Acórdão nº 952/14.3TAMAI.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelMANUEL SOARES
Data da Resolução09 de Novembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 952/14.3TAMAI Comarca do Porto, Tribunal da Maia Instância Local, Secção Criminal, J1 Acórdão, decidido em Conferência 1. Relatório 1.1. Decisão recorrida Por sentença proferida em 14DEZ2015 foi a arguida B… condenada na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 7 euros, por um crime de denúncia caluniosa, previsto no artigo 365º nº 2 do Código Penal (CP), na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de 7 euros, e por um crime de difamação agravada, previsto nos artigos 181º nº 1 e 184º, por referência ao artigo 132º nº 2 al. l), todos do CP. Em cúmulo foi condenada na pena única de 190 dias de multa, à taxa diária de 7 euros.

1.2. Recurso A arguida interpôs recurso dessa decisão, invocando nulidades, erros de julgamento da matéria de facto e erros na interpretação e aplicação da lei. Em suma invocou o seguinte: - Nulidade da acusação, por violação do disposto no artigo 283º nº 3 al. b) do Código de Processo Penal[1]: da acusação não se extraem os factos necessários para integrar os crimes imputados pelo Ministério Público à arguida. A remissão para o conteúdo de uma carta muito extensa, que no seu todo não é ofensiva, não cumpre o requisito da narração dos factos relevantes para a incriminação nem permite à arguida o exercício efectivo dos seus direitos de defesa, em violação da regra do artigo 32º da Constituição.

- Falsidade e adulteração da prova: foram apagados 39m16s do ficheiro informático que contém o registo áudio do depoimento do assistente em julgamento, que assim deve ser declarado falso nos termos do artigo 170º.

- Nulidade processual por violação do disposto no artigo 363º: não se encontra registada parte do depoimento do assistente. A arguição deste vício não é intempestiva, nos termos da jurisprudência fixada no acórdão do STJ nº 13/14, porque não se tratou de omissão ou deficiência do registo da prova mas sim do seu apagamento posterior e porque tal entendimento violaria os princípios constitucionais do processo justo e do direito a uma defesa cabal.

- Nulidade da sentença, prevista no artigo 379º nº 1 als. a) e c), por violação do disposto no artigo 374º nº 2: a sentença é omissa quanto aos factos integradores dos crimes pelos quais a arguida foi condenada, limitando-se a remeter nos factos provados para a mesma carta referida na acusação. Não se pronunciou também sobre factos relevantes alegados pela arguida na contestação. E igualmente deu como provados factos de conteúdo controversos, duvidoso e contraditório, ao considerar demonstrada uma realidade “ou” outra em alternativa.

- Erro de julgamento da matéria de facto: a sentença deu como provado um quadro factual diferente daquele que resulta da boa análise da prova, a qual deveria levar, isso sim, a que se tivesse provado o que a arguida alegou na contestação.

- Erro na interpretação e aplicação do direito: os factos provados não permitem concluir que a arguida praticou os crimes pelos quais foi condenada.

1.3. Resposta do Ministério Público O Ministério Público respondeu ao recurso, manifestando-se no sentido da sua improcedência e da confirmação da decisão recorrida. Essencialmente alegou o seguinte: - A nulidade prevista no artigo 363º, que reconhece ter ocorrido, dado que uma parte do depoimento do assistente não está registada, está sanada e não pode ser objecto de recurso, conforme a jurisprudência fixada no acórdão do STJ nº 13/14.

- Não ocorreu falsificação de acto processual, uma vez que não há fundamento para concluir que a parte do depoimento do assistente em falta foi propositadamente apagada.

- A nulidade da acusação foi arguida em instrução e julgamento e desatendida no despacho de pronúncia e na sentença condenatória, em termos que merecem acolhimento.

- A sentença não está viciada por nenhuma das nulidades arguidas e cumpriu adequadamente os requisitos do artigo 374º.

- O tribunal não errou no julgamento da matéria de facto. De todo o modo, a recorrente não deu comprimento aos requisitos do artigo 412º nºs 3 e 4, pois considerou mal julgados praticamente todos os factos provados e não especificou as provas que impunham decisão diversa. A recorrente pretende apenas que os factos sejam sujeitos a um novo julgamento na fase de recurso e que se dêem como provadas as circunstâncias em que se deu o acidente de viação que originou este diferente, mas que são totalmente irrelevantes para a matéria em discussão.

1.4. Parecer do Ministério Público na Relação Nesta Relação o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, aderindo ao que foi considerado na sentença e também à argumentação apresentada na resposta ao recurso.

  1. Questões a decidir A questão da omissão parcial do registo da prova, configurada no recurso como falsificação de acto processual e como nulidade processual, já foi decidida por despacho judicial transitado em julgado.

    Na verdade, para além da interposição do recurso, a arguida tinha apresentado um requerimento interlocutório invocando exactamente os mesmos vícios. Antes de expedir o processo para esta Relação, a Sra. Juiz proferiu o despacho de fls. 604, tendo indeferido a arguição da falsidade e da nulidade. Este despacho foi notificado aos sujeitos processuais e dele não foi interposto recurso. A questão mostra-se assim decidida, pelo que nesta parte a necessidade de apreciação do recurso ficou prejudicada.

    Restam assim para apreciar as seguintes questões: - A acusação é nula por violação do dever de narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ou medida de segurança? E na afirmativa, quais as consequências desse vício nesta fase processual? - A sentença é nula, por violação do dever de conter a enumeração e fundamentação dos factos provados e não provados e por o tribunal ter deixado de se pronunciar sobre questões que devia apreciar? - A matéria de facto provada na sentença foi correctamente julgada? - Os factos provados integram os crimes de denúncia caluniosa e de difamação agravada imputados na acusação? As questões enunciadas deverão ser vistas pela ordem lógica indicada, mas naturalmente apenas na medida em que a sua apreciação não ficar prejudicada pelo julgamento da anterior.

  2. Fundamentação 3.1. Matéria de facto provada na sentença (transcrição) 1 – Factos Provados: Discutida a causa resultaram provados, da acusação e da contestação, os seguintes factos: 1º - No dia 07 de Maio de 2009, o ofendido C…, soldado da Guarda Nacional Republicana, no exercício das suas funções e devidamente fardado, deslocou-se à Rua …, Maia e ali elaborou a participação n.º 211/09 referente a um acidente de viação onde foi interveniente o veículo de matrícula ..-..-XT conduzido pela arguida B… e uma máquina retroescavadora pertencente à empresa “ D…, S.A”, como resulta do documento junto aos autos a fls. 130 a 131, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido; 2º - Em 17 de Maio de 2009, a arguida discordando do teor da participação elaborada pelo ofendido C… apresentou no Posto da GNR da Maia uma reclamação no livro de reclamações por si escrita e assinada referente à participação do acidente de viação acima aludida, como resulta do documento junto aos autos a fls. 123, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido; 3º - No dia 11.07.2009 a arguida remeteu ao Ministério da Administração Interna, Guarda Nacional Republicana, ao cuidado do Comandante Geral uma carta por si elaborada e assinada cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 124 a fls. 129, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido; 4º - Por força das afirmações proferidas pela arguida na aludida missiva foi instaurado nestes serviços do M.P. da Maia o inquérito n.º 1735/09.8TAMAI onde foi formulada acusação pública contra a arguida imputando-lhe a prática de um crime de difamação agravada, p.p. nos termos dos artigos 180.º e 184.º do C.Penal; 5º - Por sentença proferida em 28.06.2011, transitada em julgado em 27.02.2012, foi a ora arguida condenada na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 10 euros, pela prática do crime de difamação agravada, tendo a aludida multa sido declarada extinta, por pagamento, em 15.06.2012; 6º - No dia 07 de Fevereiro de 2014, a arguida remeteu ou mandou remeter, à Inspecção Geral da Administração Interna, ao cuidado da Inspectora-Geral, Juíza Desembargadora Dr.ª E…, uma carta elaborada por si e ou com o seu total conhecimento e participação activa e por si assinada, a qual foi recebida pela aludida entidade, nela ainda se fazendo constar que foi dado conhecimento da mesma ao Provedor de Justiça, onde se diz: “A minha determinação para que fosse feita justiça sobre o procedimento desconforme de um Militar da GNR, do Posto Territorial da Maia na elaboração de uma Participação de Acidentes de Viação, na sequência de um acidente de viação, em sete de Maio de 2009, levou-me a comunicar o mesmo aos Comandos da GNR (Comandantes Geral e Operacional). Surpreendentemente, apesar de nunca ter sido escutada nem me ter sido solicitado qualquer depoimento, foi-me movido pelo militar uma queixa por difamação. Numa clara prova de que o que escrevi estava completamente enquadrado com a verdade, no julgamento que decorreu no Tribunal da Maia, o Militar, as suas testemunhas e os factos por mim relatados e pelas testemunhas por apresentadas vieram a provar que em toda a intervenção da Patrulha da GNR foram praticadas todas as desconformidades e ilícitos por mim relatados.

    Depois de receber o Acórdão do Tribunal de Paredes, sobre um processo judicial (do qual fui ilibada de todas as acusações) em que um colega médico me acusava de o ter difamado em vários órgãos de comunicação, aos quais descrevi o meu desagrado relativo às suas práticas desviantes da ética, da humanidade e da Lei, constatei que na página 10 parágrafo 45 do referido Acórdão há uma referência ao meu Registo Criminal, em que está inscrito "e foi anteriormente condenada pela prática de um crime de difamação agravada...". Perante o facto percebi que tal condenação tem por base...

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