Acórdão nº 276/11.8TAVLC.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução12 de Outubro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Rec nº 276/11.8TAVLC.P2 TRP 1ª Secção Criminal Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto No Proc. de Instrução nº 276/11.8TAVLC do Tribunal da Comarca de Aveiro – Santa Maria da Feira - Instância Central – 3ª Secção Instrução Criminal – J1 em que é arguido - B… e assistente C… foi por despacho de não pronuncia, de 21/10/2015, no final da instrução requerida pelo assistente, decidido: “Termos em que, por todo o exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 308º, n.º 1 e 287.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal, decido não pronunciar o arguido B… pela prática do crime de abuso de poder e do crime de peculato de uso, previstos e punidos, respetivamente, pelo artigo 382º e pelo artigo 376º, n.º 2, ambos do Código Penal.

*Custas a cargo do assistente, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal (artigos 515.º, nº 1, alínea a) e 517.º, a contrário, ambos do Código de Processo Penal e artigo 8º do Regulamento das Custas Processuais).” Recorre o assistente o qual no final da sua motivação apresenta as seguintes conclusões: “1° - O despacho de não pronúncia de que se recorre enferma de erro notório na apreciação da prova violando o n°.2, alínea c) do art. 410 do C.P..

  1. - O dito despacho enferma ainda de contradição insanável da fundamentação - art. 410, n°.2 alínea b) do C. Penal.

  2. - A instrução visa apurar a suficiência ou insuficiência dos indícios de ocorrência do ilícito criminal por forma a pronunciar ou não o arguido por remissão à teoria da probabilidade dominante, que nos parece a mais adequada.

  3. - Entende a Meritíssima Juiz a quo que os factos indiciados no termo do inquérito são exactamente os mesmos que resultam indiciados no termo da presente instrução.

  4. - O que não se aceita.

  5. - Na verdade esses factos são os seguintes: - O arguido B…, exerceu o cargo de vereador da Câmara Municipal de …, com o pelouro das obras públicas entre 2002 e 2004, data em que passou a ser Presidente da Câmara daquela autarquia.

    - Para condução das águas de um poço que construiu até á sua habitação com instalação de tubagem teve que proceder à repavimentação de uma via pública.

    - O arguido pagou tal obra de repavimentação á Câmara Municipal com base num orçamento que lhe foi apresentado pelos serviços daquele, mas tal orçamento apenas contabilizou o material e a mão de obra, chegando a um valor de € 300,00, muito abaixo dos preços praticados e valores de mercado.

    - O preço indicado para aquela obra, quer por entidades privadas, quer públicas (outras Câmaras) é superior a € 2.000,00.

    - Acresce que foi utilizada maquinaria, bem como um camião de transporte quer da matéria prima, quer da maquinaria utilizada sem que tal fosse contabilizado no orçamento que a Câmara Municipal apresentou.

    - A C. Municipal não faz esse tipo de obra para os munícipes, mas fê-lo ao seu Presidente da Câmara Municipal, ora arguido.

    - A justificação da urgência e necessidade da obra, para que a C. Municipal fizesse a obra, foi a de que se tratava de uma via pública importante, por ser de acesso a uma empresa, cujos camiões ali passavam (Depoimento da Eng. D… à Policia Judiciária).

    - O arguido procedeu á construção de um poço de água num lote de terreno - lote 5 - situado na Zona Industrial …/… (…).

    - Do dito lote n°.5 tinha a sociedade "E…, Lda.", de que o arguido era sócio, um contrato promessa de compra e venda outorgado entre si e o Município de ….

    - A título pessoal e não a sociedade, o arguido ali construiu um poço de água entre 11 de Abril de 2008 e 22 de Outubro de 2009, com autorização dos restantes sócios, informando-os que trataria da legalização do poço - o que nunca fez.

    - A dita sociedade não concretizou o negócio de compra do lote n°.5, tendo desistido do negócio.

    - Nunca o arguido participou a construção do poço, nem requereu a legalização do mesmo, nem à Câmara Municipal, nem aos outros organismos competentes.

    - Em 2008 é feito com conhecimento e anuência do arguido uma alteração ao loteamento daquela zona industrial, apenas com duas rectificações, sendo uma delas, a criação de um novo lote - o lote ...

    - Tal lote de 19m , sem qualquer acesso foi individualizado do lote n°.5, passando a possuir apenas o poço de água construído pelo arguido, sendo posteriormente adquirido por sua esposa pelo preço de € 900,00.

    - Dado a exiguidade do referido lote, o seu encravamento e a sua incapacidade construtiva, o lote vale apenas pelo valor da água, pelo que tendo o seu valor sido calculado com base na área, fica a Câmara Municipal prejudicada.

    - O acesso ao lote .. ó se pode fazer pelo lote 5, que agora é pertença a Câmara Municipal, por desistência do negócio por parte da firma "E…, Lda.", razão pela qual se vê a autarquia obrigada a vender um lote que está onerado com uma servidão de passagem, diminuindo assim o seu valor e o interesse na sua aquisição por terceiros.

    -Quando o Chefe de Divião de Planeamento informou o arguido de que a criação do lote .. só tinha razão de ser desde que fosse adquirido pelos adquirentes do lote 5, este remeteu-se ao silêncio e omitiu que o poço era de sua propriedade exclusiva e que o pretendia adquirir através de compra a efectuar pela sua cônjuge. -O arguido em razão da sua função e da sua profissão sabia que tal operação urbanística era ilegal, como bem sabia que o preço que os serviços da autarquia lhe apresentaram para a repavimentação era muito baixo e distante dos valores reais e de mercados praticados, como sabia ainda que não lhe foi cobrado o uso da maquinaria necessária á realização daquela obra.

  6. - A Meritíssima Juiz a quo não levou em conta os esclarecimentos prestados em sede de instrução pela testemunha, F…, vereadora da Câmara Municipal, que disse que, só em reunião do executivo em 26/07/2011 os dois elementos do G… que compunham o elenco camarário, tiveram conhecimento da criação do lote .. (poço de água), da sua área e da sua exiguidade, bem como do seu preço, bem como da pessoa que o pretendia adquirir (esposa do presidente), e que se abstiveram com declaração de voto, por lhe ter surgido dúvidas quanto à legalidade daquele processo.

    Esta parte do depoimento da vereadora, foi corroborado pela testemunha também ouvida em sede de inquérito, I…, vereador do mesmo partido e presente na dita reunião.

  7. - Consta ainda da data da dita reunião do executivo, parecer do Chefe de Divisão de Planeamento (acta e parecer junto aos autos) que alerta para a questão do lote .. só poder ser adquirido pelos proprietários do lote ….

  8. - Os vereadores do J… em maioria, votaram favoravelmente a aquisição do lote .. pela cônjuge do presidente declarando que o faziam no sentido do parecer técnico junto com a informação, ora o parecer técnico ad contrarium propõe exactamente o contrário.

  9. - Por sua vez, a testemunha K…, membro da Assembleia Municipal, e não vereador, como ficou dito, engenheiro técnico de profissão, refere no seu depoimento que qualquer obra de repavimentação necessita obrigatoriamente de um cilindro e que o mesmo tinha que ser transportado para o local da obra em camião. Mais refere que o orçamento para esse tipo de obra teria que contemplar o custo da máquina e do seu transporte para estar bem feito.

  10. - Conforme a regra da experiência ensina é, de facto, necessário a utilização da dita máquina e o transporte da mesma até ao local da obra; tendo sido a autarquia a realizar a obra e não constando do orçamento o seu custo, nem tenha sido feito prova pelo arguido de que pagou, é de concluir que o Sr. Presidente da Câmara beneficiou do uso da maquinaria em seu proveito próprio e, portanto, para fins alheios àqueles a que se destinem.

  11. - Ad contrarium, conclui o despacho de não pronúncia, que se não foi demonstrado nos autos o uso de maquinaria, é porque não houve qualquer crime de peculato de uso.

  12. - No modesto entender do recorrente, a conclusão haveria de ser outra: sendo obrigatoriamente necessário o uso de maquinaria para a repavimentação da via, se esta foi feita pela autarquia e se encontra pronta, não se encontrando prova do pagamento da mesma, então é porque não foi paga.

  13. - Mais refere o despacho de que se recorre que "a repavimentação foi feita na sequência de um pedido próprio, "acessível a qualquer munícipe".

  14. - Tal não corresponde à verdade porque como ficou apurado a Câmara Municipal não faz esse tipo de obra aos munícipes, logo esse pedido não é acessível a todos os munícipes.

  15. - Tanto mais que, tendo sido oficializado pelo Tribunal à Câmara Municipal que juntasse aos autos comprovativo de pagamento de execução de obras deste tipo, apenas foi junto um único documento, do ano de 2007. Ou seja, pelo menos entre 2007 e 2015 apenas aparece uma única obra realizada pela Câmara - A obra do então Sr. Presidente da Câmara Municipal! 17° - Refere ainda aquele despacho: "A excepção foi justificada por um critério de celeridade na reposição por beneficiários da via" 18° - Pergunta-se: Se era um pedido acessível a qualquer munícipe porque justificar a excepção? Em que ficámos, abriu-se ou não uma excepção para o Sr. Presidente? 19° - Inquirida uma 2a vez, a Eng. D…, também testemunha do processo, não refere o que disse no seu primeiro depoimento, ou seja inicialmente era por causa da existência de uma empresa no local e do uso dessa via por viaturas pesadas, posteriormente já só era por causa de alguns utentes da via.

  16. - Por outro lado, a vereadora L…, refere no seu depoimento que aquela via não serve nenhuma empresa, pois ela não existe, que aquela via é secundária e que serve apenas uma, ou duas habitações.

  17. - Menciona aquele despacho "mediante um preço que a Câmara Municipal considerou justo".

  18. - Não se vislumbra nos autos qualquer depoimento, qualquer documento ou qualquer outro indício que provocasse tal afirmação.

  19. - O arguido deve de facto ter considerado um preço justo, pois pagou-o. Mas, já nessa data, o arguido tinha na sua posse orçamentos de entidades privadas para aquela obra e sabia que o preço apresentado por aquelas era muito...

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