Acórdão nº 173/14.5GBAND.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução09 de Novembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

processo nº173/14.5GBAND.P1 Acórdão, deliberado em conferência, na 2º secção criminal do Tribunal da Relação do Porto*I. B… veio interpor recurso da sentença proferida no processo comum nº173/14.5GBAND da instância local, secção de competência genérica – J1, Anadia, Tribunal da Comarca de Aveiro, que o condenou pela prática de um crime de violência doméstica, nos termos do artigo 152º, nº1, alínea b), e nº2, do Código Penal, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período com a obrigação de entregar, em 3 meses, à APACCDM de … a quantia de € 1.000,00, e nas penas acessórias de proibição de contacto com C… e de uso e porte de arma pelo mesmo período referido.

*I.1. Sentença recorrida (transcrição dos segmentos com interesse para a apreciação do recurso).

SENTENÇAI – RELATÓRIO Nos presentes autos de processo, tramitados sob a forma de processo comum e perante tribunal singular, o Ministério acusou B… (…) imputando-lhe a autoria dos factos constantes da acusação de fls. 149 a 152 e acusando-o da prática de 1 (um) de violência doméstica, p. e p. pelo disposto no art.152.º n.º1 alínea a), ns.º2.

*O tribunal procedeu à comunicação da alteração do enquadramento jurídico nos termos do artigo 358.º, n.º 3 do CPP, no sentido de poder vir a ser aplicadas as penas acessórias previstas nos n.ºs 4 e 5 do Código Penal.

*II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A - FACTOS PROVADOS Com relevância para a decisão da causa, finda a produção de prova encontram-se provados os seguintes factos: 1. Tendo iniciado vida em comum com C…, a partir de Dezembro de 2012, no domicílio desta, em …, …, volvidos apenas 3 ou 4 meses, começou a exteriorizar verbalmente ciúmes doentios, altura em que lhe começou a referir que andava metida com os homens todos, de ter com eles relações sexuais dentro das viaturas, de estar sempre a olhar para os outros homens, apelidando-a simultaneamente de puta.

  1. O arguido chegou a abandonar a relação, regressando à Suíça, após o que a ofendida lhe telefonou, pedindo-lhe que regressasse, o que este fez, em Abril de 2013.

  2. Volvidas algumas semanas, para além de manter o mesmo comportamento referido, foi ainda referindo à C… que a mesma passava a vida a insinuar-se a todos os outros homens e que a mesma chegava a manter relações sexuais com respectivo filho mais novo, D…, expressões essas que passou até a proferir na presença do próprio D…, assim pretendendo humilha-los a ambos.

  3. O arguido também costumava, quando a ofendida C… estava ausente no seu trabalho, interrogar o D… acerca de antigos e/ou recentes namorados que a depoente teria tido, ou mantinha, e com quem se encontrava na respectiva ausência.

  4. Estas situações ocorriam sempre que o arguido voltava de ausências prolongadas com a justificação de ter necessidade de se deslocar à Suíça.

  5. Em Novembro de 2013, decidiu aquela colocar cobro a tal relacionamento, comunicando-o e solicitando ao arguido que saísse da casa dela, o que motivou mais a ira deste, passando a partir de tal altura a perseguir a C…, para onde a mesma fosse, quer para o trabalho, quer às compras, quer para qualquer destino que entendesse por bem tomar, tendo tido necessidade a visada de se socorrer da companhia dos filhos na rua, para se proteger daquele.

  6. Não satisfeito, começou igualmente a enviar SMS constantes para a ofendida, para os filhos desta, e bem assim telefonar à mãe daquela.

  7. Igualmente, e por várias vezes, telefonou para o local de trabalho da C…, questionando as colegas da mesma sobre as suas relações pessoais, horários de trabalho, e saída.

  8. Num desses telefonemas que efectuou, o arguido chegou a insinuar a uma colega da ofendida, que esta era amante do respectivo marido.

  9. Em data não concretamente apurada do mês de Março de 2014, o arguido transpor o muro da casa da ofendida e apresentou-se junto da porta de entrada da casa, do lado traseiro, só tendo saído dali por ter sido persuadido a sair pelo filho daquela.

  10. Pese embora a ofendida tenha alterado por duas vezes o respectivo número de telefone, sempre o arguido conseguiu descobri-lo e assim continuou a enviar sms, bem tentar efectuar chamadas telefónicas, a qualquer hora do dia ou da noite, independentemente de saber que a visada se encontrava a trabalhar ou a dormir.

  11. Em tais SMS que ia enviando, tanto a apelidava de “amor”, como lhe dizia que “fodia” com vários homens.

  12. Via facebook, socorrendo-se de fotos que havia guardado da ex companheira, chegou a escrever numa página, insinuando que a visada e o respectivo irmão mais novo, de quem a ofendida tinha colocado uma foto na sua página de facebook (e, desconhecendo o arguido que se tratava do irmão da ofendida, a quem nunca sequer vira) eram amantes, denegrindo assim a imagem da visada, junto da família, amigos e simples conhecidos.

  13. No dia 29 de Maio de 2014, pelas 8 horas da manhã, já o arguido se encontrava à entrada da porta do local de trabalho da ofendida, tendo tentado abordar a mesma, a qual, em pânico, conseguiu refugiar-se no interior do edifício, tendo o arguido continuado a bater nas janelas e a chamar em voz alta por ela, comportamento a que apenas colocou termo quando se apercebeu da solicitada presença da GNR.

  14. No entanto, cerca das 17 horas desse mesmo dia, já se encontrava no mesmo local a aguardar a saída da ex companheira, tendo então sido identificado pela GNR.

  15. Volvidos poucos minutos, começou a enviar sucessivas SMS à visada, e aos filhos dela, referindo-lhes: “Que não tinha medo de ninguém e que fazia o queria na vida, pois o medo dele tinha ficado na barriga da mãe”.

  16. Em dia que não se logrou concretamente apurar, mas em data posterior a 29.5.2014, voltou a rondar o local de trabalho da C… e, logo que se apercebeu que a mesma tinha de efectuar o transporte de algumas pessoas idosas para uma outra localidade, foi sempre no respectivo encalço, de forma a intimidá-la e assustá-la com a respectiva presença.

  17. Nos dias e semanas subsequentes, por várias vezes se dirigiu durante a noite a casa da visada e rondava-a a pé, assim tendo sido avistado pelo filho daquela, e assim continuando, indiferente ao receio que provocava.

  18. O arguido, apesar de saber que a visada tinha sido para si como se de uma esposa se tratasse, e de que os actos que praticava, no recato do domicílio comum, dada a sua natureza, a afectavam na dignidade enquanto pessoa humana, no seu bem-estar físico e no seu equilíbrio psico-emocional, colocando-a em angústia e sofrimento permanente.

  19. Quis humilhá-la menosprezá-la na sua dignidade humana, sabia que a atemorizava, ainda assim, continua a persegui-la, o que conseguiu.

  20. Agiu sempre de forma livre e voluntária, igualmente ciente que tais condutas lhe estavam vedadas por lei e eram punidas criminalmente.

  21. O arguido entregou algum dinheiro à ofendida, designadamente para obras.

  22. O arguido não tem averbado no certificado de registo criminal qualquer condenação.

  23. O arguido é casado, vive sozinho numa casa arrendada, pela qual paga a renda mensal de 180 euros.

  24. O arguido esteve emigrado na Suíça durante 31 anos e tem uma reforma daquele país.

    *B - FACTOS NÃO PROVADOS Não se lograram provar quaisquer factos, designadamente, não se logrou provar que: - as perguntas que o costumava fazer ao filho acerca de antigos e/ou recentes namorados que a depoente teria tido, ou mantinha, e com quem se encontrava na respectiva ausência, ocorriam pelo menos entre duas a três vezes por semana e quase diariamente, quando regressava de ausências mais ou menos prolongadas.

    - quando o arguido insinuou a uma colega da ofendida que esta era amante do respectivo marido, fê-lo de modo a criar condições que levassem a desentendimentos susceptíveis de colocar em causa o posto de trabalho.

    - nalgumas do SMS o arguido apelidado a ofendida de “puta”.

    - foi concretamente no dia 5/6/2014, que o arguido rondou o local de trabalho da C… e, logo que se apercebeu que a mesma tinha de efectuar o transporte de algumas pessoas idosas para uma outra localidade, foi sempre no respectivo encalço, de forma a intimidá-la e assustá-la com a respectiva presença.

    - o arguido telefonou pelo menos uma dezena de vezes para o seu trabalho - o arguido, ao actuar na forma supra descrita, quis aterrorizar a ofendida e conseguir uma subjugação ao seu egoísmo cruel, - com o intensificar dos ciúmes o arguido foi acrescentando que se a ofendida pensasse em arranjar outro homem, a mataria.

    III - MOTIVAÇÃO Para fundar a sua convicção, o tribunal teve em consideração toda a prova produzida, que foi apreciada à luz das regras da experiência comum e do normal agir humano, bem como aos elementos documentais juntos aos autos.

    O arguido B… negou a quase totalidade dos factos que lhe foram imputados, tendo apenas admitido que enviou à ofendida C… e aos filhos desta diversas mensagens, a pedir-lhe desculpa e que reatasse a relação consigo e a dizer-lhe que a amava, mas negou que a tivesse insultado, designadamente chamado puta ou dito que esta tinha amantes. Admitiu também que colocou na sua página do facebook diversas fotografias da denunciante e que escreveu aí diversas mensagens, dizendo-o que a amava e era a mulher da sua vida. Admitiu igualmente que, por uma ocasião, entrou no logradouro da propriedade da denunciante porque queria reconciliar-se com ela, verbalizando arrependimento por ter entrado aí sem o seu consentimento. Também confirmou que por duas vezes se dirigiu ao local de trabalho da denunciante para tentar falar consigo, numa das quais lhe levou chocolates, e que ligou para o local de trabalho para falar com a denunciante C….

    No mais, negou os factos que lhe são imputados, designadamente, negou que alguma vez a tenha apelidado de puta, que a acusasse de ter amantes e de manter relações sexuais com o próprio filho, assim como negou que rondasse a sua casa à noite ou a que seguisse ou lhe fizesse esperas. Esclareceu que foi a própria denunciante que lhe disse que já mantivera relações sexuais em carros, assim como foi na povoação que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT