Acórdão nº 135/15.5T8MCN.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelMANUEL DOMINGOS FERNANDES
Data da Resolução07 de Novembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 135/15.5T8MCN.P1-Apelação Origem-Comarca do Porto Este-Marco Canaveses-Inst. Local-Secção Cível-J1 Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Miguel Baldaia 2º Adjunto Des. Jorge Seabra 5ª Secção Sumário: I- Deve ser havido como de arrendamento rural o contrato em que o bem que as partes essencialmente perspectivaram, e que se assumiu como o motivo determinante da celebração do contrato, foi a terra, alcandorando-se a fruição da construção como habitação como meramente acessória ou complementar.

II- À mesma se conclusão se chega pela conjugação com o critério referente à renda, quando a mesma foi apenas definida em géneros e satisfeita anualmente, características que não são de todo próprias do contrato de arrendamento urbano, mas sim do contrato de parceria agrícola e/ou do contrato de arrendamento rural.

III- A denominada suppressio é a situação do direito que, não tendo sido, em determinadas circunstâncias, exercido durante um determinado lapso de tempo, não possa mais sê-lo por, de outra forma, se contrariar a boa fé.

IV- Justifica-se a inalegabilidade da nulidade do contrato por falta de forma, com fundamento no abuso do direito na referida modalidade de suppressio, quando num contrato de arrendamento rural que perdura há mais de 40 anos, os senhorios sempre se comportaram como se o contrato fosse válido, nomeadamente recebendo as respectivas rendas e sem que em relação ao mesmo tivesse havido qualquer foco de litigiosidade.

*I-RELATÓRIO B…, solteira, residente na rua …, n.º …, ….-… Marco de Canaveses, intentou a presente acção sob a forma de processo comum contra C… e D…, casados, ambos com residência na rua …, n.º .., …, …, Marco de Canaveses, peticionando a declaração de que é legítima dona e possuidora dos prédios identificados na petição inicial e, consequentemente, a condenação dos réus a reconhecer esse direito de propriedade sobre esses imóveis e a reduzir a escrito o contrato de arrendamento rural ou a restituir os indicados prédios livres de ónus e encargos e desocupados e a pagar à autora o correspondente enriquecimento do seu património sem justa causa.

Para tanto, invocou, em suma, que é legítima proprietária do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial do Marco de Canaveses sob o n.º 1284, bem como do prédio urbano descrito na mesma Conservatória sob o n.º 1288; adquiriu-os por sucessão e partilha; aquando da sua aquisição teve conhecimento de que lá habitavam os réus, porque lhe terem sido dados verbalmente de arrendamento pelos seus pais há cerca de 15/10 anos, tendo por objecto a exploração do terreno agrícola, ficando obrigados a entregar o proveito agrícola como forma de pagamento; em 20 de Março de 2014 interpelou os réus comunicando-lhes que a ocupação era ilegítima; interpelou-os novamente para reduzirem o contrato verbal a escrito; até aos dias de hoje nada fizeram; não tendo respondido à interpelação, implicou tal comportamento a não redução a escrito daquele contrato, o que redunda na sua nulidade, o que acarreta uma perda económica pois não recebe qualquer contrapartida pelo arrendamento, que é neste momento ilícito.

*Regularmente citados, vieram os réus apresentar a sua contestação, pugnando pela total improcedência da acção e consequente absolvição do pedido.

Para o efeito, alegaram, em suma, que: em Setembro de 1975, com efeitos a partir de Dezembro do mesmo ano, os pais da autora deram verbalmente de arrendamento quatro prédios, um deles urbano e três deles rústicos, destinando-se o primeiro à sua habitação permanente e os restantes à cultura, videiras, pastagem e pinhal; tal arrendamento tinha como fundamento ou fim principal a habitação e só como complementar ou subsidiariamente a exploração daqueles terrenos para agricultura; como retribuição foi acordado “dividir o cereal, a meias”, todos os anos entregando assim metade do milho, feijão, batata e cebola; sempre assim procederam até à data, entregando aos pais da autora, na casa destes, enquanto foram vivos e após o seu falecimento às filhas, incluindo a autora; em 2011, as irmãs da autora vieram a sua casa dizendo-lhes para não trabalharem mais os campos “L…” e “M…”; a autora tem conhecimento desse arrendamento desde 1975; recepcionaram as missivas indicadas na petição inicial; não lhes responderam porque entendem que celebraram um contrato de arrendamento habitacional; caso assim não se entenda, então, não se opõe à sua redução por escrito desde que com o clausulado justo e adequado às circunstâncias do caso concreto.

*Foi agendada tentativa de conciliação, a qual se gorou.

*A autora foi convidada a juntar as certidões prediais e matriciais relativas aos prédios identificados na petição inicial bem como a esclarecer os critérios subjacentes à indicação do valor da acção, tendo a mesma respondido a tal convite a folhas 72 a 76.

*Foi realizada audiência prévia, no decurso da qual foi proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento da matéria de facto alegada na petição inicial–cfr. folhas 94 a 102-, tendo a autora apresentado uma petição inicial aperfeiçoada a folhas 103 a 106, a qual mereceu resposta dos réus, a folhas 107 a 109.

*Foi proferido o despacho saneador de folhas 114 a 117, no qual foi admitida a alteração da causa de pedir/pedido, por acordo das partes; fixado o valor à causa; foi certificada a validade e regularidade da instância; foi identificado o objecto do litígio enunciados os temas da prova e admitidos os meios de prova.

*Na data indicada teve lugar audiência final de acordo com o formalismo legal conforme resulta da respectiva ata.

*A final, proferida sentença que julgou acção parcialmente procedente por provada e consequentemente: a) Declarou a autora B… como dona e legítima proprietária dos prédios rústico e urbano, respectivamente descritos na Conservatória do Registo Predial do Marco de Canaveses com os n.ºs 1284/20060330 e 1288/20060330, melhor identificados nos pontos 1.º e 3.º dos factos provados supra; b) Condenou os réus C… e D… no reconhecimento do direito de propriedade da autora B…; c) Declarou a nulidade do acordo verbal melhor identificado nos pontos 8.º a 11.º dos factos provados supra e, consequentemente, condenou os réus C… e D… na restituição dos prédios identificados em a) supra livres de ónus e encargos e desocupados; d) Absolveu os réus C… e D… dos demais pedidos formulados pela autora.

*Não se conformando com o assim decidido vieram os Réus interpor o presente recurso concluindo as suas alegações[1] nos seguintes termos: I - O presente recurso tem por objecto a douta decisão do Tribunal da Comarca do Porto Este – Marco de Canaveses–Inst. Local–Secção Cível–J1, de 18-05-2016, que, resolvendo as questões colocadas pelas partes, decidiu julgar a presente acção parcialmente procedente por parcialmente provada e, por via disso decidiu (para além do mais, que para o presente recurso não interessa): “c) Declarar a nulidade do acordo verbal melhor identificado nos pontos nº.s 8.º a 11.º dos factos provados supra e, consequentemente, condenar os réus C… e D… na restituição dos prédios identificados em a) supra livres de ónus e encargos e desocupados”; II – Afigura-se aos Réus que o Tribunal “a quo” não fez uma judiciosa valoração da prova, uma correcta selecção da matéria de facto e não fez também uma criteriosa aplicação da Lei aos factos; III - Os Réus para obstar à procedência do pedido de restituição, invocam a existência de um contrato de arrendamento conjunto (misto) de uma parte urbana e de uma parte agrícola/rústica; IV - Os Réus lograram provar que em Setembro de 1975, por acordo verbal foi celebrado entre os pais da Autora e os Réus a cedência daqueles a estes do gozo dos bens imóveis indicados em 1.º a 3.º dos factos provados, destinados à habitação permanente dos Réus, bem como dos prédios rústicos melhor identificados nos pontos seis e sete da escritura pública referida no ponto 5.º dos factos provados, mediante a retribuição, em géneros, da divisão do cereal, “a maias”, entregando aos senhorios, todos os anos, metade do milho, feijão, batata e cebola neles produzidos (pontos 8.º a 11.º dos factos provados); V - Mais se provou que, na execução desse acordo verbal, os Réus entregaram sempre aos pais da Autora, na casa que estas habitavam com suas filhas, incluindo a Autora, enquanto aqueles foram vivos e, após o seu falecimento, às suas filhas, a metade dos produtos agrícolas produzidos nos aludidos prédios rústicos, conforme ainda sucedeu em 2015 (ponto 11.º dos factos provados); VI - Estatui o artº 1066º do CC, sob a epígrafe: «arrendamentos mistos» 1 – O arrendamento conjunto de uma parte urbana e de uma parte rústica é havido por urbano quando essa seja a vontade dos contraentes.

2 – Na dúvida, atende-se sucessivamente, ao fim principal do contrato e à renda que os contraentes tenham atribuído a cada uma delas.

3 – Na falta ou insuficiência de qualquer dos critérios referidos no número anterior o arrendamento tem-se por urbano; VII - Vemos assim, que, contrariamente ao que pode transparecer da epígrafe do artigo, e que, assim, se mostra infeliz, a lei, quando o arrendamento inclua uma parte urbana e uma parte rústica, não aceita a existência de dois arrendamentos distintos, ou de um arrendamento hibrido/misto; VIII - Antes impondo apenas a existência de um arrendamento, urbano, ou rural, que abranja as duas partes ou prédios e a cujo único regime elas terão, tendencialmente, de se sujeitar; IX - O que se compreende por virtude da simplificação do teor do negócio jurídico e da consequente facilitação da sua interpretação no que concerne, vg., à forma exigível, aos direitos e deveres das partes, às causas da sua cessação, etc; X - O critério primeiro para definir qual o jaez do arrendamento que deve prevalecer é a vontade das partes; XI - Temos assim que se a vontade das partes for no sentido de taxar o arrendamento como urbano ou como rural ele assim de ser qualificado, independentemente do fim principal (de cariz urbano ou...

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