Acórdão nº 465/11.5TALRA.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelJORGE LANGWEG
Data da Resolução12 de Outubro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 465/11.5TALRA.P1 Data do acórdão: 12 de Outubro de 2016 Relator: Jorge M. Langweg Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa Origem: Comarca de Aveiro Instância Central de Aveiro | 1ª Secção Criminal Sumário: A caução de boa conduta fixada a pessoa coletiva ou equiparada, nos termos do disposto no artigo 90º-D do Código Penal), não visa garantir o pagamento da multa, mas antes assegurar que a condenada não volte a cometer nenhum crime no decurso do prazo fixado pelo tribunal, ou seja, visa assegurar uma das finalidades da punição (artigo 40º, nº 1, do mesmo Código) – a de proteção dos bens jurídicos, na vertente de prevenção especial - Acordam os juízes acima identificados da 4ª Secção Judicial - 2ª Secção Criminal - do Tribunal da Relação do Porto Nos presentes autos acima identificados, em que figuram como recorrentes os arguidos B… e C…, Lda.; I - RELATÓRIO1. Em 4 de Abril de 2016 foi proferido o acórdão condenatório dos arguidos, que terminou com o dispositivo a seguir reproduzido: «A) – Condenar o arguido B… pela prática de um crime de violação de regras de segurança, p. e p. pelo art. 152º-B, n.ºs 1 e 4, al. a), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com acompanhamento de regime de prova, e condicionada à obrigação, cujo cumprimento deverá comprovar nos autos, de semestralmente efetuar o pagamento da quantia de 11.613,62 €, sem prejuízo do imediato pagamento voluntário pelos demandados da totalidade da indemnização arbitrada ou da sua cobrança coerciva eventualmente promovida pelos demandantes no âmbito da execução do pedido de indemnização civil; B) – Condenar a arguida “C…, LDA.” pela prática de um crime de violação de regras de segurança, p. e p. pelos 11º, n.º 2, al. a), e 152º-B, n.ºs 1 e 4, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 400 (quatrocentos) dias de multa, à taxa diária de 200,00 € (duzentos euros), perfazendo o montante global de 80.000,00 € (oitenta mil euros), que se substitui por prestação de caução de boa conduta no valor de 85.000,00 € (oitenta e cinco mil euros), pelo prazo de quatro anos, a prestar por meio de depósito, penhor, hipoteca, fiança bancária ou fiança; C) – Condenar os arguidos, individualmente, no pagamento de taxa de justiça, que se fixa em 5 (cinco) unidades de conta, bem como nos demais encargos a que as suas atividades deram lugar (artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal e 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais); D) – Julgar procedente, por provado, o pedido de indemnização civil formulado e, consequentemente, condenar solidariamente os demandados/arguidos B… e “C…, LDA.” a pagarem aos demandantes, D… e , a quantia global de 92.909,03 € (noventa e dois mil, novecentos e nove euros e três cêntimos), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal de 4%, desde a notificação até integral pagamento; E) – Condenar os demandados nas custas cíveis. (…)» 2. Inconformados com tal decisão, os arguidos interpuseram recurso da mesma, terminando a motivação de recurso com a formulação das conclusões a seguir reproduzidas: «O objecto destes autos não é apurar a eventual prática de um ilícito criminal no decurso dos trabalhos de manutenção que decorriam no telhado das instalações da C… (a menos que se consiga estabelecer uma conexão entre esses trabalhos e a presença do D… no telhado das instalações da C…), mas sim apurar a eventual prática desse ilícito criminal no âmbito e a propósito da actividade que envolveu a ida do D… a esse telhado.

O douto Acórdão proferido enferma do vício da nulidade por deficiente fundamentação da matéria de facto porquanto não observou correcta e integralmente na sua fundamentação quanto à decisão sobre a matéria de facto, os requisitos estatuídos no n° 2 do artigo 374º do Código do Processo penal (insuficiência da fundamentação, não enumeração dos factos não provados, falta de exame critico das provas), nulidade essa que se invoca nos termos da alínea a) do n° 1 e do n° 2 do artigo 379º do Código do Processo Penal.

O respeito pelo efectivo direito de defesa, constitucionalmente consagrado, exige não só a indicação das provas e dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal mas, fundamentalmente, a expressão tanto quanto possível completa, ainda que concisa dos motivos de facto que fundamentam a decisão.

O douto Acórdão recorrido não revela de forma suficiente como o Tribunal chegou à prova dos factos, Não explicando, a título meramente exemplificativo, os motivos que o levaram a considerar positivamente provada a matéria constante dos pontos 6 e 7 (quem deu a ordem de trabalho para o D… ir para o telhado trabalhar e, em concreto, que actividade laboral iria aí desenvolver) da decisão sobre a matéria de facto, absolutamente fulcrais e decisivos para a condenação dos arguidos, ou seja, o Tribunal não explicitou as razões que o convenceram que foi o arguido B… (ou alguém – e quem?- a seu mando) que ordenou ao D… que fosse trabalhar para o telhado e, muito menos, como se convenceu que essa ordem de trabalho teve por objecto a limpeza e pintura das caleiras.

E também no que tange aos "documentos que constam dos autos" a fundamentação não permite apurar, por exemplo, por que razão é que o Tribunal não deu como provado a factualidade que resulta dos documentos n°s 8, 9 e 10 juntos pelos arguidos com o seu requerimento datado de 29/1/2016 e que contrariam e descredibilizam frontalmente o depoimento da testemunha F… - ao qual o Tribunal reconheceu conferir credibilidade, apesar de ter deixado de trabalhar para a arguida C… em litígio com esta - e cujo depoimento foi determinante para o que se deu como provado nos pontos 6, 7 e 8 da decisão sobre a matéria de facto? Ou por que razão é que concluiu que no dia e hora em que se deu o acidente que o vitimou o D… se encontrava a trabalhar se, do seu contrato de utilização de trabalho temporário até resulta que não estaria no seu horário de trabalho no momento em que se deu o acidente? Tal como de tal fundamentação não emerge como pode o Tribunal convencer-se de realidades tão contraditórias como as seguintes: "na C…, Lda, todos os trabalhos a realizar pelos trabalhadores obedecem a distribuição, ordens e instruções do arguido B…, incluindo a realização de tarefas de manutenção das instalações da empresa nos momentos de pouco trabalho na área da produção" e "de tudo isto resulta que embora não se tenha apurado que o arguido directamente deu ordens ao D… para ir pintar as caleiras no telhado, pelo menos, fê-lo de forma indirecta, teve conhecimento que o mesmo andava a executar esses trabalhos e nisso consentiu".

Sendo assim manifesto que a motivação sobre a douta decisão da matéria e facto não se apresenta suficientemente clara para poder ser identificada e contestada em sede de recurso, pelo que o douto Acórdão enferma de nulidade por insuficiente fundamentação da matéria de facto e padece de contradição insanável da fundamentação, nos termos do art. 379º, n°1, al.

  1. CPP.

    O douto Acórdão proferido também é nulo por falta de fundamentação e por omissão de pronuncia, nos termos do aludido artigo 379º n°s 1 a) e c) do Código do Processo Penal.

    Da leitura do segmento daquele douto Acórdão relativo à fundamentação sobre a decisão da matéria de facto a conclusão a retirar é que o arguido B… praticamente não prestou quaisquer declarações relevantes - corroboradas, aliás, por inúmeras outras testemunhas que depuseram sobre esses concretos pontos da factualidade discutida nos autos o que não é verdade porque o arguido prestou declarações longas, que se prolongaram por várias horas e sessões de julgamento, como decorre dos teores das respectivas actas juntas aos autos a fls.

    Se, por um lado, o arguido nas suas declarações refutou, na íntegra, os factos que lhes são imputados, por outro tais declarações não são, em abstrato, menos credíveis do que o depoimento de uma testemunha e são claramente também um meio de prova.

    E do princípio in dúbio pro reo, resulta que se presume como verdadeiras as declarações dos arguidos até serem infirmadas por prova contrária, mas para tanto o Tribunal tem que verbalizar, indicando, qual a concreta prova ou o raciocínio lógico que contraria aquelas declarações.

    O art. 355º do Código de Processo Penal (proibição de valoração de provas) tem um duplo sentido: se por um lado impede que se valorize uma prova não examinada em audiência, por outro impõe que, uma vez produzida ou examinada em audiência, essa (toda a) prova deva ser considerada na decisão, sendo assim alvo de juízo critico que terá que ser efectuado pelo Tribunal.

    O douto Acórdão em crise é quase totalmente omisso quanto ao necessário exame crítico da prova dos arguidos e praticamente omite a posição destes relativamente aos factos que lhes eram imputados.

    Também os factos não provados, mesmo quando inexistentes, devem ser como tal mencionados na sentença, pois, só assim, a decisão revela que o Tribunal deles não se esqueceu.

    Na decisão de facto proferida, no segmento dos factos não provados, o Tribunal apenas faz referência a 4 factos alegados pelos arguidos na contestação (requerimento para abertura de instrução, reproduzido em sede de contestação), não permitindo assim sequer saber se o Tribunal recorrido apreciou ou não a matéria exposta naquela peça.

    A inexistência de fundamentação sobre a decisão da matéria de facto, nomeadamente sobre a quase total irrelevância, para o Tribunal, das declarações prestadas pelo arguido B… e pelas testemunhas acima referidas (pelo menos na parte em que confirmaram aquelas declarações) e sobre a razão pela qual quase nenhum facto invocado na contestação resultou provado ou não foram elencados e criticamente analisados em sede de factualidade não provada, torna insindicáveis as razões de facto que lhes possam estar subjacentes, acarretando a nulidade do douto Acórdão por total falta de fundamentação com referência quer à enumeração da factualidade não provada constante da...

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