Acórdão nº 982/14.5T8PRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelFILIPE CARO
Data da Resolução24 de Novembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 982/14.5T8PRT.P1 (apelações) Comarca do Porto Póvoa de Varzim - Inst. Central - 2ª Secção Cível Relator: Filipe Caroço Adj. Desemb. Judite Pires Adj. Desemb. Aristides de Almeida Acordam no Tribunal da Relação do Porto I.[1] B…, LDA., com sede na Av. …, n.º …., loja ., …, Matosinhos, pessoa coletiva nº ………, instaurou ação declarativa comum contra C…, LDA., com sede na Avenida …, nº …., .º, freguesia de …, Porto, pessoa coletiva nº ………, alegando essencialmente que a R. propôs contra si uma ação judicial reivindicativa do direito de propriedade de um determinado prédio urbano, ação essa que foi levada a registo no dia 25.9.2008, a aqui A. foi citada, como interveniente principal, no dia 19.6.2009, e a respetiva sentença transitou em julgado no mês de abril de 2013.

Enquanto a ação esteve pendente, dada a oneração com o registo da ação, ninguém arriscava adquirir o prédio; por isso a A. (ali ré) suspendeu a promoção de venda do mesmo ou qualquer ato de licenciamento camarário para o industrializar. Assim, durante 4 anos, 7 meses e 28 dias, a A. esteve impossibilitada de obter qualquer proveito do imóvel, o qual, por seu turno, sofreu uma depreciação para o valor de € 1.558.200, pelo que, se o tivesse adquirido apenas em maio de 2013, a A. pagaria menos € 341.800,00.

O valor que investiu para o pagamento do preço, em 1 de agosto de 2008, estava depositado a prazo, em entidade bancária, gerando juros à taxa de 5% ao ano. Nesse período de 4 anos, 7 meses e 28 dias, caso se mantivesse nesse depósito a prazo, a A. teria obtido a quantia de € 442.726,03, a título de juros e não teria suportado os valores respeitantes a IMI durante o referido período, no valor anual de € 801,12, sendo que, como não procedeu à revenda do imóvel, perdeu a isenção de pagamento de IMI que lhe havia sido conferida pelo período de 3 anos. Assim, por aquele período, foi devido a título de IMI o montante de € 3.733,44.

Teve, por tudo, um prejuízo de € 787.463,47, causado pela R. através da propositura daquela ação contra D…, SA, onde a A. foi chamada a intervir a título de interveniente principal, ao lado da ali ré, ação que foi julgada improcedente.

Naquela ação, a autora (aqui R.) alegou haver celebrado, a 2 de agosto de 2001, na qualidade de promitente-compradora, com D…, S.A., na qualidade de promitente-vendedora, um contrato-promessa de compra e venda que tinha por objeto, além do mais, o referido imóvel. Qualificando tal contrato como meio translativo da posse do bem em causa, concluiu a autora que o possuía, ininterruptamente, por um período de 7 anos (desde 2 de agosto 2001 a 4 de setembro de 2008 — data da apresentação da petição inicial em Juízo) e que a sua posse deveria ver-se acrescida da posse da sua antecessora (D…), de tal modo que, apoiando-se no instituto da acessão na posse, à data da apresentação da ação em Juízo, a posse por si exercida no imóvel contabilizava 73 anos, pelo que o adquirira por usucapião.

Na sequência do chamamento da aqui A. àquela ação, em 9.5.2009, foi alterado o pedido primitivo em consonância com a alteração subjetiva da instância, tendo então a aqui A., a 8 de setembro de 2009, apresentado contestação-reconvenção aos factos constantes da petição inicial, concluindo, nesta última, pelo pedido de condenação da ora R. (ali autora) no reconhecimento da aqui A. (ali ré) como legítima proprietária do mesmo imóvel.

Com data de 19 de abril de 2011, foi proferido despacho saneador/sentença que conheceu do mérito da causa, julgando a ação improcedente e absolvendo a R. do pedido da ação; porém os autos prosseguiram para oportuna apreciação do pedido reconvencional ali deduzido pela aqui A.

Daquela decisão foi interposto recurso pela ora R. para o Tribunal da Relação e depois para o STJ, tendo havido confirmação a decisão tanto na 2ª instância como na revista.

A 5 de dezembro de 2012 a ali autora (aqui R.) pôs termo à reconvenção por confissão dos factos que sustentaram o respetivo pedido da aqui A., reconhecendo-a como a legítima proprietária do imóvel.

Considera a A. que a pretensão que a R. deduziu naquela ação era, do ponto de vista jurídico, manifestamente inviável, e que sabia bem disso no momento em que a instaurou. Peticionou o reconhecimento do direito de propriedade sobre o imóvel, por via da usucapião, com base, por um lado, na posse do mesmo desde a data da celebração do contrato-promessa e por motivo da celebração desse contrato e, por outro lado, com base na acessão na posse da anterior proprietária do imóvel, mas quer um fundamento quer outro são desadequados face à matéria factual carreada para os autos. Daí que esteja agora em causa um caso de ilícita perturbação do direito de propriedade da A. sobre o imóvel, que incidiu, em especial, na dimensão económica do seu direito de propriedade que se concretizou na desvalorização do imóvel e, concomitantemente, afetou as faculdades de fruição e disposição que caracterizam o núcleo deste direito. Tal perturbação, porquanto ilícita, gerou na esfera jurídica da R. a obrigação de indemnizar a A. com base em sede de responsabilidade civil extracontratual.

A A. fez culminar o seu articulado com o seguinte pedido: «Termos em que Se requer V. Exc.a se digne julgar a presente ação integralmente procedente por provada e, em consequência, condenar a Ré no pagamento à Autora de uma indemnização no montante de € 787.463,47 (setecentos e oitenta e sete mil quatrocentos e sessenta e três euros e quarenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora contados desde a citação até efetivo e integral pagamento (…)» (sic).

Citada, a R. contestou a ação defendendo a respetiva improcedência, para o que alegou essencialmente que usou da referida ação no exercício de um direito de ação, para tutela legítima dos seus direitos e interesses, numa atuação congruente e conforme ao agir de boa-fé.

Disse que havia pago à D…, S.A. a totalidade do preço acordado entre ambas para a compra e venda dos três prédios objeto do contrato-promessa, entre os quais o que então se discutia e, na mesma data, 2 de agosto de 2001, a promitente-vendedora entregara-lhe aqueles imóveis, tendo entrado (ou, pelo menos, na altura, tendo considerado entrar) na posse dos mesmos. A cláusula 5.ª do contrato-promessa celebrado estipulava expressamente que “a entrega dos imóveis pela Promitente Vendedora à Promitente Compradora é feita na presente data, entrando a Promitente Compradora, nesta data, na posse dos mesmos”.

A D… e a aqui R. concluíram que a realização da escritura pública de compra e venda dos prédios, para cuja formalização não foi fixado prazo, não seria mais do que uma formalidade confirmativa do negócio já realizado e cujos efeitos corporizaram, na prática, os efeitos que adviriam do contrato definitivo.

Concomitantemente com a celebração do contrato-promessa de compra e venda dos 3 (três) prédios, a D… outorgou uma procuração irrevogável, através da qual concedeu poderes especiais à aqui R. para proceder à sua venda, concedendo-lhe ainda poderes para celebração de negócios consigo mesma.

Desde 2 de agosto de 2001 que a ora R. considerou ter exercido ininterruptamente, de forma pública e sem oposição, todos os poderes de administração sobre aqueles bens, passando a responder pelos encargos e demais responsabilidades indispensáveis à administração dos mesmos, como se tivesse sido já investida na qualidade de proprietária.

A Ré assumiu ainda a responsabilidade pelo cumprimento das obrigações fiscais incidentes sobre os três prédios até ao final do ano de 2006 e, no exercício dos seus poderes de facto sobre os mesmos, decidiu recorrer aos meios judiciais adequados à efetivação e ao regular exercício do direito de propriedade que entendia assistir-lhe.

Fez notar que, não obstante a D… ter recebido o preço integral pela venda dos imóveis sitos em Matosinhos, no qual se integra o imóvel dos autos, não se inibiu nem hesitou em constituir sobre os mesmos hipotecas voluntárias para garantia do pagamento de dívidas suas e de terceiras entidades, tendo sido neste contexto que, para evitar a dissipação pela D…. dos bens prometidos vender, requereu e logrou obter a procedência de um procedimento cautelar de arrolamento dos prédios em apreço e, como ação principal do indicado arrolamento, que correu por apenso àquele, instaurou ação de execução específica do contrato-promessa de compra e venda celebrado com a D….

A ação de execução específica foi, no entanto, julgada improcedente, na medida em que o Tribunal entendeu que, na ausência de incumprimento por parte da D... quanto ao estipulado no contrato-promessa de compra e venda, não se encontravam reunidos os pressupostos para decretar a execução específica daquele contrato.

Daí que a R., confrontada com i) a recusa de renovação do registo de aquisição provisória dos três prédios sitos em Matosinhos a seu favor, ii) o facto de ter procedido ao pagamento do preço integral pela venda dos referidos imóveis, detendo desde há muito o controlo material dos mesmos, iii) a constituição e registo de hipotecas voluntárias por parte da D… sobre prédios que sabia não lhe pertencerem, para garantia do pagamento de dívidas suas e de terceiras entidades, (iv) a constituição e registo de encargos sobre os indicados prédios (penhoras) aos quais a D… não reagiu e (v) a improcedência da ação de execução específica acima indicada, lançou mão da ação declarativa de condenação que correu termos no 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Matosinhos sob o n.º 5978/08.3TBMTS, na qual peticionou o reconhecimento e aquisição do direito de propriedade, livre de ónus e encargos, por via de usucapião com recurso ao instituto da acessão na posse, dos 3 (três) prédios ali em questão.

Com a instauração da referida ação judicial, a R. não pretendeu pôr em causa a posição jurídica de proprietária da A. sobre o aludido imóvel, abalando, assim a segurança jurídica da posição em que aquela entendia estar investida. Pretendeu antes reagir à dissipação pela D… dos bens...

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