Acórdão nº 5149/12.4TDPRT.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelMOREIRA RAMOS
Data da Resolução01 de Junho de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 5149/12.4 TDPRT.P2 Tribunal da Relação do Porto (2ª Secção Criminal – 4ª Secção Judicial) Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO: No processo supra identificado, por sentença datada de 18/06/2015, depositada na mesma data, e no que ora importa salientar, decidiu-se – absolver o arguido B… da prática de um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180º, nºs 1 e 3, do Código Penal; – condenar o arguido C… pela prática de um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180º, nºs 1 e 3, do Código Penal, na pena de cento e cinquenta dias de multa, à taxa diária de nove euros, no montante global de mil trezentos e cinquenta euros;.

– condenar o arguido D… pela prática de um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180º, nºs 1 e 3, do Código Penal, na pena de oito meses de prisão, suspensa na execução pelo período de um ano.

A par, mais se decidiu, julgar o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante parcialmente procedente e, em consequência, condenar solidariamente os demandados E…, SA, B…, C… e D… no pagamento àquele da quantia de vinte e cinco mil euros, acrescida de juros a contar da data da sentença e até integral pagamento, absolvendo-os do demais peticionado.

Inconformado com a sobredita decisão, veio o assistente F… interpor recurso da mesma nos termos constantes de fls. 1.191 a 1.206, aqui tidos como especificados, tendo formulado, a final, as seguintes conclusões (transcrição): 1ª.

É público e notório e resultou também da prova produzida que o arguido B… era, à data da notícia, o director do jornal em causa e exercia efectivamente essas funções, tendo por isso obrigação de saber que lhe cabe, nos termos do artº 20º, nº 1, al. a) da Lei de Imprensa, orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação.

  1. Do contexto da notícia - o jornal em causa é um jornal diário, em que se exige do director um acompanhamento mais constante; de qualquer forma não estava em causa uma notícia do dia, porque os factos já haviam ocorrido há mais de 30 dias; e tratava-se de uma notícia de quase página inteira, ocupando pelo menos 4/5 da página e com um título escrito em letras garrafais - não se pode deixar de retirar a conclusão de que o arguido só podia ter tido conhecimento da mesma.

  2. A notícia tem implícita uma linha editorial relativa a notícias sobre as magistraturas, em especial a judicial, pois se o visado não fosse S… de direito a mesma não teria qualquer interesse, o que implica uma decisão superior sobre a publicação da mesma.

  3. Do destaque dado à notícia em termos de dimensão de página resulta, das regras de experiência comum, que a mesma só pode ter passado pelo crivo do director, sob pena de, não sendo assim, nada passar pelo crivo do director.

  4. Esse conhecimento deriva também, em termos de regras de experiência, do facto de a notícia em causa poder vir a ter consequências graves para o jornal uma vez que o visado era um S… que exercia funções importantes no órgão de avaliação e disciplina dos oficiais de justiça e de o teor da mesma ser, para qualquer pessoa de conhecimentos médios, de carácter ofensivo.

  5. De todo este circunstancialismo tem o Tribunal de concluir que o arguido B… teve necessariamente conhecimento da notícia recorrendo às ilações que decorrem das regras de experiência comum que podem ser usadas pelo julgador para retirar presunções judiciais, como recentemente afirmou o Tribunal Constitucional.

  6. Estão também provados todos os demais elementos do tipo de ilícito de que o arguido vinha pronunciado: o arguido é director do jornal em causa, agiu livre e conscientemente, podia e devia ter impedido a publicação da notícia em apreço, não o tendo conscientemente feito e por via disso quis e conseguiu imputar ao assistente factos que bem sabiam serem ofensivos da sua honra e consideração, o que quis e conseguiu fazer através de um jornal de circulação nacional, que é um órgão de comunicação social, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

  7. A criminalização do director do jornal, que a lei efectivamente pretende, não pode ser uma figura meramente decorativa do nosso ordenamento jurídico-penal, o que aconteceria se, independentemente das circunstâncias do caso, bastasse que os jornalistas do próprio jornal viessem dizer que o director nada sabia para ele nunca ser responsabilizado.

  8. O montante de 25.000€ fixado na sentença não é suficiente para ressarcir o assistente dos danos morais que teve com a conduta dos arguidos em causa nos autos, tendo nomeadamente em conta que o quantum foi actualizado até à data da sentença, proferida cerca de 4 anos e meio após a publicação da notícia.

  9. A situação em causa nos autos é uma situação de natureza muito excepcional quanto aos danos que foram causados e à grande intensidade do dolo com que agiram os arguidos no sentido de causarem esses danos e, como tal, a mesma tem de ter um tratamento a nível indemnizatório que reflicta essa excepcionalidade.

  10. No caso dos autos não está em causa um artigo de opinião acerca da pessoa ou da conduta do assistente nem um artigo de crítica acintosa e afrontosa a alguma decisão proferida pelo assistente.

  11. Está em causa algo de imensamente mais grave do que isso: está em causa uma notícia que é falsa; que imputa ao assistente a prática de um crime, que ele não só não cometeu, como agiu com toda a correcção e foi antes vítima da conduta de um fiscal do I…; à qual foi dado um destaque enormíssimo de quase página inteira com um título altamente difamatório escrito em letras garrafais; na qual o assistente vem identificado pelo nome completo, pela profissão e pelo cargo que à data exercia; que foi publicada sem sequer ter sido dada a oportunidade ao visado de sobre ela se pronunciar; e, por fim, uma notícia publicada num jornal que é vendido em todo o país e que é o jornal diário com maior tiragem nacional, tendo a notícia chegado ao conhecimento de pessoas de norte a sul do país.

  12. A notícia foi toda ela concebida no sentido de causar o máximo de dano na honra e consideração do assistente e efectivamente conseguiu causar esse dano.

  13. É preciso olhar para a situação no seu todo – profissão do assistente, cargo que ocupava e a forma como a notícia foi apresentada - para entender a intensidade da vergonha, do vexame e da humilhação que resultaram provados, para além de todos os demais danos, porque, apesar de tudo, há graus de intensidade a que é preciso atender e que resultam do contexto global dos factos e, neste caso, não há dúvida que o grau é elevadíssimo.

  14. Os juízes, atendendo à elevada responsabilidade das funções que exercem, que são funções de soberania, estão mais sujeitos ao escrutínio público da sua conduta e, no caso em apreço, a notícia foi publicada e foi-o da forma que resulta dos autos porque o visado era S….

  15. Por causa disso tem de existir necessariamente um reverso que é a exigência de um maior cuidado na construção da notícia, na pesquisa dos factos, no contraditório, no cumprimento rigoroso das regras profissionais e deontológicas da profissão de jornalista.

  16. Um S… sente-se envergonhado, vexado e humilhado por notícias deste género e vê atingida a sua honra e consideração com muito mais intensidade do que um cidadão comum e daí que tenha de existir uma maior responsabilização de quem age violando gravemente os deveres a que está obrigado, como foi o caso, fixando-se valores de indemnização que correspondam à elevada intensidade da violação dos bens jurídicos que estão em causa.

  17. A honra e consideração do assistente, como S…, como cidadão e como pessoa foram violadas de forma intensíssima, ao que acresce o facto de, à data, exercer o cargo de vice-presidente do M… (cargo que nos termos da lei só pode ser exercido por S… de direito), órgão de avaliação e disciplina dos oficiais de justiça, para o qual se exige especial probidade e conduta digna, tendo até um dos sindicatos dessa classe profissional pedido ao Director da DGAJ a demissão do assistente.

  18. Trata-se de um situação completamente dantesca e kafkiana, em que o assistente foi julgado, condenado e executado sem sequer ter tido qualquer tipo de oportunidade de defesa em relação aos factos criminosos falsos e altamente difamatórios que lhe foram imputados.

  19. Face a todos os danos que se provaram, à intensidade dos mesmos, ao grau de ilicitude e culpa com que agiram os arguidos, o montante de 50.000€ afigura-se mais adequado ao ressarcimento desses danos.

  20. A decisão recorrida, ao não condenar o arguido B…, violou as regras de apreciação da prova e o disposto no artº 31º/3 da Lei de Imprensa, e, ao não fixar a quantia de 50.000€ de indemnização pelos danos morais causados, violou os artºs 562º, 564º/1 e 2 e 566º/1, todos do Código Civil.

Igualmente não se conformando com tal decisão, veio a demanda cível “E…”, conjuntamente com os arguidos B… e C…, dela interpor recurso nos termos que constam de fls. 1.207 a 1.276, aqui tidos como especificados, tendo formulado, a final, as seguintes conclusões (transcrição): A. O presente recurso visa o reexame da matéria de facto - nos termos das alíneas a) e b) do nº 3 do art. 412º do C.P.P., tendo por base a gravação da prova efectuada em audiência com a respectiva transcrição e a prova documental produzida nos autos, e também para reexame da matéria de direito.

  1. Decidiu o Tribunal condenar o Arguido C… pela prática de um crime de difamação, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de €9,00, em razão da publicação de uma notícia no “G…” com data de 15 de Outubro de 2011, julgando ainda parcialmente procedente o pedido de indemnização civil do assistente por danos morais, condenando a Demandada E…, SA e todos os Arguidos a pagar àquele a quantia de € 25.000,00.

  2. Não há prova bastante nos autos que permitisse a condenação do Arguido e foi produzida prova da qual deveria ter resultado (e que impunha mesmo) convicção diversa, tendo havido errada apreciação da prova produzida em sede de julgamento, bem como...

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