Acórdão nº 3673/11.5TBVFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelRUI MOREIRA
Data da Resolução14 de Junho de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

PROC. Nº 3673/11.5TBVFR.P1 Comarca de Aveiro - St. Mª Feira Inst. Central - 2ª Secção Cível - J2 REL. N.º 334 Relator: Rui Moreira Adjuntos: Tomé Ramião Vitor Amaral* ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: 1 - RELATÓRIO B…, casada e residente na Rua da …, nº…, em … propôs acção condenação, em processo comum sob a forma ordinária, contra C…, solteiro e residente na Rua … nº…., …, Santa Maria da Feira, D… Lda., pessoa colectiva nº………, com sede na Rua …, …, Santa Maria da Feira, e Companhia de Seguros E…, S.A., com sede no … nº .., Lisboa, pedindo a condenação dos RR. a pagarem-lhe solidariamente a quantia de 50.283 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, a título de indemnização pelos danos que lhe advieram do ataque de um cão que se encontrava num espaço contíguo às instalações da segunda ré, de que o primeiro é sócio-gerente, num dia em que ali acedeu para fazer uma compra. A Autora alega, igualmente, que o 1º Réu, na qualidade de sócio-gerente da 2ª Ré, celebrou um contrato de seguro de responsabilidade civil de animais de companhia com a 3ª Ré, a que corresponde a apólice nº………, sendo a 2ª Ré a tomadora do seguro.

Descrevendo o acidente, a autora alegou que lhe foi facultada, por uma funcionária da 2ª ré, a entrada num espaço através do qual iria aceder às instalações da 2ª ré, tendo aí sido atacada pelo cão que o 1º réu destinava à guarda da sua casa e dessas mesmas instalações. O cão atacou-a, mordendo-a no braço direito, agarrando com força, durante vários minutos, e imobilizando-a, até que o 1º Réu veio em seu auxílio e se conseguiu retirar o seu braço da boca do animal, o qual é classificado como animal potencialmente perigoso. Descreveu os danos sofridos em consequência deste acidente, patrimoniais e não patrimoniais, pretendendo agora a sua indemnização.

A R. “E…” contestou, por um lado arguindo a excepção peremptória da prescrição, com base no facto de o evento se reportar a 11 de Setembro de 2005, a presente acção ter sido instaurada em 4.07.2011 e a contestante ter sido citada em 9.09.2011, ou seja, tudo para além dos 5 anos após a ocorrência, sendo que a mesma não interveio no Processo Comum Singular nº1017/05.4GDVFR, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, em que o co-réu C… foi absolvido. Por outro lado, impugnou a factualidade invocada na petição inicial, por não corresponder à verdade ou desconhecê-la e não ter a obrigação de a conhecer.

Mais sustentou, em síntese, que o dito estabelecimento não tem acesso pelo portão através do qual a Autora entrou e que a mesma, apesar de ter sido avisada por F… para aguardar enquanto esta ia abrir o estabelecimento e advertida de que o cão estava solto e para não entrar, decidiu abrir o dito portão, de acesso exclusivo para as pessoas da casa, assim acedendo ao pátio onde o animal se encontrava e acabando por ser mordida. Acresce que a Autora não atentou na placa de aviso da existência do cão, colocada no portão. Deste modo, a 3ª Ré conclui que a Autora foi negligente e descuidada, criando objectivamente condições para o sucedido, o que exclui a responsabilidade da contestante.

O 1º e a 2ª Réus contestaram, arguindo, por um lado, a ilegitimidade passiva do 1º Réu, por não ser o proprietário do cão, que pertence à 2ª Ré; por outro lado, alegando que o animal sempre teve um comportamento dócil, não tem qualquer historial de ataque a pessoas ou a outros animais e que a presente acção constitui uma repetição dos factos em discussão no processo-crime que correu termos no 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, sob o nº1017/05.4GDVFR, em que o 1º Réu, aí arguido, foi absolvido, em virtude de ter ficado provado que o mesmo não violou o dever de cuidado, mormente o imposto pelo D.L. nº312/03, de 17.12, e pela Portaria nº422/04, de 24.04. Afirmaram ainda que a presença do cão na habitação estava devidamente sinalizada, com uma placa, de cor azul, no respectivo portão de acesso, com a inscrição “cuidado com o cão”, a qual ainda hoje se encontra no local, facto também demonstrado, como resulta da mencionada sentença, que o animal apenas era solto apenas durante a noite ou nos períodos em que o estabelecimento explorado pela 2ª Ré se encontrava encerrado, como sejam os Domingos, tendo sido num desses períodos em que ocorreram os factos. O estabelecimento comercial em causa, apesar de funcionar num anexo à habitação dos pais do 1º Réu, tem acesso directo à via pública, não existindo a mínima possibilidade de os clientes que lá se deslocam terem acesso ao local onde o cão se encontrava, sendo desnecessário, para aceder àquele estabelecimento, entrar pelo portão onde estava afixado o aviso da existência de um cão e que serve apenas a habitação, encontrando-se o seu acesso reservado aos da casa ou a convidados destes. No dia em questão, por ser Domingo, o estabelecimento encontrava-se encerrado e, por essa razão, a A. terá decidido tocar na campainha da habitação, na sequência do que foi atendida por F…, que a informou, do cimo das escadas, desse encerramento. Porém, dada a insistência da A., aquela pediu-lhe que aguardasse um instante, enquanto abria a porta do estabelecimento para a atender, mais lhe referindo expressamente que não entrasse, uma vez que o aludido cão se encontrava solto. Todavia, sem que nada o fizesse prever e contrariando o pedido expresso de F…, a Autora decidiu abrir o portão e acedeu ao pátio onde o animal de encontrava, pelo que foi mordida no braço direito. F… correu logo em auxílio da Autora, dando ordem ao cão para parar, no que foi de imediato obedecida. O 1º Réu não se encontrava no local aquando da entrada da Autora na habitação. Concluem, assim, que só a própria autora deu causa aos danos que sofreu, pelo que concluem pela improcedência da acção, sem prejuízo de afirmarem o exagero da indemnização peticionada.

A Autora respondeu, sustentando, em síntese, que o seu direito não prescreveu e quanto à excepção da ilegitimidade do 1º Réu, contrapôs que, não obstante este não ser o proprietário do animal, era o seu detentor, sobre o qual também impende um dever de vigilância ou um dever especial de cuidado, tendo em conta as suas características.

O processo foi saneado, tendo sido julgadas improcedentes as excepções arguidas. Foi preparado para julgamento e, realizado este, veio a ser proferida sentença que, em suma, concluiu que o 1º réu, por si ou enquanto gerente da 2ª ré, em nada contribuiu, por acção ou omissão, para a produção dos danos de que a autora foi vítima, já que o acidente se deu por “conduta culposa, negligente, da autora, pois que contrariou indicação de F… acedendo por sua iniciativa ao local onde foi atacada pelo cão, e não atendeu ao aviso da existência de um cão no local e da sua perigosidade….”.

É desta sentença que a autora vem apresentar o presente recurso, através do qual pretende a alteração da decisão sobre a matéria de facto, no sentido da afirmação da sua versão. Conclui tal recurso formulando as seguintes conclusões: 1 - Com o presente recurso a autora/recorrente pretende averiguar se efectivamente se os 1º 2º Réus observaram os deveres de cuidado que a lei lhes impunha, e em que medida omissão desses deveres incrementaram, o risco associado à detenção e utilização deste tipo de animal potencialmente perigos, no caso concreto, um cão da raça G…, no caso concreto a mordedura deste cão à autora 2 - E se em consequência da conduta dos 1º e 2º Réus se verificaram os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, a fixação do quantum indemnizatório correspondente aos danos causados à Autora; assim como a determinação do(s) civilmente responsável(eis) pelos danos causados à Autora 3 - Os-concretos pontos de facto que a recorrente considera incorrectamente julgado são os factos provado nº 30). A Autora, ao encontrar o estabelecimento referido em 3) e o portão indicado em 8) fechados, tocou à campainha da habitação mencionada em 3) e foi atendida por F…, a qual lhe disse para aguardar, enquanto ia abrir a entrada que dava acesso directo ao estabelecimento. Assim como facto não provado da alínea d): Na ocasião referida em 11), com o consentimento do réu C…, F… veio abrir o portão e convidou a Autora a entrar e a aceder à loja referida em 3) por uma porta lateral.

4 - Os concretos meios probatórios constantes da gravação que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida o depoimentos da testemunha da Ré, F… e as declarações de parte da autora.

5 - Apreciados na sua globalidade e em conjunto com a restante prova, justificaria decisão diferente, nomeadamente a valoração devida das declaração da parte, autora.

6 - A questão de facto a debater é se a testemunha F…, disse ou não à autora para aguardar, enquanto ia abrir a entrada que dava acesso directo ao estabelecimento.

7 - Relativamente a esta questão, repare-se na passagem das declarações de parte da autora constante do registo de gravação 06.00 a 08:10: 8 - Nas declarações de parte da autora, esta declarou que “chamou a testemunha F… tendo esta dito:: “B… olha, anda por este lado que eu abro-te o portão, porque tem ali aquela porta que dá acesso para eu agora não ir abrir o portão do estabelecimento.” Conforme transcrição no ponto 1 da motivação.

9 - Na concretização de que porta ia abrir a testemunha a meritíssima juíza perguntou-lhe o “que ia abrir “,a que autora respondeu que“ ia abrir o outro portão que dava acesso ao estabelecimento.. não é portão é uma porta” conforme depoimento transcrito no ponto 1 da motivação.

10 -Na continuação depoimento a meritíssima juíza interpelou a autora especificando e interrogando a porta lateral a que a autora respondeu “Sim” que dá para o estabelecimento. conforme depoimento transcrito no ponto 1 da motivação.

11-...

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