Acórdão nº 1453/12.0TBGDM-A.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA GRA
Data da Resolução26 de Janeiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

1453/12.0TBGDM-A.P2 Acordam na Secção Cível (1ª Secção), do Tribunal da Relação do Porto:*I – B…, deduziu oposição à execução para pagamento de quantia certa que lhe é movida por C…, S.A., alegando, em síntese, que: não houve resolução do contrato de mútuo, nem foi convencionado que houvesse lugar à resolução automática; não foi convencionado que os fiadores perdessem o benefício do prazo, pelo que rege a norma do art. 782º do Código Civil, não podendo a exequente exigir dos fiadores o pagamento da totalidade da dívida; no que toca à livrança, a mesma nunca foi apresentada a pagamento, o que implica que tenha perdido a sua natureza cambiária, não podendo servir de título executivo; tendo a livrança sido entregue em branco, deveria a exequente tê-lo interpelado, dando conhecimento dos elementos apostos no título.

Conclui pela extinção da instância executiva.

Devidamente notificada, a exequente contestou, alegando em suma que, nos contrato de mútuo em execução, foi expressamente acordado o vencimento de todas as prestações em dívida em caso de incumprimento no pagamento de qualquer uma delas, sem necessidade de qualquer acto ulterior da sua parte, pelo que não era necessária nenhuma interpelação ao executado, sendo que de todo o modo tal interpelação foi feita, tendo sido mandada uma carta, recebida pelo aqui opoente, dando conta do incumprimento e instando os executados a pagar.

Quanto à perda do benefício do prazo, alega que o art. 782º do Código Civil tem natureza supletiva e que foi afastado no contrato quando o executado se assumiu como “fiador e principal pagador”. No que diz respeito à livrança, alega ter enviado aos executados uma carta em que lhes comunicou o preenchimento e data de vencimento, bem como lhes concedeu um prazo para pagamento, pelo que ao executado cabia apresentar-se naquela data a pagar o valor respectivo.

Termina pedindo a improcedência da oposição.

Foi proferido saneador sentença que conheceu do mérito da presente Oposição.

Interposto recurso daquele despacho para o Tribunal da Relação do Porto, foi proferido o douto Acórdão de fls. 234 e ss, o qual revogou aquele despacho, determinando o prosseguimento dos autos, os seus regulares termos.

Foi proferido despacho saneador, com selecção da matéria de facto assente e fixação da Base instrutória, que não sofreu reclamações.

Realizada a audiência de julgamento, veio a ser proferida a respectiva sentença que decidiu julgar parcialmente provada e procedente a presente Oposição à Execução, pelo que, em consequência, julgou extinta a execução apensa, contra o aqui Oponente, quanto às quantias peticionadas com base nos dois contratos de mútuo, prosseguindo apenas contra aquele, quanto às quantias peticionadas com base na livrança exequenda.

*Inconformado, o Exequente interpôs recurso de apelação e juntou as correspondentes alegações, onde, em sede das respectivas conclusões, defende que: 1. Foram apresentados à execução dois contratos de mútuo com hipoteca e fiança, nos quais o Recorrido, por sua livre vontade, se constituiu como fiador e principal pagador, renunciando expressamente ao benefício da excussão prévia, pelo que se tornou responsável solidário pelo pagamento da dívida peticionada. 2. Tudo por força da Cláusula Décima Nona dos referidos contratos, na qual se estipulou que «O “Fiador”, com renúncia ao benefício da excussão prévia, constitui-se fiador e principal pagador de todas as obrigações emergentes para o “Mutuário” do presente contrato.».

  1. Ora, constitui a fiança uma garantia pessoal pela qual se visa obter a satisfação do direito do credor, assegurando o fiador, através dela e pelo seu património, o cumprimento de débitos de outrem, perante um terceiro credor, como decorre do disposto no artigo 627º, n.º 1, do Código Civil.

  2. A subsidiariedade, uma das características desta garantia, não existe quando o fiador renuncia ao benefício da excussão prévia (artigo 640º, alínea a) do CC), o que se verificou no presente caso, como ficou exposto até agora e como é reconhecido na sentença recorrida.

  3. Renunciando o Recorrido ao benefício da excussão prévia e tornando-se responsável solidário, tem o Banco Recorrente direito a exigir-lhe o pagamento da totalidade da dívida exequenda, como o fez.

  4. Pode, portanto, fazê-lo, e nesses precisos termos, uma vez que a norma supletiva do artigo 782º do Código Civil foi expressamente afastada por vontade das partes, não beneficiando o Recorrido, no presente caso, da desaplicação da perda do benefício do prazo aos co-obrigados do devedor.

  5. Acresce que ficou convencionado, na Cláusula Décima Nona dos contratos dados à execução que: «…o não pagamento de uma prestação do empréstimo na data do seu vencimento confere desde logo à “IC” [instituição de crédito] o direito de considerar vencidas todas as outras, independentemente de qualquer prazo contratualmente fixado, pôr termo ao contrato e exigir o integral reembolso daquilo que lhe for devido por força do mesmo, promovendo a sua imediata execução judicial.” (sublinhados nossos).

  6. Ora, tal significa, precisamente, que o vencimento antecipado das prestações vincendas é, de facto, automático, imediato, tudo por força do incumprimento.

  7. Deste modo, clausulou-se nos contratos que a falta de pagamento de uma prestação, na data do respectivo vencimento, implicaria o imediato vencimento de todas as restantes, sem necessidade de qualquer acto ulterior, designadamente sem necessidade de qualquer interpelação.

  8. Assim, a interpelação dos mutuários e fiadores não era necessária, apesar de, no caso em questão.

  9. Em face dos presentes contratos, estamos perante obrigações com prazo certo e fixo, pelo que o vencimento da dívida dá-se independentemente de interpelação, não carecendo o Recorrente de desencadear qualquer interpelação admonitória, aliás como dispõe a alínea a) do nº2 do artigo 805º do Código Civil.

  10. Está em causa uma obrigação a ser liquidada em várias prestações, pelo que a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas as outras, tal como vem estabelecido no artigo 781º do Código Civil.

  11. É certo que, quando seja de aplicar, supletivamente, o disposto no artigo 781º do Código Civil, a necessidade de se proceder à interpelação do devedor existe, uma vez que está na inteira discricionariedade do credor, a avaliação sobre se lhe interessa, ou não, produzir o vencimento das demais, ou aguardar pelo seu pagamento.

  12. No entanto, tendo em linha de conta o que ficou expressamente acordado nos contratos dos autos, a interpelação dos devedores será sempre desnecessária para que se verifique o vencimento de todas as prestações não pagas, uma vez que tal vencimento é, conforme acordado expressamente, imediato.

  13. Ou seja, por força de acordo expresso, o Recorrente credor desencadeou o vencimento imediato e automático das demais prestações, de acordo com a referida discricionariedade que lhe é conferida pela lei, passando a ser essa a regra para os presentes contratos.

  14. Também nesse sentido segue a jurisprudência, se não veja-se, por exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04-06-2013, Proc. 5366/094T2AGD-A.C1, in www.dgsi.pt, onde se lê: “III – Ainda que, face ao disposto no art. 781º do C.C., se deva considerar que o imediato vencimento de todas as prestações e a constituição em mora relativamente às mesmas, pressupõe a prévia interpelação do devedor para cumprir a prestação nesses termos (na sua totalidade), nada obsta a que as partes, ao abrigo da liberdade contratual que a lei lhes faculta, regulem a situação em termos diversos, dispensando a realização de tal interpelação. IV – Assim determinando-se no contrato que o incumprimento de qualquer prestação ou obrigação determina, de forma automática, o vencimento de todo o empréstimo, mais se determinando que, com esse incumprimento, se considera em mora a globalidade do crédito, parece seguro afirmar que as partes outorgantes dispensaram a realização de qualquer interpelação como condição do vencimento da totalidade do crédito e da respectiva constituição em mora”.

  15. Assim como os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-04-2007, Proc. 350/2007-2, e de 09-06-2009, Proc. 606/1998.L1-1, in www.dgsi.pt, que seguem no mesmo sentido.

  16. Reforçando claramente a ideia da desnecessidade de interpelação, veja-se ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05-05-1998 (CJ, 1998, 3.º-77) em cujo sumário é dito: “I- O art. 781º do CC consagra, relativamente às dívidas liquidáveis em prestações, a solução do vencimento automático e não a da mera exigibilidade antecipada.”.

  17. Resulta, pois, clara a ideia de que a interpelação, no presente caso, não é, de todo, exigível.

  18. Sendo igualmente certo que o artigo 782º do Código Civil exclui o fiador das consequências da perda do benefício do prazo nos casos previstos nos artigos 780º e 781º do mesmo diploma, seja subsidiária ou solidária a responsabilidade do fiador, dada a natureza supletiva dessa norma, nada impede o fiador de, no âmbito da liberdade contratual consignada no artigo 405º do Código Civil, assumir a...

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