Acórdão nº 13737/15.0T8PRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução07 de Abril de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Sumário (da responsabilidade do relator): 1 - Um dos mecanismos de controlo do conteúdo das cláusulas contratuais gerais é a ação inibitória, prevista no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 446/85, e o que nesta ação está em causa não é um controlo concreto, que encare a cláusula como elemento de um determinado contrato, mas um controlo sobre a própria cláusula, um controlo abstrato que acautela o risco de uma multiplicação não contrariada de cláusulas inválidas. 2 - Na sequência do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 2/2016, tonou-se claro o entendimento que, em razão do disposto no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 446/85, e por violação do princípio da boa-fé, é proibida a “cláusula contratual geral que autoriza o banco predisponente a compensar o seu crédito sobre um cliente com o saldo de conta coletiva solidária, de que o mesmo cliente seja ou venha a ser contitular”. 3 - O controlo do conteúdo das cláusulas contratuais gerais que é feito em sede de ação inibitória pressupõe que as mesmas não foram objeto de negociação; daí a necessidade de tais cláusulas terem de ser completamente claras e inequívocas, sob pena de, nesta sede apreciativa própria da ação inibitória, se revelarem nulas. 4 - A publicitação da decisão condenatória (prevista no n.º 2 do artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 446/85) deve ser proporcional (justificando a não inclusão da mesma na página online do réu, por se revelar excessiva), mas suficientemente eficaz (justificando, no caso, a publicação em dois jornais diários) de modo a permitir, assim acautelando as finalidades da lei, o conhecimento do seu conteúdo pelos eventuais interessados.

Processo n.º 13737/15.0T8PRT.P1 Recorrente – Banco B…, SA Recorrido – Ministério Público Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Carlos Gil e Carlos Querido.

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: 1 – Relatório 1.1 – Os autos na 1.ª instância: O Ministério Público veio propor (ao abrigo do disposto nos artigos 25 e 26, n.º 1, al. c) do Decreto-Lei n.º 446/85) ação inibitória contra Banco B…, S.A., pedindo o seguinte: 1) Serem declaradas nulas as seguintes cláusulas: A) Dos Contratos (I) de contas de depósito de valores; (II) de utilização do serviço B1.../B2…; (III) e de utilização de Serviços de Pagamento, incluindo transferências a crédito e a débito, cartões de pagamento e débitos diretos: a) Cláusula 8.3 da secção A (sob a epígrafe “Provisão e Débitos na Conta e Ultra- passagem de Crédito” referente à conta de depósito de valores); b) Cláusulas 6.3 e 6.4 da secção C (sob a epígrafe “Utilização” dos cartões de débito B…); c) Cláusulas 5 e 6 da secção G (sob a epígrafe “Comunicação e Informação”). B) Do contrato de Conta de Depósito de Valores (“Conta B3…”): a) Cláusula 8.3 (sob a epígrafe “Provisão e Débitos na Conta”); b) Cláusulas 16.5 e 16.6 (sob a epígrafe “Comunicação e Informação”); 2) Ser o Réu condenado a abster-se de utilizar tais cláusulas em contratos que venha a celebrar no futuro, com as especificações previstas no artigo 30.º, n.º 1, e com as consequências previstas no artigo 32.º do RCCG.

3) Ser o Réu condenado a dar publicidade à decisão (art. 30.º, no 2, do RCCG) e a comprovar nos autos essa publicidade, em prazo a determinar na sentença, sugerindo-se que a mesma seja efetuada em anúncio a publicar em dois dos jornais de maior tiragem editados em Lisboa e Porto, de tamanho não inferior a 1⁄4 (um quarto) de página, durante dois dias consecutivos, bem como em anúncio a publicar na página da internet do réu.

4) Proceder-se à comunicação prevista no art. 34.º do RCCG.” Fundamentando o pretendido, o autor, em síntese, veio dizer: - O réu tem por objeto o exercício da atividade bancária e, no exercício da sua atividade, tem vindo a celebrar em Portugal, com múltiplos clientes, contratos cujas cláusulas são as constantes dos documentos juntos, cujo conteúdo se dá por reproduzido.

- Trata-se dos seguintes contratos: A) Contratos (I) de contas de depósito de valores; (II) de utilização do serviço B1…/B2…; (III) e de utilização de Serviços de Pagamento, incluindo transferências a crédito e a débito, cartões de pagamento e débitos diretos – cujas condições gerais constituem o doc. n.º 2; B) Contrato de Conta de Depósito de Valores e de Pagamentos (“Conta B3…”) – cujas condições gerais constituem o doc. n.º 3.

- Para tanto, apresenta aos interessados que com ele pretendam contratar um clausulado previamente elaborado por si, que não é objeto de qualquer negociação individual.

- No que concerne às condições gerais dos contratos ((I) de contas de depósito de valores; (II) de utilização do serviço B1…/B2…; (III) e de utilização de Serviços de Pagamento, incluindo transferências a crédito e a débito, cartões de pagamento e débitos diretos (doc. 2), afiguram-se nulas as seguintes cláusulas: I - Cláusula 8.3 (sob a epígrafe “Provisão e Débitos na Conta e Ultrapassagem de Crédito” referente ao contrato da conta de depósito de valores): a cláusula estabelece a possibilidade de compensação de créditos entre os contratantes recorrendo a outras contas do titular, inclusive a contas (solidárias) das quais o cliente não é o único titular; II – Cláusulas 6.3 e 6.4 (sob a epígrafe “Utilização” dos cartões de débito B…), nas quais se permite ao Banco eximir-se genericamente da responsabilidade emergente da sua culpa, ou do risco; III – Cláusulas 5 e 6 (sob a epígrafe “Comunicação e Informação”), que também permitem ao predisponente eximir-se, de um modo genérico, da responsabilidade emergente da sua culpa, ou do risco.

- No que concerne ao Contrato de Conta de Depósito de Valores denominada “Conta B3…”(doc. 3) afiguram-se nulas as seguintes cláusulas: IV - Cláusula 8.3 (sob a epígrafe “Provisão e Débitos na Conta”) que permite ao Banco efetuar o débito de saldo insuficiente da conta do cliente através do saldo ou da venda de ativos de contas solidárias de que o mesmo é cotitular; V – Cláusulas 16.5 e 16.6 (sob a epígrafe “Comunicação e Informação”), na medida em que permitem ao predisponente eximir-se, de um modo genérico, da responsabilidade emergente da sua culpa, ou do risco.

O réu contestou (fls. 90 e ss.). Quanto ao primeiro grupo de cláusulas, sustenta a sua admissibilidade, atendendo a que apenas permitem ao Banco atingir o património de cotitulares noutras contas no caso de tais contas serem solidárias, concretizando as cláusulas anteriores (cláusulas 8.1 e 8.2) quais as dívidas e débitos a que o regime de compensação contratual previsto pode ser exercido, assistindo ao Banco o direito de operar a compensação do seu crédito, desde que o faça até ao limite do direito de crédito do cliente devedor e respeitando a regra prevista no art. 853 n.º 3 do CC. Quanto ao segundo grupo, alega o réu ser alheio às relações entre o cliente e o terceiro com quem acordou a aceitação de meios de pagamento, pelo que não pode assumir qualquer responsabilidade pela não aceitação do cartão no estabelecimento daquele ou por erros de transmissão ou deficiências técnicas a que seja alheio; não está na letra nem no espírito das cláusulas invocadas a exclusão de responsabilidade do réu quando resultantes de vícios da sua prestação e que lhe possam ser atribuídos a título de dolo, culpa grave ou que sejam emergentes do risco. O contestante defende ainda que a publicação da decisão, nos termos em que foi peticionada, e porque desproporcionada, não deve ser atendida.

Foi realizada audiência prévia (fls. 104) e porque “os autos oferecem todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito da causa, sem necessidade de produção de mais provas”, foi proferida a sentença (fls. 106 e ss.) de que ora se recorre, e na qual foi decidido: “Pelo exposto, julgo procedente a presente ação e, em consequência: 1) Declaro nulas as seguintes cláusulas: A) Dos Contratos (I) de contas de depósito de valores; (II) de utilização do serviço B1… / B2…; (III) e de utilização de Serviços de Pagamento, incluindo transferências a crédito e a débito, cartões de pagamento e débitos diretos: a) Cláusula 8.3 da secção A (sob a epígrafe “Provisão e Débitos na Conta e Ultrapassagem de Crédito” referente à conta de depósito de valores); b) Cláusulas 6.3 e 6.4 da secção C (sob a epígrafe “Utilização” dos cartões de débito B…); c) Cláusulas 5 e 6 da secção G (sob a epígrafe “Comunicação e Informação”). B) Do contrato de Conta de Depósito de Valores (“Conta B3…”): a) Cláusula 8.3 (sob a epígrafe “Provisão e Débitos na Conta”); b) Cláusulas 16.5 e 16.6 (sob a epígrafe “Comunicação e Informação”); 2) Condeno o Réu a abster-se de utilizar tais cláusulas em contratos que venha a celebrar no futuro, e que sejam do mesmo tipo dos acima referidos, ficando sujeito, em caso de incumprimento da proibição à sanção pecuniária compulsória prevista no art. 32.º do RCCG. 3) Condeno o Réu a dar publicidade à decisão (art. 30.º, n.º 2, do RCCG) e a comprovar nos autos essa publicidade, no prazo de dez dias, mediante anúncio a publicar em dois dos jornais de maior tiragem editados em Lisboa e Porto, de tamanho não inferior a 1⁄4 (um quarto) de página, durante dois dias consecutivos; 4) Absolvo o réu do pedido de publicação em anúncio na sua página da internet.

5) Proceda-se à comunicação prevista no art. 34.º do RCCG.” 1.2 – Do recurso: Inconformado, o réu veio apelar. Pretende a revogação da sentença e a sua integral absolvição e formula as seguintes Conclusões: 1 - Quanto ao PRIMEIRO GRUPO, considerou a decisão recorrida que tais cláusulas são nulas por desrespeito ao disposto nos arts. 15 e 19, alínea d), esta última aplicável por força do art. 20 do RCCG.

2 - Sobre a questão de saber se, quando o banqueiro seja credor de apenas um dos titulares, pode operar a compensação com o saldo de uma conta solidária, não há consenso nem por parte da doutrina, nem da jurisprudência.

3 - Por um lado, Menezes Cordeiro, in “A Compensação Bancária”, 2003, 255-256, admite a compensação, em determinadas condições, por outro lado, Paula Camanho, in “Do Contrato...

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