Acórdão nº 1264/15.0T8GDM.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA CEC
Data da Resolução08 de Novembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 1264/15.0T8GDM Tribunal Judicial da Comarca do Porto Gondomar, instância local, secção cível, J3 Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório B…, residente …, …., ….-… Gondomar, demandou, na presente ação de processo comum, C…, residente …, …., ….-… Gondomar, pedindo a resolução do contrato de arrendamento e o decretamento do despejo imediato da ré do locado, correspondente ao 1.º andar do prédio onde reside, com a sua entrega livre de pessoas e bens, com fundamento em incumprimento grave dos deveres de arrendatária.

Alegou, em síntese, que a ré impediu o seu acesso ao logradouro, o qual era por si utilizado, nele mantendo o cão e colocando a viatura dentro de um anexo de sua pertença, para o que arrombou a fechadura. Restituído à sua posse por via de procedimento cautelar que instaurou, com inversão do contencioso, pouco depois voltou a ré a usar aqueles espaços como se seus fossem, injuriando-o e tentando agredi-lo, comportamentos que constituem justa causa de resolução do contrato de arrendamento.

A ré contestou, impugnando parcialmente a matéria de facto alegada pelo autor. Deduziu reconvenção, invocando ter executado obras urgentes no locado no valor de €15.000, que reclama do autor.

Atribuindo-lhe litigância de má-fé, pediu a sua condenação em multa e indemnização em montante não inferior a €1.500,00.

O autor respondeu ao pedido reconvencional e ao pedido de condenação como litigante de má-fé, pugnando pela sua absolvição e pela condenação da ré como litigante de má fé.

A ré replicou, procurando afastar a litigância de má-fé.

Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, decido: a) julgar procedente a presente ação e, por via dela, declarar resolvido o arrendamento existente entre autor e ré, condenando a ré a entregar ao autor o locado supra identificado devoluto de pessoas e bens; b) julgar improcedente o pedido reconvencional; c) absolver ambas as partes dos pedidos de condenação como litigantes de má-fé; d) condenar a ré/reconvinte nas custas do processo, sem prejuízo do apoio judiciário».

Inconformada, a ré interpôs recurso da decisão, admitido como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

Rematou a sua alegação com as subsequentes conclusões: «1.ª O Tribunal a quo fez uma errada interpretação da situação factual apresentada tanto pelo Autor como pela Ré.

  1. Igualmente aquele Tribunal fez uma incorrecta interpretação jurídica ao caso aplicável.

  2. Os atos identificados sobre o comportamento da Ré e do seu filho referem-se a atitudes de indignação sobre a atitude do Autor pretender ultrapassar o determinado na, aliás douta, sentença proferida nos autos do processo cautelar de Restituição da Posse e não passaram disso mesmo.

  3. Os factos dados como provados não se enquadram nas exigências legais impostas pelo disposto no art.º 1083.º do Código Civil para justificarem a resolução do contrato de arrendamento.

  4. Os motivos previstos no referido art.º 1083.º do Código Civil são os que têm a haver com o decurso da vigência normal do contrato de arrendamento, mas os motivos que foram dados como provados têm a haver única e exclusivamente com uma situação meramente pontual, esporádica de desentendimento e reação espontânea da arrendatária que discute indignada com o senhorio porque este obteve uma sentença que lhe confere o direito de tomada de posse do logradouro do prédio e o mesmo pretende tomar posse do identificado logradouro e incluir no mesmo um quintal com a área de 150 m2 que faz parte do arrendado e que não está incluído na sentença do procedimento cautelar, situação com a qual a Ré não se conforma.

  5. A Ré, na sua contestação alegou, nomeadamente, que o contrato de arrendamento celebrado em 1 de Abril de 1972 contemplava como fazendo parte integrante do arrendado a habitação sita no 1.º Andar do prédio, o logradouro sito no Rés-do-Chão do mesmo que é comum às duas habitações, bem como a metade esquerda do quintal, na direcção de quem entra no prédio e olha em frente, sito nas traseiras deste, correspondente a uma parcela de terreno com cerca de 150 metros, que está separada de outra parcela de terreno, por um passeio em cimento.

  6. Situação que sempre existiu e funcionou pacificamente desde tal data e foi a situação que o Autor encontrou quando em Janeiro de 2014 chegou ao prédio e que no logradouro havia um anexo/barracão construído pela primitiva senhoria para a Ré guardar o seu automóvel.

  7. Que a Ré sempre granjeou a metade esquerda do quintal, onde semeava, plantava e colhia hortaliças, batatas e diversos para sua utilização pessoal, e no qual existia um pequeno anexo onde a Ré guardava vários utensílios e ferramentas.

  8. Que naqueles espaços, do logradouro e quintal, a Ré desde sempre teve um cão.

  9. Situação que o Autor bem conhece, desde sempre, tanto mais que vive no prédio confinante a sul do prédio em questão, que, por isso, não corresponde à verdade que o Autor após a aquisição do prédio tenha tomado posse efectiva do mesmo, que ocupou o logradouro do Rés-do-Chão do Prédio, que tenha praticado actos materiais no logradouro.

  10. O Rés-do-Chão do prédio foi ocupado por um suposto arrendatário, em Abril de 2014, tendo este encontrado a situação de utilização do ajuizado logradouro e quintal nas condições referidas.

  11. O Autor intentou contra a Ré o Procedimento Cautelar de Restituição Provisória de Posse, que correu termos pelo 3.º Juízo Cível do Tribunal de Gondomar, com o n.º 1940/14.5TBGDM, alegando impossibilidade de uso e fruição do logradouro na sua plenitude e esbulho violento perpetrado pela Ré.

  12. Por decisão de 20 de Agosto de 2014, tal procedimento cautelar foi julgado procedente e provado, tendo determinado que a ora Ré removesse o cadeado colocado no portão de acesso ao referido logradouro, bem como o referido veículo automóvel, o canídeo e demais materiais colocados nesse mesmo logradouro.

  13. Ou seja, o Procedimento Cautelar nada decidiu sobre o quintal pertencente ao arrendado.

  14. O Procedimento Cautelar foi julgado sem a audição da Ré e no mesmo foi decretada a inversão do contencioso, nos termos do disposto no art.º 371.º, do Código de Processo Civil.

  15. Face à decisão naquele processo, o Autor efectuou no local, acompanhado de Agente de Execução, várias diligências para fazer cumprir o decidido naquele procedimento cautelar.

  16. A Ré não intentou a competente acção judicial contra o novo senhorio, aqui Autor, porquanto logo que foi interpelada no local pelo Agente de Execução que pretendia executar a decisão, iniciou um diálogo sério com o representante do Autor no sentido de esclarecer o que se estava a passar e para que o Autor repensasse o assunto porque a Ré tinha razão e não foi ouvida no tribunal.

  17. Que não assiste ao Autor o invocado direito de resolução do Contrato de arrendamento.

  18. Porquanto, ao contrário do que o Autor alega, os factos invocados não se enquadram no disposto nas várias alíneas do art.º 1083.º, n.º 2 do Código Civil.

    20.º O que o Autor deverá fazer será certamente requerer a execução da sentença nos seus termos, proferida nos autos de Processo Cautelar de Restituição Provisória de Posse referente àquele logradouro.

  19. Em vez disso, o Autor optou por intentar uma acção de despejo com o intuito de afrontar a Ré e com a intenção de que esta lhe entregue a habitação deixando-lhe assim a possibilidade de ter a casa livre e arrendá-la com renda de valores actuais.

  20. O Tribunal recorrido não respondeu ao artigo 3.º da contestação, ou a qualquer outro facto alegado pela Ré, com vista a pôr em causa a decisão judicial já proferida e transitada em julgado com inversão do contencioso no âmbito do processo 1940/14.5, que correu termos no 3.º Juízo Cível do Tribunal de Gondomar, alegadamente por estarmos em presença de caso julgado.

  21. Mas a verdade é que o pedido e a decisão do referido processo Cautelar de Restituição de Posse referem um logradouro e a Ré na sua Contestação invoca um quintal.

  22. Pelo que os factos invocados pela Ré na sua Contestação deveriam ter sido analisados pelo Tribunal recorrido.

  23. Consequentemente, a douta Decisão Recorrida violou, nomeadamente, o disposto nos artigos 607.º do Código de Processo Civil, bem como do referido no artigo 1083.º do Código Civil.

  24. Devendo, por isso, ser a Sentença anulada, ordenando-se a tramitação processual adequada de forma a que o Tribunal Recorrido atenda ao alegado pela Ré na sua contestação seguindo-se os ulteriores termos processuais.

    Termos em que e nos demais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta Sentença Recorrida (…).».

    Respondendo, o autor defendeu que a sentença não padece de quaisquer vícios, mormente dos apontados pela recorrente, devendo, por isso, ser mantida na íntegra.

    1. Delimitação do objeto do recurso Sendo a matéria recursiva limitada às questões levantadas nas conclusões da alegação (artigo 635º do Código de Processo Civil[1]), impõe-se a apreciação do dissentimento da recorrente quanto à decisão da matéria de facto e à decretada resolução do contrato de arrendamento.

    2. Fundamentação de facto A) O autor é dono e legítimo proprietário do prédio urbano, sito na Estrada …, n.º …, composto por casa de rés-do-chão e andar, descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º 6907, da freguesia de … e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 15393 da União das Freguesias de …, … e …, que corresponde ao artigo 7736, da extinta freguesia de … (artigo 1.º da petição inicial – matéria não impugnada).

      1. O autor adquiriu a propriedade do prédio em 27 de Dezembro de 2013, por compra e venda, titulada por escritura (artigo 2.º da petição inicial – matéria não impugnada).

      2. O 1.º andar do prédio encontra-se arrendado para habitação, à ré C…, por efeito de transmissão do arrendamento, por morte do primitivo arrendatário D…, cujo contrato foi celebrado em 01/04/1972, com o anterior proprietário E… (artigo 3.º da petição...

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