Acórdão nº 25236/15.6T8PRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelPAULA LEAL DE CARVALHO
Data da Resolução10 de Outubro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Procº nº 25236/15.6T8PRT.P1 Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 913) Adjuntos: Des. António José Ramos Des. Jerónimo Freitas Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: B…, intentou contra C…. S.A.

, a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo a condenação da Ré a: reconhecer-lhe o direito a beneficiar, a título de prestação retributiva, da quantia que, até 13 de Maio de 2015, recebeu como isenção parcial de horário de trabalho; pagar-lhe a este título, desde 13 de Maio de 2015 e enquanto permanecer o contrato de trabalho que liga a Ré à Autora, o montante de €340, 25 mensais, incluindo férias, subsídio de férias e de Natal, encontrando-se em dívida, desde aquela data até à propositura da ação a quantia de €1.544, 29, acrescida de juros de mora vencidos; a regularizar junto do Ministério das Finanças, do SAMS e SBN a situação da Autora em conformidade.

Alegou para tanto e em síntese, o seguinte: A Ré é uma instituição de Crédito, tendo Outorgado o ACT para o sector bancário publico no BTE n.º 3, 1ª Série, de 22 de Janeiro de 2011, datando a ultima alteração de 29 de Fevereiro de 2012, publicada no BTE n.º 8; em junho de 1995 a Autora ingressou os quadros da Ré nas seguintes condições – categoria profissional: solicitador, de acordo com o anexo II do ACTV; isenção Parcial de horário de Trabalho, atribuída ao abrigo da cláusula 54º, do ACTV (…), exercendo tais funções sob as ordens, direção e autoridade da Ré; o complemento remuneratório de isenção parcial de horário de trabalho foi-lhe paga com regularidade pela Ré, integrando a retribuição a título de subsidio de férias e de Natal, bem como durante o período em que a Autora esteve ausente do serviço por incapacidade; desde 13 de maio de 2015, que a ré deixou de pagar à Autora o referido complemento; atento o caracter regular e certo com que sempre foi pago à Autora, o referido complemento integra o conceito de retribuição, pelo que, ao omitir o seu pagamento, a Ré atentou contra o princípio da irredutibilidade da retribuição devida ao trabalhador.

A ré contestou aceitando, no essencial, a matéria de facto vertida na petição inicial, mais alegando que, durante o período em que a A. esteve de baixa médica, manteve o pagamento integral da retribuição e demais prestações apenas por se tratar de prática instituída internamente, mas não ao abrigo de qualquer vinculação jurídica, mas a título de mera liberalidade, não exclusiva da A.; entende que a prestação em causa não integra o conceito de retribuição; classifica de abusiva (na modalidade de venire contra factum proprium e supressio) a conduta da Ré ao peticionar o pagamento daquela quantia a título retributivo, pois que ao longo da relação laboral nunca peticionou o pagamento de quaisquer horas extras, o que seria de exigir caso aquele valor não se destinasse a pagar o tempo prestado fora do horário normal de trabalho, criando assim na Ré a convicção de que não viria a peticioná-la, a título retributivo; invoca em favor da supressão unilateral do pagamento daquele valor o disposto na cláusula 54º do ACTV.

Concluiu pela improcedência da ação.

A Autora respondeu à exceção do abuso de direito, concluindo pela sua improcedência Foi proferido despacho saneador, dispensada a elaboração da base instrutória e realizada a audiência de julgamento, na qual as partes prescindiram de toda a prova testemunhal, apenas havendo sido proferidas as alegações orais.

A Ré veio informar, e juntar documentação comprovativa, de que lhe sucedeu a empresa D…, SA, como entidade empregadora da A. e assumindo a posição processual da Ré, então “C…”..

Foi proferida sentença que decidiu da matéria de facto e julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo a Ré, D…, SA, dos pedidos formulados pela A., fixando as custas a cargo desta.

Inconformada, veio a A. recorrer, arguindo no requerimento de interposição do recurso nulidade de sentença; mais alegou, tendo formulado, a final, as seguintes conclusões: “1.º - A sentença proferida pelo Tribunal a quo é nula atenta a violação do disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no art.º 1.º do Código de Processo do Trabalho, atenta a oposição entre os fundamentos e a decisão.

  1. - A sentença ora em crise parte de um correto enquadramento jurídico e factual, fazendo uma correta caracterização do regime legal da retribuição e da sua irredutibilidade.

  2. - Contudo, ao arrepio de toda argumentação e fundamentação aduzida, entendeu o Tribunal a quo que “Analisadas as comunicações da Ré à Autora datadas de 7 de Junho de 1995 e de 26 de Setembro de 1996, verifica-se que a remuneração aí estabelecida a título de isenção de horário de trabalho, tem por referência/fundamento a mencionada cláusula [a cláusula 54.ª do ACT para o Setor Bancário]”.

  3. - Além da surpresa inerente à total e frontal oposição entre os fundamentos enunciados e a decisão que, a final, preconizou, mais surpreendente se torna a sentença ora em crise quando fundamenta a sua decisão no, aliás Douto, Acórdão da Relação de Coimbra de 26.03.2015.

  4. - Na verdade, o referido Acórdão decide em sentido diametralmente oposto ao decidido pelo Tribunal a quo.

  5. - A decisão ora em recurso está, assim, ferida de nulidade, nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no art.º 1.º do Código de Processo do Trabalho, por total e frontal oposição entre os seus fundamentos e a decisão.

  6. - Dá-se aqui por integralmente reproduzida a factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo.

  7. - Os factos dados como provados pelo Tribunal a quo impunham decisão inversa à proferida pela sentença em recurso.

  8. - Contudo – e antes de mais - verifica-se, que a A. foi convidada a ingressar nos quadros da R. e que, aceite esse convite, foram negociadas e acordadas entre as partes as condições retributivas.

  9. - Assim, deverão ser aditados ao elenco dos factos dados como provados os seguintes factos alegados pela A. e expressamente aceites pela R.: - Em Junho de 1995 a A. foi convidada a ingressar nos quadros da R.; - Perante o convite da R. para que a A. nela ingressasse, foram negociadas entre as partes as condições retributivas; - Aceites pelas partes as condições propostas, a A. passou a exercer a sua atividade profissional para a R.; 11.º - Porquanto, tais factos encontram-se provados por confissão (art.º 465.º CPC) e deveriam ter integrado a matéria de facto dada como provada.

  10. - Entre as condições retributivas negociadas e acordadas entre as partes encontrava-se uma verba denominada de “Isenção Parcial de Horário de Trabalho” 13.º - Esta verba retributiva foi paga pela R. à A., desde o início da execução do contrato de trabalho, com periodicidade mensal, integrando a sua retribuição mensal, bem como os subsídios de férias e de Natal; 14.º - Tendo a A. estado ausente do serviço por incapacidade temporária por motivo de doença por um período de cerca de 10 anos, a R. continuou a abonar-lhe mensalmente essa verba retributiva durante esse período bem como após o regresso da A. ao trabalho; 15.º - Pelo que, não podem restar quaisquer dúvidas que a referida verba não foi atribuída (e mantida) como contrapartida de um modo específico de execução do trabalho.

  11. - O complemento salarial que a R. apelidou de “Isenção Parcial de Horário de Trabalho”, negociado e outorgado aquando da admissão da A. ao seu serviço, assume claramente uma natureza retributiva, tendo sido pago com carácter de regularidade e periodicidade (incluindo, nos períodos de ausência da A. ao serviço por incapacidade temporária, ou até, fazendo parte integrante da remuneração paga a título de 13.º e 14.º mês), ao longo de 20 anos, revestindo a natureza de retribuição, porquanto prestação regular e periódica e em contrapartida do seu trabalho (cfr. art.º 258.º do Código do Trabalho).

  12. - Estando em causa uma determinada prestação pecuniária que vinha sendo regularmente paga e que integra a retribuição devida ao trabalhador, impende sobre o empregador o ónus de alegação e prova dos factos que permitam concluir no sentido da cessação lícita da situação que fundamentou a atribuição daquela prestação retributiva e, portanto, da licitude da decisão de cessar o seu pagamento.

  13. - Percorrendo a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, verifica-se não ter a R. logrado provar qualquer dos aspetos que, em abstrato, poderiam configurar como lícita a cessação do pagamento da prestação retributiva que, com carácter de regularidade e periodicidade, vinha pagando à A.

  14. - Pelo que, nunca poderia ter-se entendido – como fez a sentença ora em crise – que “a denúncia foi lícita, bem como lícita foi a cessação do pagamento correspondente à isenção cessada, tendo em conta que a mesma não é irredutível”.

  15. - Contudo, ainda que por hipótese – o que apenas se admite por dever de patrocínio – se considere que a referida remuneração complementar se trata de remuneração devida por isenção de horário de trabalho, ainda assim a mesma não poderia ser – como foi – unilateralmente retirada à A.

  16. - A Doutrina e a Jurisprudência têm entendido que a situação de isenção do horário de trabalho, com o seu regime próprio de prestações, é reversível, estando na disponibilidade do empregador a sua manutenção, assim não sendo, porém, quando as partes o tenham clausulado no contrato individual de trabalho, sendo a vontade do trabalhador, no sentido da manutenção do regime de isenção, relevante se e quando tal regime tenha sido inserido no contrato respetivo; neste caso, a retirada do regime, por iniciativa do empregador, carece sempre da concordância do trabalhador.

  17. - Constando do contrato individual de trabalho negociado e outorgado entre as partes a atribuição de um complemento retributivo denominado de “Isenção Parcial de Horário de Trabalho”, a supressão de tal verba pecuniária careceria sempre da anuência da A...

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