Acórdão nº 51/16.3SGPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução12 de Outubro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 51/16.3SGPRT.P1 Comarca do Porto Porto - Instância Local – Sec. Peq. Criminalidade – J3 (Processo nº 51/16.3SGPRT) Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto I. RELATÓRIO 1. No âmbito dos presentes autos de Processo Sumário, após realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença no dia 16.03.2016 (sentença oral, mas com o dispositivo registado na respectiva acta) na qual se decidiu condenar o arguido B… (devidamente identificado nos autos) como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts 292º nº 1 e 69º nº 1 a) do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão, substituída pela prestação de 180 horas de trabalho a favor da comunidade, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 7 meses.

  1. Inconformado com o assim decidido quanto à medida das penas principal e acessória, e, bem assim, quanto à pena de substituição daquela primeira, o Ministério Público interpôs recurso (constante de fls. 39 a 63), retirando da correspondente motivação as seguintes conclusões (transcrição): 1. Na determinação de medida concreta da pena deverá o julgador ter por norte e linhas de força, as seguintes matrizes: - A culpa do agente, referenciada no facto, que impõe uma retribuição justa e equilibrada. - Exigências decorrentes do fim preventivo especial ligadas à reinserção integral do agente. - Exigências decorrentes do fim preventivo geral ligadas à contenção da criminalidade e à defesa dos valores socialmente dominantes e comunitariamente instituídos. - cfr. artigo 71º, do Código Penal.

  2. Segundo o artigo 40º, a aplicação das penas tem como finalidades a prevenção geral positiva (“protecção dos bens jurídicos”) e a prevenção especial (“reintegração do agente na sociedade”).

  3. Figueiredo Dias, na sua obra Das Consequências Jurídicas do Crime, dá-nos a sua opinião quanto a esta matéria, que se reflectiu na elaboração do artigo 40º, do Código Penal. Para este Autor, como decorrência de um princípio de congruência entre a ordem de valores constitucional e a ordem legal dos bens jurídicos tutelados pelo direito penal, só as finalidades relativas, não as absolutas, de prevenção (geral e especial) podem justificar a intervenção do direito penal, conferindo fundamento e sentido às penas.

  4. Assim, a pena tem como finalidade o reforço da consciência jurídica da comunidade e um reforço do seu sentimento de segurança face às violações da lei por alguns dos seus elementos. Pretende a pena a estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida. Mantém-se, através da pena, o crédito social que merecem as normas violadas, normas essas que mantêm em pleno a sua eficácia e se encontram em plena vigência apesar do desrespeito às mesmas.

  5. Na verdade o desvalor de acção e de resultado, a gravidade objectiva dos factos e a culpa do arguido, exorbitam e excedem, no seu conjunto, largamente a medida concreta da pena fixada na sentença recorrida.

  6. Em primeiro lugar, apesar de não ser descipiendo e de obviamente sopesar, os antecendentes criminais do arguido, uma vez que o comportamento do mesmo revela condutas anteriores não conformes com a lei.

  7. Mesmo, que consideremos os factos aplicados ao arguido, na estrita medida em que o foram, afigura-se-nos, que os termos da condenação da sentença recorrida peca por uma excessiva benevolência.

  8. O dolo do arguido é intenso, a que acresce a reiteração na prática de ilícitos criminais, bem como a ausência total de motivo.

  9. Reflexo disso os antecedentes criminais do arguido e a forma como o mesmo adopta comportamentos totalmente desconformes com o direito, mais, a frequência com que estes ilícitos criminais são praticados, criando intranquilidade na população.

  10. A culpa do arguido bem como a intensidade do dolo são muito elevadas e adequa-se a essa gravidade, acompanhando essa ilicitude.

  11. No caso dos presentes autos consideramos que para além dos pressupostos legais formais, que supra foram mencionados, decorrente das condenações anteriores que o arguido sofreu, existe factualidade subsequente demonstrativa de que o arguido não se sentiu suficientemente advertido ou intimidado com as condenações anteriores para não delinquir, verificando-se que o arguido continua a carecer de socialização acrescida, exigindo-se uma censura acrescida em termos de culpa.

  12. Tal não foi devidamente ponderado pela Mma. Juiz na fixação da pena de prisão que aplicou e nos moldes como o fez.

  13. A crença da comunidade na validade das normas incriminadoras, os sentimentos de segurança e de confiança nas instituições jurídico-penais impõem igualmente a aplicação de uma pena de prisão superior aquela que foi fixada, bem como impõem que a mesma não seja substituída pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.

  14. Ao arguido foi aplicada pena de multa pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal e pena de prisão suspensa na sua execução pela prática de um crime de violência doméstica, não tendo tais penas surtido no arguido o efeito desejado.

  15. Após a aplicação das citadas penas o arguido possui pelo menos mais dois processos pendentes, tendo tais processos sido analisados na audiência de julgamento, conforme resulta dos factos dados como provados e da acta da audiência, e resultando dos autos de processo n.º 36/16.0SGPRT que o arguido foi condenado no dia 24 de fevereiro de 2016 pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez (com uma taxa de álcool no sangue de 2,59 g/l, a que corresponde após dedução do erro máximo admissível o valor apurado de 2,383 g/l), previsto e punido pelo disposto no artigo 292º, n.º 1, do Código Penal, na pena de quatro meses de prisão, substituída, nos termos do disposto no artigo 58º, n.º 1, do Código Penal na pena de cento e vinte horas de trabalho a favor da comunidade, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de quatro meses, nos termos do disposto no artigo 69º, nºs 1, alínea a) e 2, do Código Penal, não tendo tal condenação transitado em julgado aquando da sentença proferida nestes autos e dos autos de processo 731/15.0PTPRT resulta que o arguido possui julgamento agendado para o dia 21 de abril de 2016, pelas 10 horas, encontrando-se o mesmo acusado da prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo disposto no artigo 348º, n.º 1, alínea a), do Código Penal e artigo 152º, nºs 1, alínea a) e 3, do Código da Estrada e artigo 69º, nºs 1, alínea c), do Código Penal e um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo disposto no artigo 3.º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro.

  16. Ora o comportamento do arguido deveria passar a ser irrepreensível, o que não veio a acontecer.

  17. O comportamento do arguido, quer anterior quer posterior aos factos, não constituem bom augúrio relativamente à sua efetiva reinserção na sociedade.

  18. Ora, todas as condenações e penas anteriormente sofridas pelo arguido integram um percurso criminoso objetivamente revelador de uma personalidade já com caraterísticas de desestruturação pessoal, com reflexos na persistência de crimes relacionados com a condução de veículo em estado de embriaguez e condução de veículo sem habilitação legal, praticados com continuidade e consistência, demonstradora de indiferença por valores fundamentais para a vida em sociedade.

  19. Mais, as penas aplicadas anteriormente aos factos destes autos, não foram eficazes para a conformação da personalidade do arguido no respeito pela lei, de molde a fazê-lo interiorizar, definitivamente, que não pode voltar a delinquir. E, salienta-se, esta situação mantém-se mesmo depois da recente condenação que foi proferida no processo n.º 36/16.0SGPRT, mostrando o arguido completa indiferença pelas normas e pela ordem jurídica, prosseguindo no seu comportamento criminoso, cometendo novos crimes.

  20. Uma forma de cumprimento mais branda da pena, face à personalidade demonstrada pelo arguido, dar-lhe-ia um sinal errado sobre o modo como a sociedade vê o crime que praticou e, como tal, poderia até comprometer a sua recuperação.

  21. Deste modo, perante os factos provados e todo o exposto, é nosso entendimento que ao arguido deve ser aplicada uma pena de prisão superior aquela que foi fixada.

  22. A função primordial de uma pena, sem embargo dos aspectos decorrentes de uma prevenção especial positiva, consiste na prevenção dos comportamentos danosos incidentes sobre bens jurídicos penalmente protegidos.

  23. O seu limite máximo fixar-se-á, em função da medida da culpa revelada, que assim a delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que social e normativamente se imponham.

  24. O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que em concreto ainda realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos.

  25. Dentro destes dois limites, situar-se-á o espaço possível para resposta às necessidades da reintegração social do agente.

  26. Neste sentido, a medida da tutela dos bens jurídicos, como finalidade primacial da aplicação da pena, é referenciada por um ponto óptimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo que ainda seja suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma ou a valência dos bens jurídicos violados com a prática do crime. Entre esses limites devem satisfazer-se, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.

  27. Quer dizer, as exigências de prevenção fixam, entre aqueles limites óptimo e mínimo, uma submoldura que se inscreve na moldura abstracta correspondente ao tipo legal de crime e que é definida a partir das circunstâncias relevantes para tal efeito e encontrando na culpa uma função delimitadora do máximo da pena. Entre tais limites actuam, justamente, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.

  28. O grau de ilicitude da conduta do arguido é elevado, designadamente...

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