Acórdão nº 5544/11.6TAVNG-K.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelNUNO RIBEIRO COELHO
Data da Resolução07 de Abril de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo 5544/11.6TAVNG-K.P2 Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação do Porto: I. RELATÓRIO Por decisão de proferida em audiência de julgamento, no dia 25/9/2015, o tribunal de primeira instância declarou extinto, nos termos do Art.º 206.º, n.º 1, do Código Penal, o procedimento criminal relativamente aos arguidos B…; C…, D…, E…, F…, G… e H…, que se encontram acusados pela prática de crimes de burla tributária, tal como p. c p. pelo Art.º 87.º do RGIT (Regime Geral das Infracções Tributárias).

Não se conformando com esta decisão, dela o Ministério Público interpôs recurso para este Tribunal da Relação, concluindo na sua motivação: 1.º O Ministério Público discorda da decisão que determinou a extinção do procedimento criminal contra os arguidos B…; C…, D…, E…, F…, G… e H…, e o consequente arquivamento dos autos por força da aplicação do disposto no art. 206º do Código Penal aos crimes de burla tributária, p. e p. pelos arts. 87º nº 1 e 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias, de quem vinham respectivamente acusados, por força da aplicação subsidiária àquele diploma legal avulso das disposições legais enunciadas no Código Penal, conforme art. 3º a) do RGIT.

  1. O Ministério Público defende que o disposto no art. 206º do Código Penal não é aplicável aos ilícitos criminais tipificados no Regime Geral das Infracções Tributárias porquanto sendo uma lei especial a mesma não contempla a possibilidade de aplicação do mencionado normativo, tipificado no Código Penal apenas para crimes contra o património e propriedade, e sem remissão da sua aplicação a crimes tipificados em legislação avulsa, ainda que de natureza análoga aos tipificados na legislação comum.

  2. A remissão realizada pelo art. 3º a) do RGIT contempla apenas uma remissão para as normas gerais do Código Penal passíveis de aplicação a qualquer ilícito criminal, ainda que tipificados em legislação avulsa, e não para normas específicas, como é o caso do art. 206º do Código Penal, aplicável a um núcleo restrito de ilícitos comuns.

  3. O bem jurídico protegido no crime de burla tributária à Segurança Social de que os arguidos se encontram acusados, p. e p. pelo art. 87º do RGIT, não visa apenas a protecção do património do Estado, como parece ter sido o entendimento perfilhado no despacho recorrido, e, por isso, passível de ter um tratamento idêntico ao património e propriedade dos particulares afectados pelo acto criminoso, mas antes a protecção do erário público enquanto interesse da pessoa ou da comunidade na manutenção ou integridade de um certo Estado, a quebra da relação de confiança em que assenta a relação fiscal entre o beneficiário e o Estado, não se limitando o legislador a criminalizar o recebimento indevido de um beneficio, para o qual a lei prevê a utilização dos cabais mecanismos em sede de execução fiscal, mas sobretudo o sancionamento criminal de comportamentos dolosos dos contribuintes que atentem contra a lealdade e cooperação para com o Estado.

  4. A reparação dos prejuízos causados pelos arguidos à Segurança Social pela sua actuação apenas poderia ter sido objecto de valoração no âmbito do regime consagrado pelos arts. 22º e 44º do RGIT que prevêem expressamente a possibilidade de uma aplicação aos arguidos do instituto da dispensa de pena, ou porventura, a atenuação especial da mesma ou o arquivamento com dispensa de pena.

  5. Se fosse intenção do legislador permitir a extinção do procedimento criminal nos ilícitos de natureza fiscal tipificados no RGIT e, mormente no caso em apreço, da burla tributária por força da aplicação do art. 206º do Código Penal expressamente o teria feito consignar no corpo do art. 87º do RGIT acrescentando um novo número àquele normativo ou introduzindo no corpo daquele art. 206º do Código Penal um número que permitisse a sua aplicação subsidiária aos crimes nele tipificados em legislação avulsa de natureza análoga.

  6. A aplicação do disposto no art. 206º do Código Penal há-de resultar de factos que inequivocamente exprimam um sentimento espontâneo, livre e não pressionado ou determinado por condicionalismos exógenos de restituição ou de reparação, como sucedeu, no caso dos arguidos em que que subjacente à aludida reparação esteve sobretudo procurarem obter a regularização da sua carreira contributiva junto da Segurança Social em ordem a que no futuro continuassem a poder beneficiar do pagamento de prestações contributivas e não a expiação da sua culpa pela reparação do mal causado e reconhecimento do desvalor da sua acção.

  7. Em relação ao arguido G… não tendo o mesmo procedido a qualquer reparação voluntária ao Instituto da Segurança Social de valores devidos àquele organismo mas, pelo contrário, sido o Instituto de Segurança Social a transaccionar com o arguido, no âmbito de acção pendente no TAF, a restituição àquele de prestações sociais que lhe eram devidas, não poderiam os Mmos. Juízes aplicar, no caso em apreço, o disposto no art. 206º do Código Penal, extinguindo, quanto ao mesmo, o procedimento criminal por não se verificarem os pressupostos de aplicação do mencionado normativo.

  8. Ainda que porventura fosse passível de aplicação o disposto no art. 206º do Código Penal aos crimes de burla qualificada tributária de que os arguidos se encontravam acusados, o que só por mera hipótese se pode considerar, sempre se nos afiguraria ser indispensável a realização quanto aos mesmos de julgamento pelos factos de que os mesmos se encontravam acusados porquanto sempre a actuação dos mesmos seria passível punição pelo eventual crime de falsificação de documento consubstanciado no envio de declarações de remunerações falsas ao Instituto de Segurança Social, do qual poderia vir a resultar, em sede de uma alteração da qualificação jurídica a operar nos termos do art. 358º do Código de Processo Penal, a condenação daqueles, tal como previsto pelo art. 87º nº 4 do RGIT.

  9. Violaram pois os Mmos Juízes as normas tipificadas nos arts. 3º a); 22º, 44º e 87º nº 1, 2 , 3 e 4 do RGIT ; art. 206º do Código Penal e 358º do Código de Processo Penal ao interpretarem as mencionadas normas no sentido de que a reparação dos prejuízos causados à Segurança Social pelos arguidos conduziria, por força da aplicação subsidiária das normas do Código Penal enunciadas no art. 3º a) do RGIT e do disposto no art. 206º do Código Penal, à extinção do procedimento criminal pelo crime de burla tributária de que os arguidos vinham acusados, nos termos do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT