Acórdão nº 842/11.1TVPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelMIGUEL BALDAIA DE MORAIS
Data da Resolução07 de Novembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 842/11.1TVPRT.P1 Origem: Comarca do Porto, Porto - Instância Central - 1ª Secção Cível - Juiz 6*Relator: Miguel Baldaia Morais 1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra 2º Adjunto Des. José Sousa Lameira *Sumário I- Assiste direito de regresso ao avalista que pagou a dívida titulada na livrança relativamente aos demais coavalistas do mesmo subscritor avalizado, quanto à importância que pagou a mais, através da aplicação ao caso das regras da responsabilidade solidária passiva (arts. 516º e 524º do Cód. Civil), dispensando-se consequentemente a necessidade de existência de qualquer convenção extracartular entre coavalistas, dado que a lei presume que esse acordo existe e que a responsabilidade entre eles é igualitária.

II- O acórdão uniformizador de jurisprudência, apesar de não ser dotado de força obrigatória geral, goza, implicitamente, de um efeito persuasivo.

III- Como assim, atentas as implicações neste domínio do princípio do interesse da unidade interpretativa e aplicativa do direito e do princípio do interesse na estabilidade da corrente jurisprudencial por ele firmada, deverão, pois, os tribunais aplicar a jurisprudência uniformizada, salvo se ocorrerem razões ponderosas, devidamente fundamentadas, que justifiquem a sua inobservância.

IV – Nas relações dos coavalistas entre si não há nexo cambiário, sendo a relação obrigacional entre eles existente regulada pelo direito comum.

V- O direito de regresso do coavalista sobre os demais coavalistas do mesmo avalizado, para obter destes a parte que lhes competia no direito no credor, não está sujeito ao prazo de prescrição de três anos estabelecido no art. 70º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, mas antes ao prazo de prescrição ordinária consagrado no art. 309º do Código Civil.

VI- O avalista pode exigir dos demais coavalistas do mesmo avalizado juros moratórios sobre a importância que pagou ao legítimo portador do título de crédito, mas que a eles competia, a partir do momento em que os haja interpelado para lhe restituírem o que pagou a mais.

* Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I- RELATÓRIO B…, residente na rua…, nº … no Porto, intentou a presente ação declarativa contra “C…, Lda.”, com sede na rua …, nº …, sala …, …, na Maia, D… e mulher E…, residentes na …, nº …, em Matosinhos, F… e marido G…, residentes na Travessa …, nº…, em Gondomar, H… e mulher I…, residentes na rua …, nº …, no Porto, pedindo a condenação da ré sociedade a pagar-lhe a quantia de €140.334,79, acrescida dos juros de mora, já vencidos no montante de €82.935,94, e vincendos até efetivo e integral pagamento, e a condenação dos restantes Réus a pagarem-lhe a quantia de €15.592,75 cada um, acrescida dos juros de mora, já vencidos no montante de €9.215,10, e vincendos até efetivo e integral pagamento.

Alegou, para o efeito e em síntese, que a sociedade Ré “C…, Lda.” contraiu um empréstimo junto do “Banco J…, S.A.”, tendo a Autora, os demais Réus, K… e L… avalizado uma livrança caução, para garantia daquele empréstimo, subscrita pela referida sociedade Ré, emitida em 15/05/1995 e vencida em 31/07/1997, no valor de Esc.24.801.461$00 (€123.709,17).

Mais alega que tal livrança não foi objeto de pagamento, pelo que o “Banco J…, S.A.” instaurou a competente ação executiva contra todos os avalistas da aludida livrança, no âmbito da qual a Autora procedeu ao pagamento integral da mesma (capital e juros), no montante global de 28.134.600$00 (€140.334,79).

Alega, por último, que, apesar de interpelados para o efeito, nem a subscritora da livrança, a sociedade Ré, nem os seus coavalistas, os demais Réus, procederam ao pagamento à Autora da quota-parte da sua responsabilidade enquanto coavalistas da livrança.

A Ré “C…, Lda.” foi citada editalmente, permanecendo na situação de revelia absoluta, pelo que foi citado o Ministério Público em sua representação, que não apresentou contestação.

Os Réus G…, F…, H… e I… apresentaram contestação conjunta, na qual alegam inexistir qualquer tipo de relação entre avalistas, quer internas, quer estranhas ao título cambiário, sendo que nenhum direito de regresso cabe a um avalista do subscritor de uma livrança que a pague relativamente aos outros coavalistas; mas, ainda que a Autora tivesse sido titular de um crédito, o seu direito de ação encontra-se há muito prescrito nos termos dos artigos 70º e 78º da LULL.

Por seu turno, os Réus D… e E… contestaram, invocando as exceções perentórias do pagamento e da prescrição.

A Autora respondeu às contestações, pugnando pela improcedência das exceções deduzidas e concluindo como na petição inicial.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento com a observância das formalidades legais.

Foi proferida sentença na qual se decidiu julgar “a presente ação procedente e, em consequência: a) condenar a Ré “C…, Lda.” a pagar à Autora B… a quantia de €140.334,79 (cento e quarenta mil trezentos e trinta e quatro euros e setenta e nove cêntimos), acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a data do pagamento da livrança por parte da Autora, já vencidos no montante de €82.935,94 (oitenta e dois mil novecentos e trinta e cinco euros e noventa e quatro cêntimos), e vincendos até efetivo e integral pagamento; b) Condenar cada um dos Réus D… e mulher E…, F… e marido G…, e H… e mulher I… a pagar à Autora B… a quantia de €15.592,75 (quinze mil quinhentos e noventa e dois euros e setenta e cinco cêntimos), acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a data do pagamento da livrança por parte da Autora, já vencidos no montante de €9.215,10 (nove mil duzentos e quinze euros e dez cêntimos), e vincendos até efetivo e integral pagamento”.

*Não se conformando com o assim decidido vieram os réus interpor os presentes recursos, que foram admitidos como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Com o requerimento de interposição do recurso, os réus G…, F…, H… e I… apresentaram alegações, formulando, a final, as seguintes CONCLUSÕES: 1 – No item 4 da Fundamentação de facto, como noutros locais, consta que o contrato promessa foi celebrado em 15/02/1995 pelos Réus e por outras pessoas.

2 – Porém, e apesar de no item 24 constar que o Réu D… não assinou o contrato aludido em 4, em nenhum local consta que as Rés, recorrentes, F… e I…, também não assinaram, como não celebraram o referido contrato.

3 – Trata-se de um erro manifesto de cálculo ou escrita que deve em consequência ser retificado no sentido de fazer constar no item 24 que as Rés F… e I… também não assinaram o contrato aludido em 4.

4 – A Autora pediu a condenação dos Réus no pagamento da quantia e juros da livrança de que fora também avalista com o fundamento de que foi ela que pagou a totalidade do valor da livrança, e tal foi dado como provado na virtual presunção de ser dela o dinheiro da conta bancária donde foram sacados os cheques por ela subscritos.

5 - Numa certidão junta por ela Autora no requerimento de apresentação das provas consta também um requerimento recibo de quitação, subscrito pelo Banco J… onde é declarado e se comprova que afinal o valor da livrança foi pago não só por ela Autora mas conjuntamente também pela sua Mãe K… e pelo irmão L….

6 - De resto a fls. 443 e 444 dos Autos consta também a informação prestada pelo Banco J…, como se refere na motivação da prova, que o montante da Livrança foi pago pela Autora, por sua Mãe e irmão.

7 - Não pode pois ser declarado provado ter sido a Autora que pagou a totalidade da dívida ao Banco, nem se sabe quanto foi pago por ela, e, consequentemente não podem os Réus ser condenados, por isso, a devolver ou pagar à Autora seja o que for.

8 - Mesmo que a Autora fosse titular de um crédito, no sentido de gozar do direito de regresso sobre os outros avalistas, o que não se concede, esse crédito cambiário estaria prescrito, uma vez que prescreveram as obrigações dos avalistas dos subscritores da livrança no prazo dos três anos a contar do vencimento, prazo que ocorreu em 1997 e os Réus só em 2011 foram interpelados pela Autora para procederem à devolução desejada (Art. 70º e 78º da L.U.L.L.).

9 – A Senhora Juíza porém considerou que no caso o prazo de prescrição seria o ordinário de vinte anos, invocando como fundamento que uma vez existir o A.U.J. nº 7/2012 que consignou haver direito de regresso entre avalistas do mesmo avalizado, o qual segue o regime prescrito para as obrigações solidárias, 10 – Acabou por tomar a parte pelo todo, isto é, o direito de regresso do aval pelo regime legal do mesmo aval.

11 – É que o A.U.J. não fez desaparecer ou revogar o aval no seu regime e a prescrição de três anos está prevista expressamente no regime legal do aval.

12 – Quanto a isso não há lacuna na lei a carecer de integração por recurso à analogia.

13 – A sociedade subscritora gozava também do direito de invocar a prescrição de três anos e é óbvio que por aquele argumento do A.U.J. não podia ser-lhe negada essa extinção por prescrição, pois a subscritora nada tem a ver com o direito de regresso entre os avalistas.

14 – Assim, pelo decidido pela Senhora Juíza podia ter-se criado uma situação caricata, contraditória e, obviamente ilegal, que seria ver-se reconhecida a prescrição a favor da subscritora e não ser reconhecida a prescrição a favor dos avalistas quando as obrigações destes até são acessórias daquela subscritora.

Deve pois ser reconhecido estar prescrito o direito de ação peticionado (C.F.R. Assento do S.T.J. N.º 5/95 de 28/03/1995, in D.R. 1ª série de 20/05/1995; Acórdão da Relação do Porto de 28/05/2009, in http://WWWW.DGSI.PT/JRP.NSF10/73; Acórdão do S.T.J. de 09/09/2008 – Proc. -08A1999).

15 – Os apelantes continuam a sustentar não existirem razões legais para o reconhecimento do direito de regresso entre avalistas como tais. O A.U.J. entretanto publicado vencendo não nos parece convencer: 16 – Em primeiro lugar só se justifica e é legítimo recorrer-se à integração da lei por analogia na presença de uma lacuna ou omissão de regime que exija regulamentação.

17 – E é...

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