Acórdão nº 554/09.6TVPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelMANUEL DOMINGOS FERNANDES
Data da Resolução11 de Janeiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 554/09.6TVPRT.P1-Apelação Origem: Varas Cíveis do Porto-2ª Vara Cível Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Rita Romeira 2º Adjunto Des. Caimoto Jácome Sumário: I- Na reapreciação da prova a Relação goza da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção.

II- A relação de administração assume natureza contratual, mesmo nos casos em que, por imposição legal ou estatutária, a escolha dos titulares da gestão ou de algum deles não é feita pelo colectivo dos sócios.

III- A acção destinada a obter a indemnização a que um gerente destituído se julga com direito invocando a inexistência de justa causa, é uma acção condenatória que comporta uma apreciação negativa acerca dessa inexistência, pelo que, face ao disposto no artigo 343º do Código Civil, compete à sociedade a invocação e prova dos factos que fundamentam o afastamento compulsivo do gerente.

IV- É em concreto, e objectivamente, que se afere se a conduta imputada ao gerente constitui motivo de destituição com justa causa, isto é, se o facto ou situação imputados prejudicam de tal modo o interesse social que impõem a ruptura do vínculo, se afrontam a actuação de um gestor criterioso e ordenado, em benefício do interesse social e tendo em conta o interesse dos sócios.

V- A justa causa de destituição dos gerentes, administradores e directores não tem, necessariamente, que traduzir-se num comportamento culposo àqueles imputável, ainda que este também a possa determinar, aliás, por assim ser é que a incapacidade por impedimento físico justifica a destituição (artigos 257.º, nº 6 e 403.º, nº 4 do CSComerciais).

VI- A indemnização quando a destituição seja sem justa causa não é uma consequência automática desta, por isso se tem julgado que o direito de indemnização implica forçosamente a comprovada existência de danos, exigindo-se a demonstração de factos reveladores de que a situação real do lesado é, após a destituição, mais gravosa do que aquela em que se encontraria sem ela.

VII- O simples cômputo das remunerações e prémios que, não fora a destituição, seriam auferidas até ao termo do mandato do administrador, é insuficiente para caracterizar danos passíveis de serem objecto de indemnização devida.

*I-RELATÓRIO Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B…, residente na Rua …, …, …, Coimbra, veio instaurar a presente acção, inicialmente sob a forma ordinária, contra C…, S.A., C1…, S.A., ambas com sede na Rua …, …, Porto, D…, S.A., com sede na Rua …, .., ...º, Lisboa, e E…, S.A., com sede na Av.ª …, …, Porto, pedindo que: - se considere que a destituição do A. pela Ré C… ocorreu sem justa causa; - se condene a Ré C… a pagar ao A. a quantia de € 441.428,52, relativa à indemnização pelos danos sofridos nos termos previstos pelo Contrato de Administração; - se condene as RR. a pagar ao A. a quantia de € 163.200,00 relativa ao prémio anual de 2008 previsto na Side Letter; - se condene as RR. a pagar ao A. o prémio anual de 2009 (proporcional) previsto na Side Letter, a liquidar em execução de sentença; - se condene as RR. no pagamento dos juros sobre as quantias referidas, à taxa legal, desde 10.03.2009, até efectivo ou integral pagamento, e que, até ao presente momento, liquida em € 5.234,54; - se condene as 2ª, 3ª e 4ª RR. a pagar ao A. o valor previsto no Contrato de Ratchet, a liquidar em execução de sentença; - se condene as 2ª, 3ª e 4ª RR. no pagamento dos juros, à taxa legal, também sobre esse montante desde a data da alienação destas RR. na Ré C…, e até efectivo ou integral pagamento; - se condene as RR. a pagar ao A. a quantia de € 25000,00 a título de danos morais, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da citação e até efectivo ou integral pagamento.

*Alega, em suma, que a requerida C…, enquanto sociedade cuja actividade consiste na aquisição e gestão de participações de outras sociedades de torrefacção, comercialização e distribuição de cafés, foi constituída com o objectivo de congregar, por intermédio de múltiplas aquisições, numa única organização (a C…), uma série de pequenos intervenientes no mercado dos cafés até alcançar uma fatia significativa do mercado e, atingido esse objectivo, vender a Ré C…, e que, por sua vez, as restantes Rés são as suas únicas accionistas.

Refere, ainda, que, no âmbito da sua actividade a Ré C… necessitou de contratar um administrador, responsável por toda a sua actividade operacional, pelo que, para esse efeito, contactou o A. tendo ambos celebrado, em 12.12.2007, um contrato denominado de “contrato de administração”, passando, assim, por essa via, o A. a integrar o conselho de administração daquela, mais subscrevendo um complemento ao contrato referido, no qual foi atribuído ao A. o direito a receber parte das mais-valias que aquelas RR. receberiam pela venda das suas participações na Ré C…, conforme estava por elas planeado, que denominaram de “Contrato de Ratchet”.

Por outro lado, invoca que foi ainda celebrado entre A. e Rés um acordo anexo ao contrato de administração celebrado, denominado de side letter, onde eram previstas algumas regalias e prémios para o A., sendo, entre outros benefícios, atribuído ao A. um prémio anual, caso atingisse uma determinada percentagem dos objectivos estabelecidos.

Prémio esse que, alega, consiste no pagamento de um montante variável, indexado à percentagem de cumprimento do rendimento bruto (EBITDA) da requerida C…, e relativo ao montante que auferia anualmente.

Menciona também que, ao longo do tempo em que esteve na administração da Requerida C…, foi cumprindo as suas funções e tarefas com zelo, diligência e com a competência que a sua experiência profissional lhe conferia, nada justificando a sua destituição, por acta da Assembleia Geral da Ré C… de 10.03.2009, comunicada por carta de 11.3.2009, apenas querendo e visando afastar o A. da sua função sem suportarem os encargos, o que os constituiu, segundo invoca, na obrigação de o indemnizarem pelos prejuízos para si decorrentes dessa destituição ilícita, ou seja, nomeadamente: - pela indemnização prevista na cl.ª 5.ª do dito contrato de administração, no valor de € 441.428,52; - pelo prémio pelo cumprimento dos objectivos referente ao ano de 2008, constante da side letter , no montante de € 163.200,00; - pelo prémio pelo cumprimento dos objectivos referente ao ano de 2009, constante da side letter , determinável aquando da aprovação de contas de 2009; e - pelo valor atribuído ao Rachet, correspondente a uma percentagem pelas mais valias recebidas pelas 2.ª, 3.ª e 4.ª RR. aquando da venda das suas participações na requerida C…, só determinável nessa altura, e a quantia não inferior a € 25.000,00, a título de danos morais.

*Citadas previamente, as Rés, vieram contestar, arguindo, para além da ilegitimidade da Ré E…, a inexistência de qualquer dos direitos invocados, por considerar que, relativamente ao denominado contrato de administração, em que é parte a Ré C…, a indemnização prevista na sua cl.ª 5.ª, apenas seria devida em caso de renúncia com justa causa ou de destituição sem justa causa, pelo que, tendo-se alegadamente verificado uma conduta do autor consubstanciadora de uma violação grave e reiterada dos seus deveres de administrador e uma inaptidão para o exercício normal das respectivas funções, com prejuízos económicos e financeiros nas sociedades em que a referida demandada é a única accionista, directa ou indirectamente, conclui pela existência de justa causa para a destituição do direito e, assim, pela inexistência de qualquer direito seu a qualquer indemnização a tal título.

Nessa conformidade, invoca que o A. nunca teria direito a mais do que as remunerações que lhe seriam pagas entre Março e Dezembro de 2009, na medida em que foi eleito para o triénio 2007/2009, terminando o mandato a 31.12.09, e recebeu as remunerações mensais e subsídios vencidos entre 7.1.08 e 2.3.09.

No que respeita à side letter, refere que o compromisso de pagamento do prémio anual aí referido só existiria se e enquanto se mantivesse o vínculo de administração, pelo que, tendo sido destituído, extinguiu-se o vínculo de administração e, assim, o seu direito a qualquer prémio anual, para além de, igualmente considerarem que, de qualquer das formas, nunca o mesmo ser devido, por não cumpridos os mencionados objectivos de EBITDA e de cobranças.

Quanto ao contrato de ratchet, de que a Ré C… não é parte, invocam que o direito ao ratchet só se constitui com a alienação por cada das accionistas da respectiva participação, o que diz não se ter verificado, e depender de, no momento da alienação da participação por uma ou mais das accionistas, o A. ainda ser administrador da C…, pelo que, no momento em que essa alienação ocorrer, o A. não será já o administrador da C…, assim nunca se constituindo esse direito na sua esfera jurídica.

Relativamente à matéria factual articulada pelo A., as Rés vieram impugná-la, pedindo a absolvição da instância da Ré E…, por ilegítima, e, a final, a improcedência da acção, com a consequente absolvição das Rés do pedido.

*Replicou o A., pronunciando-se quanto à excepção de ilegitimidade invocada, pugnando pela sua improcedência e pela procedência da acção, mantendo o peticionado, em suma, referindo que o EBITDA só pode ser elaborado com todas as participadas da C…, a partir do momento em que foram adquiridas, e o Business Plan só pode ser considerado como válido considerando como ano em que efectivamente a F… e a G… foram adquiridas, defendendo que os objectivos propostos no Business Plan deviam ser corrigidos, considerando a realidade do mercado e a actividade das próprias participadas, nomeadamente a perda do seu principal cliente por motivos alheios ao trabalho do A., pelo que, conclui, não se verificar justa causa de destituição e, assim, o direito do A. à indemnização, face à destituição ilícita e ilegal do A., porque sem justa causa, que lhe...

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