Acórdão nº 2548/14.0TBVNG-D.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelISABEL S
Data da Resolução10 de Outubro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

PROCESSO Nº2548/14.0TBVNG-D.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto – Secção Cível: A Administradora da insolvência nomeada nos autos nº2548/14.0TBVNG, em que são insolventes B… e C…, ambos ids nos autos, requereu a declaração de nulidade da cláusula de reserva de propriedade a favor do Banco D…, SA, que incide sobre o veículo de marca Peugeot, com a matrícula ..-IN-.., e se ordene o levantamento da referida cláusula da Conservatória do Registo Automóvel, libertando o bem de tal ónus de forma a se proceder ao seu registo definitivo a favor da massa insolvente.

Notificado, o credor deduziu oposição a esse requerimento, pugnando pela validade da cláusula.

Em 30.12.2015, foi proferido o seguinte despacho: (…) Cumpre decidir.

Dispõe o art. 409°, nº 1, do C.Civil que "nos contratos de alienação é lícito ao alienante reservar para si a propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte ou até à verificação de qualquer outro evento".

Ora, da factualidade alegada e dos próprios documentos juntos a fls. 5 e 22 a 28 resulta que o Banco D…, SA, não é, nem foi proprietário do veículo em causa, tendo apenas celebrado com a insolvente mulher um contrato de financiamento para aquisição desse veículo a terceiro, tendo vindo, porém, a registar a seu favor cláusula de reserva de propriedade sobre esse veículo.

Assim, não foi o referido credor o alienante do veículo aos insolventes, ou seja, não teve intervenção no contrato de compra e venda celebrado entre os insolventes e o fornecedor do veículo, mas apenas no contrato de crédito, contraído pela insolvente mulher para obtenção de financiamento do preço de tal veículo.

Por somente ter financiado a aquisição do veículo pelo insolvente não era lícito ao Banco D… reservar para si a propriedade do mesmo já que foi alheio à sua transmissão.

Perante tal, encontra-se ferida de nulidade essa cláusula de reserva de propriedade a favor de outrem que não o vendedor, como tem considerado a jurisprudência, atento o disposto no art. 280°, n? 1, do C.Civil, por configurar uma prestação impossível de realizar (cfr., entre muitos outros, Acs da R.P. de 01/07/2008; 01/06/2004 - processo nº 0422028; e de 25/09/2008 - proc. nº0834835.) Sendo nula a cláusula de reserva de propriedade invocada pelo Banco D…, terá que ser cancelado o registo dessa cláusula na Conservatória do Registo Automóvel.

Face ao exposto declaro nula a cláusula de reserva de propriedade e determino o cancelamento do registo dessa cláusula na Conservatória do Registo Automóvel a favor do Banco D…, SA.

Notifique.” Inconformado veio o credor Banco D…, S.A. interpor o presente recurso, terminando a sua alegação enunciando as seguintes conclusões: «I. O Tribunal a quo, decidiu pela nulidade da cláusula de reserva de propriedade constituída validamente a favor do ora recorrente por entender que não era lícito a este reservar para si a propriedade do veículo já que foi alheio à sua transmissão e somente financiou a aquisição do mesmo pela insolvente.

  1. Decisão que o financiador ora recorrente não pode concordar pela mesma representar um frustrar das suas legítimas expectativas.

  2. Ora o Recorrente celebrou com a insolvente um contrato de financiamento com o objectivo de financiar a aquisição de um veículo automóvel de passageiros.

  3. Esse contrato apenas foi celebrado porque ao financiador foi dado a possibilidade de constituir uma reserva de propriedade sobre o veículo objecto do financiamento (cfr. ponto 7 da cláusula 2.a do contrato de financiamento para aquisição a crédito documento n.? 1).

  4. Caso contrário o financiador nunca teria aceite financiar a insolvente sem ter qualquer tipo de garantia numa situação de incumprimento ou insolvência.

  5. Ficou assim expressamente acordado entre as partes a reserva de propriedade sobre o bem, objecto do contrato.

  6. Tendo-se efectuado o registo da reserva de propriedade que foi plenamente aceite pela Conservatória do Automóvel não tendo à mesma havido qualquer a oposição de terceiro.

  7. Sucede que a titular do contrato ficou insolvente e pretende agora a administradora de insolvência arrolar o veículo automóvel para a massa insolvente para com o produto da venda do veículo financiado pelo recorrente fazer pagar o outro credor (a quem foi reconhecido o crédito no valor de € 246.045,77) e as custas do processo.

  8. Para tanto, alega que a reserva de propriedade opera somente por ocasião da celebração de contratos de compra e venda nos termos do artigo 409.° do Código Civil.

  9. O que é sobejamente discutível na nossa jurisprudência pois que a actualidade impõe a necessidade de fazer uma interpretação actualista da norma acima referida uma vez que este preceito legal foi criado num tempo em que as partes, num contrato de compra e venda, eram apenas duas: o vendedor de um lado e o comprador do outro e agora intervém por norma três partes: comprador, vendedor e financiador, como é o caso que aqui se discute.

  10. Para além do mais o contrato de alienação, no caso em apreço, não pode ser interpretado como de um contrato isolado já que está conexionado com o contrato de financiamento.

  11. Verifica-se assim uma verdadeira união de contratos e essa ligação acarreta necessariamente a produção de efeitos jurídicos muito próprios e peculiares.

  12. Assim o contrato de alienação com financiamento constitui um contrato atípico e inominado.

  13. Celebrado à luz do princípio da liberdade contratual e autonomia privada prevista no artigo 405.° do Código Civil.

  14. Pelo que considerar nula a reserva de propriedade a favor do recorrente significa defraudar as legítimas expectativas deste.

  15. E bem assim, em consonância com a teoria ora defendida pelo recorrente andaram vários Acórdãos sobre a versada temática, nomeadamente: XVII. o Tribunal da Relação do Porto no acórdão de 24.02.2011, disponível em www.dgsLpt que refere: "É válida a cláusula de reserva de propriedade a favor do mutuante que financiou a aquisição pelo mutuário a um terceiro de um bem sobre que incide a garantia, por resultar da liberdade contratual e não ser proibida por lei." XVIII. O Tribunal da Relação de Coimbra de 15.07.2008, disponível em www.dgsLpt que refere: "II - Abrangendo o artigo 409°, nO 1, do CC, na sua letra e no seu espírito, a hipótese de conexão entre o contrato de mútuo a prestações e o contrato de compra e venda de veículo automóvel, em virtude de o objecto mediato do primeiro constituir o elemento preço do segundo, situação que se configura como se o pagamento do preço relativo ao contrato de compra e venda fosse fraccionado no tempo, a figura da reserva da propriedade tem sentido no contexto do contrato de mútuo celebrado com o objectivo de financiar o contrato da compra e venda.".

  16. o Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão de 12.08.2013 em que refere: "A reserva da propriedade (art. 409 do CC) só pode ser estipulada a favor do...

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