento de quanto a Arguida pretendia imputar às Assistentes e, estranhamente, após ter tido conhecimento de que haviam prestado declarações em inquérito que corria contra a Arguida.

  9. O cumprimento de um dever previsto no artigo 31º, n.ºs 1 e 2, alínea e) do Código Penal pressupõe esse dever e uma intenção legítima, e não que seja admitido a um cidadão ofender outro, com consciência de que o faz, invocando a sua condição de superior hierárquico, no que mais antes demonstra irresponsabilidade e violação de deveres funcionais.

  10. Ao desconsiderar elementos probatórios (prova documental e 15 depoimentos) indiciários de forma bastante e consistente da prática do crime de difamação pela Arguida contra cada uma das Assistentes, não cumpriu o Tribunal a quo a finalidade e o objectivo da instrução, incorrendo em violação dos artigos 286º, n.º 1, e 308º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

  11. Existem indícios bastantes e consistentes da prática do crime de difamação praticado, com plena consciência e intencionalmente, pela Arguida contra cada uma das Assistentes, devendo aquela, em prol da realização de Justiça, ser pronunciada e submetida a julgamento pela prática daquele crime contra cada uma das Assistentes, como previsto e punido pelos artigos 180º, n.º 1, e 183º, n.º1, alínea b), do Código Penal.” Pedem que o presente recurso seja julgado procedente e revogada a decisão recorrida, pronunciando-se a arguida pela prática de três crimes de difamação, p. e p. pelos artigos 180º, n.º 1, e 183º, n.º1, alínea b), do Código Penal.

    1.2 O MP junto da 1ª instância respondeu à motivação do recurso, defendendo a sua improcedência e manutenção integral da decisão recorrida, formulando as seguintes conclusões (transcrição) “1. A prova produzida não contém indícios suficientes por forma a considerar como sendo falsos os factos descritos na acusação particular que motivaram a participação disciplinar ou de que que a arguida tenha actuado dolosamente e com consciência da falsidade de tais factos e de ter agido qualquer intenção de imputar às denunciantes factos ofensivos da sua honra e consideração.

  12. Resultam antes indícios que permitem concluir que a arguida agiu em cumprimento de um dever a que estava vinculada, na qualidade de superior hierárquico das denunciantes, ao participar disciplinarmente das mesmas por factos de que teve conhecimento.

  13. O M. mº JIC pronunciou-se de forma clara sobre todos os factos relevantes para a boa decisão da causa, bem como apreciou criticamente os elementos de prova, testemunhal ou documental, existentes nos autos.

  14. O M. mº JIC efectuou uma correcta interpretação jurídica dos arts. 31º 1, 2 b), 180º 1) e 183º 1 b) do Cód. Penal, e 286º 1), 308º1) do C.P.P.

  15. Em suma, deve ser negado provimento ao recurso, por não ter sido violado nenhum comando normativo e, consequentemente, deve ser mantida nos seus precisos termos a decisão sob recurso.

    1.3 A arguida F… respondeu igualmente à motivação do recurso, pugnando pela sua improcedência e formulando, por seu turno, as seguintes conclusões (transcrição): 1.ª Nenhum facto, elemento ou pressuposto existe da prática de crime algum; 2.ª Nem sequer a ora respondente imputou qualquer facto falso, mas sim apenas factos verdadeiros; 3.ª Pelo que nem sequer se pode considerar qualquer consciência ou intenção de uso de falsidade absolutamente inexistente; 4.ª Conforme resulta do processo disciplinar instaurado, os factos participados eram verdadeiros, sendo que uns constituíram fundamento da formulação das acusações e outras constituíram mesmo fundamento de condenação das participadas; 5.ª Destas, que eram em número de cinco, quatro foram condenadas a final e a remanescente foi acusada após diligências investigatórias e probatórias, vindo no entanto a ser absolvida a final; 6.ª A autoridade disciplinar afirmou e concluiu expressamente que a participação era verdadeira, não havendo qualquer indício de qualquer falsidade, muito menos intencional; 7.ª Inexplicavelmente – ou talvez não – as assistentes participaram da ora respondente por, com a apresentação de tal participação, a ora respondente ter cometido, no entender delas, um crime de denúncia caluniosa e, tanto quanto se entende, um outro de difamação; 8.ª O Ministério Público, após a efectivação das diligências suscitadas, arquivou o inquérito, por entender que nenhum indício havia da prática de crime e a então arguida e ora respondente ter actuado no cumprimento do seu dever; 9.ª As assistentes, conformando-se então com as razões do arquivamento quanto ao crime de denúncia caluniosa, vieram no entanto a apresentar acusação particular, da qual o Ministério Público fez menção expressa de se demarcar; 10.ª Obrigada a ora respondente a requerer a abertura de...

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