Acórdão nº 2255/15.7T9PRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução12 de Outubro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Rec nº2255/15.7T9PRT TRP 1ª Secção Criminal Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto No Proc. C.C. nº2255/15.7T9PRT do Tribunal da Comarca do Porto – Porto – Instância Central – 1ª Secção Criminal – J2 foi julgado o arguido: B… Após julgamento por acórdão de 23/6/2016 foi proferida a seguinte decisão: “Pelo exposto, acordam os Juízes que integram o Tribunal Colectivo da 1ª Secção Criminal da Instância Central da comarca do Porto em julgar a pronúncia totalmente improcedente, absolvendo o arguido B… dos crimes de violência doméstica agravada de que vinha acusado.

Sem custas, por não serem devidas – artigos 513º, 514º e 522º, todos do Código de Processo Penal.

*Proceda ao depósito.

*Declara-se cessada a medida de coacção nos autos aplicada ao B….

*Após trânsito em julgado, efectue a comunicação prevista no artigo 37º da Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro.

*Assim que requerido, restitua o cinto recolhido a fls 502 às pessoas que o tinham na sua posse (o arguido e a C…), sem prejuízo do disposto no artigo 186º do Código de Processo Penal.” Recorre o MºPº, o qual no final da sua motivação apresenta as seguintes conclusões: 1 – O arguido B... foi absolvido da prática de dois crimes, agravados, de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152.º, n.º 1, al. d), e nº 2, do CP, contra os ofendidos C... e D..., respetivamente tia e pai do arguido, quanto à primeira, por se entender que sobre o arguido não recaía o dever de garante, e, quanto ao segundo por entender que das condutas descritas na acusação/pronúncia não consta a referência a que a conduta do arguido tenha provocado mal estar físico, ou tenha colocado em causa o funcionamento das funções corporais do ofendido D.... E, quanto aos insultos dirigidos pelo arguido a seu pai, por se entender que essa conduta, isoladamente, não preenche o tipo de ilícito previsto no art.º 152.º do CP.

2 - Quanto ao bem jurídico: o bem jurídico protegido pela incriminação do art.º 152.º do CP é a saúde, bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, que pode ser afetado por uma multiplicidade de comportamentos que impeçam ou dificultem o normal e saudável desenvolvimento da personalidade ou prejudiquem o possível bem estar dos idosos ou doentes que, mesmo que não sejam familiares do agente, com este coabitem.

3 – Quanto à omissão e ao dever de garante: São elementos essenciais do crime omissivo impróprio: a situação típica geradora do dever de agir; a imposição legal do dever de agir; a qualidade do autor (posição de garante); a capacidade de ação do autor; a não realização da ação imposta pelo dever; a produção de um resultado equivalente ao produzido pela ação; e, a causalidade hipotética.

4 - No Ac. STJ de 18-06-2008, foi decidido que o art. 10.º do CP faz equivaler, em geral, a omissão á acção, nos crimes de resultado. Mas a punibilidade do agente (aliás, omitente) depende da existência de um específico dever jurídico (não apenas ético) que o obrigue a agir, a evitar o resultado. O omitente, para ser punido, deve ocupar a posição de garante da não produção do resultado. ... Assim, o fundamento da punição da omissão reside na equivalência entre o desvalor da acção e o desvalor da omissão.

5 - Os deveres de garante supõem antes de mais uma relação de dependência entre o obrigado e o beneficiário desse dever, no sentido de que o obrigado ao dever de garante deve evitar a concretização de perigos em lesões do bem jurídico do beneficiário do dever de garante. Essa relação de dependência compreende, nomeadamente, o dever de assistência, entre pais e filhos, consagrado pelo art.º 1874.º do C. Civil. Entre pais e filhos, há pois um dever jurídico pessoal legal de garante.

6 - Porém, embora o CP não mencione expressamente a lei, o contrato e a ingerência como fundamentos do dever jurídico de garante, o certo é que estas tradicionais fontes de equiparação da omissão à ação constituem um fundamento da responsabilização penal do omitente pelo resultado.

7 - A ingerência, enquanto criação não lícita de uma situação de perigo para bens jurídico-penais, é também fonte do dever jurídico de garante e, portanto, da responsabilização penal do omitente pelo resultado, a título de crime de comissão por omissão.

8 - A fonte do dever jurídico de garante, com base na ingerência, reside no princípio de que quem cria uma situação de perigo tem a obrigação jurídica de praticar a ação (possível) adequada a impedir a concretização do perigo, ou seja, a produção do resultado.

9 - O fundamento do dever de garante parece assentar nos limites do uso da liberdade. Não se trata de exigir abstenção de toda ação perigosa, mas que em razão da perigosidade de certos comportamentos se atue cuidadosamente e que eventualmente se pratiquem novos atos aptos a evitar que a perigosidade dos iniciais cause a efetiva lesão dos bens jurídicos. O resultado típico tem de considerar-se objetivamente imputável, segundo as regras gerais, ao imcumprimento do dever de garante.

10 - Preenche o conceito de ingerência, a conduta do arguido B..., que, em 2014, apesar de residir sozinho com os ofendidos D... e C..., nascidos respetivamente em 19.02.2029 e 09.03.1927, como resulta dos factos provados em, I, b) e j) 5, recusou a prestação de apoio domiciliário e a integração do D... e C... em "Centros de Dia, como é referido no ponto I, l), dos factos provados.

11 - Recusa que o arguido reiterou em 09.02.2015, não obstante a proposta por parte da PSP e Segurança Social, relativamentre a C... como foi considerado provado no ponto I, ab).

12 - Como ficou provado, o arguido vivia sozinho, e desde há vários anos, como os ofendidos D... e C..., competindo-lhe por isso, em consequência da sua recusa na integração dos mesmos em Centros de Dia, assegurar-lhes os indispensáveis cuidados, designadamente de "SAÚDE", atenta a idade dos mesmos.

13 - Ao recusar a prestação de apoio domiciliário e a integração dos ofendidos em "Centros de Dia" o arguido B... assumiu a responsabilidade moral e jurídica de cuidar de ambos os ofendidos e, consequentemente, o dever de lhes assegurar o fornecimento dos cuidados de alimentação, dos cuidados médicos necessários e também de lhes proporcionar um ambiente saudável.

14 - Sobre o arguido incidia o dever de garante, quanto ao ofendido D..., decorrente, além do mais, do disposto no nº 1 do artigo 1874º do Código Civil, como é reconhecido pelo Tribunal, e, quanto à ofendida C..., decorrente da ingerência do arguido, ao recusar a prestação de apoio domiciliário e a sua integração em Centro de Dia, bem como do facto de coabitar, sozinho, com os ofendidos há vários anos.

15 - Quanto às omissões do dever de garante, consideradas provadas no ponto I, al. j), 1 a 7.

O Tribunal, embora tenha considerado provadas todas as referidas omissões (al.j), 1 a 7), a verdade é que parece não retirar delas as devidas consequências.

16 - Quanto à C..., por entender, erradamente, pelas razões supra expostas, que, relativamente a esta ofendida, não impendia sobre o arguido o dever de garante, de cuidar da sua “saúde“.

17 - Quanto ao ofendido D..., por entender, como parece resultar da fundamentação do Acórdão, que o bem jurídico protegido é apenas a integridade física.

18 - Porém, deverá ser considerado que, não é apenas a integridade física o bem jurídico protegido pela norma em apreço, mas sim a SAÚDE, protegendo assim, o art.º 152.º do C. Penal, um bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, que pode ser afetado por uma multiplicidade de comportamentos que impeçam ou dificultem o normal e saudável desenvolvimento da personalidade, ou prejudiquem o possível bem-estar dos idosos ou doentes que, mesmo que não sejam familiares do agente, com este coabitem.

18 – Haverá, por outro lado, de considera-se que as condutas omissivas do arguido, consideradas provadas no ponto I, al. j), 1 a 7, atingem uma gravidade tal, e são de tal modo danosas para a SAÚDE dos ofendidos, que não poderão deixar de considerar-se como de abuso sobre os idosos.

19 - De facto, "a pessoa de idade que não é alimentada, que não beneficia de cuidados médicos necessários, a quem não se dirige a palavra por dias e semanas a fio, sofre maus tratos físicos e psicológicos que responsabilizam necessariamente aquele que tem o dever de cuidar dela e que se encontra em condições de o fazer".

20 - Mostra-se, que as condutas omissivas do arguido B..., designadamente, não assegurando a alimentação adequada dos ofendidos D... e C..., não assegurando a prestação de cuidados de higiene a seu pai, não cuidando mínimamente da limpeza da habitação e mantendo-se fora de casa todo o dia e deixando sozinhos os referidos ofendidos, em condições deploráveis, violam claramente os deveres decorrentes da sua posição de garante, quanto à SAÚDE dos dois ofendidos.

21 - Quanto à restante matéria de facto considerada provada e condutas do arguido, por omissão e ação, de que se salientam: - os factos considerados provados nas al. e) a h), reveladores, por um lado, da incapacidade dos ofendidos, e, por outro lado, da carência, que tinham, de que lhes fosse fornecida a alimentação necessária, o indispensável acompanhamento médico, a criação de condições de habitabilidade mínimas e que lhes fosse prestado o carinho que deveriam ter recebido do arguido, enquanto filho e sobrinho dos ofendidos; - os factos considerados provados nas al. e) a h), reveladores, de que o arguido não cumpriu, minimamente, as obrigações decorrentes do dever de garante da SAÚDE dos ofendidos; - os factos considerados provados nas al. ai) e aj), reveladores, do "abuso individual", que pode assumir diferentes formas, designadamente, o abuso financeiro (o património ou bens do idoso são utilizados sem o consentimento em benefício alheio); - os factos considerados provados na al. ak), quanto aos quais deverá ser entendido que constitui violência doméstica sobre o idoso a sua sujeição permanente a gritos, ameaças e insultos, dado o evidente efeito que...

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