Acórdão nº 471/14.8T8AVR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelFERNANDO SAM
Data da Resolução26 de Janeiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 471/14.8T8AVR.P1 Do Tribunal da Comarca de Aveiro, Instância Local de Aveiro, Secção Cível – J2, onde deu entrada a 14/10/2014.

Relator: Fernando Samões 1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha 2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró*Acordam no Tribunal da Relação do Porto – 2.ª Secção: I. Relatório B…, S.A., com sede na Av. …, n.º ., Lisboa, instaurou a presente acção declarativa com processo comum contra a C…, S.A.

, com sede na Rua …, n.º .., Lisboa, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de 8.592,64 €, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte: No exercício da sua actividade, celebrou com a D…, S.A., um contrato de seguro do ramo protecção comércio, titulado pela apólice n.º ../……, pelo qual assumiu a responsabilidade pelos danos ocorridos no edifício e mobiliário e/ou equipamentos, incluindo a cobertura facultativa de riscos eléctricos, sito na Estrada Nacional …, …, Aveiro, onde aquela segurada exerce o comércio de bacalhau e afins, possuindo nas suas instalações cinco câmaras frigoríficas e três túneis de secagem.

No dia 8/2/2014, quando os serviços técnicos da ré procediam a trabalhos de manutenção nas linhas de abastecimento público de energia eléctrica, ocorreu, inopinadamente, uma falha de energia, devido a uma troca de fases, que provocou uma quebra de energia na rede de abastecimento público e, quando o fornecimento foi restabelecido, a sua segurada verificou que alguns equipamentos não funcionavam, nomeadamente o compressor de ar comprimido Rubete 200TP e as câmaras de conservação Copeland n.ºs 2, 3, 4 e 5.

Feitas as necessárias averiguações e reparações, constatou-se que o sinistro teve origem na falha de corrente eléctrica proveniente da rede pública e que os danos ascenderam a 9.137,37 €, quantia que, depois de deduzida a franquia acordada, ficou reduzida a 8.223,64 € que pagou à segurada, da qual quer ser agora reembolsada, bem como do montante de 369,00 € referente a despesas que despendeu com as averiguações, do que é responsável a ré enquanto detentora da rede de abastecimento público e por ser negligente na sua manutenção e conservação e não ter tomado medidas de prevenção dos danos verificados.

A ré contestou, alegando, em síntese, que: Exerce, em regime de concessão de serviço público, a actividade de distribuição de energia eléctrica em alta, média e baixa tensão no concelho de Aveiro e que, por força do contrato de fornecimento de energia eléctrica celebrado entre o autor e a “C1…, S.A.”, abastece a habitação do autor.

A rede de média tensão que abastece as instalações da segurada da autora foi bem instalada, segundo as regras da arte e os respectivos regulamentos, encontrava-se e encontra-se em bom estado de conservação e funcionamento.

No dia 8/2/2014, ocorreu um incidente na linha aérea de média tensão que originou a interrupção de fornecimento de energia eléctrica ao Posto de Transformação (PT) da segurada da autora, provocada pela actuação automática das protecções da respectiva rede, face a um súbito e imprevisto arco partido no apoio n.º 18 da linha geral e, consequentemente, uma falta momentânea de uma fase até à identificação e reparação da avaria, a qual foi reparada com a máxima prontidão possível.

Tal incidente não é susceptível de causar quaisquer danos em equipamentos eléctricos, pois apenas provoca a interrupção de fornecimento de energia eléctrica e os equipamentos trifásicos não conseguem funcionar, desde que estejam em boas condições de funcionamento e isolamento, pelo que a avaria dos equipamentos da segurada da autora só poderá ter ocorrido por falta das protecções legalmente exigidas, as quais eram da competência da pretensa lesada.

Para além dela, não houve qualquer outra reclamação, apesar de a mesma rede alimentar 33 PTs de clientes e 58 PTs de distribuição, servindo 5.134 clientes.

Negou qualquer responsabilidade e impugnou os danos alegados, concluindo pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

Na audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar, foi identificado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova, sem reclamações.

Foi realizada a audiência final, após o que, por sentença de 15/7/2015, a acção foi julgada parcialmente improcedente e a ré condenada a pagar à autora a quantia de 4.296,32 €, acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação [que ocorreu a 20.10.2014] e vincendos até efectivo e integral pagamento, calculados à taxa legal correspondente aos juros comerciais.

Inconformada com essa sentença, a ré interpôs recurso de apelação para este Tribunal e apresentou a sua alegação com as seguintes conclusões: “1– Verifica-se erro na apreciação da prova, impondo-se a reapreciação da matéria de facto dada como assente de forma a que conste como Facto Não Provado que a segurada da autora verificou que alguns dos seus equipamentos não funcionavam quando o fornecimento de energia eléctrica foi restabelecido, atendendo a que este ocorreu durante o fim de semana (madrugada de 08.02.2014), sem que estivesse presente qualquer funcionário nas instalações da firma D…, Lda (Ponto 6. da Factualidade Assente); 2- Que conste como Facto Provado que a ocorrência, nesse dia 08.02.2014, na rede eléctrica de Média tensão da ré, de falta de fase não é fenómeno susceptível de causar quaisquer danos em equipamentos de clientes fornecidos por energia eléctrica, provocando, tão somente, a interrupção de fornecimento de energia eléctrica e o consequente não arranque dos equipamentos trifásicos (Alínea d. da Factualidade Não Provada); 3- Do mesmo modo, deveria o tribunal recorrido, face à prova produzida em audiência de julgamento, ter dado como Provado que para além da firma segurada da autora, nenhum outro cliente apresentou à Ré Recorrente qualquer reclamação de danos ou prejuízos em equipamentos relacionados com a falta de fase na rede eléctrica (Alínea e. da Factualidade Não Provada); 4 – Deve ainda dar-se como Facto Provado que a rede eléctrica que abastecia, à data dos factos, as instalações da firma segurada da autora se encontrava em bom estado de conservação e funcionamento, atento o documento de licenciamento junto pela recorrente e os depoimentos técnicos prestados que relataram minuciosa e circunstanciadamente os diversos tipos de manutenção sistemática, preventiva e correctiva a que a rede eléctrica em causa foi sujeita (Alínea f. da Factualidade Não Provada); 5 – Que se considere como Provado que nem a instalação da segurada da recorrida nem os seus equipamentos de frio estavam dotados dos sistemas (obrigatórios) de protecção destinados a evitar danos em equipamentos trifásicos por eventual ocorrência de falta de fase (alínea g. da factualidade dada como não provada) atento prima facie o facto de se ter dado como Provado (Pontos 24 a 26 da Factualidade Assente) que estes não atuaram por comprovada falta de calibração/dimensionamento a eventuais ocorrências de falta de fase, sendo certo que estes sistemas de protecção (“relés térmicos”) apenas têm esta específica função e que o seu correcto funcionamento (regulação) é da responsabilidade técnica do Responsável da instalação dos consumidores, conforme o disposto nas Regras Técnicas das Instalações Eléctricas, aprovadas pela Portaria nº 949-A/2006, de 11 de Setembro de 2006; 6- Considera a recorrente, consequentemente, que o tribunal a quo errou na aplicação do direito, maxime, dos artigos 487, nº 2, 570º e 799 do C. Civil. E do Ponto 553.3 da Portaria nº 949-A/2006, de 11 de Setembro de 2006, porquanto inexiste matéria de facto nos autos que comprove quer a culpa da recorrente, quer o nexo causal entre o evento e os invocados danos e que, em última ratio, estes ocorreram por exclusiva culpa da lesada, atenta a matéria de facto dada como assente nos Pontos 22 a 26 da Factualidade Provada, assim se excluindo o dever de indemnizar da Ré C….

7 - Não havendo, assim, qualquer conduta censurável da apelante C… não estão preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnizar.

8 - Havendo outrossim errado julgamento face à obrigação regulamentar da firma segurada da Autora, porquanto, mesmo que em sede de raciocínio tivesse ocorrido a alegada sobrecarga decorrente da falta de fase, esta poderia e deveria ter sido evitada, conforme impõe o Ponto 553.3 da Portaria nº 949-A/2006, de 11 de Setembro de 2006; 9 - Ao decidir como decidiu, o Mmo Juiz fez errada interpretação dos meios de prova, violando, além do mais, o disposto nos artigos 487, nº 2, 570º, 798º e 799º todos do C.Civil e do Ponto 553.3 da Portaria nº 949-A/2006, de 11 de Setembro de 2006; Nestes termos e nos melhores de Direito, conforme douto suprimento de Vªs. Excelências, deverá revogar-se a douta decisão recorrida e, em consequência, deverá ser proferido Acórdão absolvendo a Recorrente no pedido.

Assim decidindo, farão Vªs. Excias. Inteira JUSTIÇA” A autora contra-alegou pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, modo de subida e efeito que foram mantidos por esta Relação.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.

Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões da recorrente (cfr. art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do actual CPC, aqui aplicável), não podendo este Tribunal de 2.ª instância conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais que aqui não relevam, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, as questões que importa dirimir consistem em saber: 1. Se deve ser alterada a matéria de facto impugnada; 2. Se inexiste culpa da ré ou, existindo, se a mesma se encontra excluída; 3. E se não existe nexo de causalidade entre a falta de fornecimento de energia e os danos sofridos pela segurada da autora, em termos de poder ser responsabilizada por eles a demandada.

  1. Fundamentação 1. De facto Na...

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