Acórdão nº 682/10.5TAVFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Janeiro de 2016

Data da Resolução13 de Janeiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso Penal 682/10.5TAVFR.P1 Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1.

Relatório 1.1. A assistente nos autos acima referenciados, “B…, LIMITADA”, inconformada com o despacho que indeferiu o seu requerimento para abertura de instrução relativamente à sociedade C… & FILHOS, D… e E…, recorreu para este Tribunal da Relação, terminando a motivação do recurso com as seguintes conclusões (transcrição): “56.1 O Juiz de Instrução do Tribunal a quo, apesar de admitir que no requerimento de abertura de instrução se procedeu “a uma narração circunstanciada – com indicação de tempo, modo e lugar – dos factos passíveis de integrar os tipos legais de crime a que faz referência, os factos que seriam susceptíveis de fundamentar a aplicação aos arguidos de uma pena ou de uma medida de segurança e bem assim a indicação das disposições legais aplicáveis”, rejeitou a abertura da fase de instrução nestes autos.

56.2. O fundamento utilizado para a rejeição foi a suposta não alegação de factos capazes de integrar o elemento subjectivo do tipo legal do crime de insolvência dolosa, o que, salvo o devido respeito não sucedeu porquanto a ora recorrente caracterizou a culpa dos agentes do crime.

56.3. O crime de insolvência dolosa, previsto no art. 227.º n.º 1 do Código Penal caracteriza-se pela criação de estratégias ou de esquemas, por parte de um devedor, ou dos seus representantes (face aos arts. 227.º n.º 3 e 12.º do Código Penal), que permitam o seu enriquecimento, à custa da diminuição real ou fictícia do património do mesmo devedor, que fica numa situação de incapacidade de satisfazer as suas obrigações jurídicas.

56.4. O bem jurídico-penal tutelado é, portanto, o património dos credores, que não necessita de ser afectado efectivamente para que haja punição, já que o mero perigo de que isso venha a acontecer é suficiente para a punição das condutas tipificadas no art. 227.º n.º 1 do Código Penal.

56.5. O crime de insolvência negligente tutela o mesmo bem jurídico-penal, que também é colocado em perigo quando ocorre a mera violação de deveres de prudência na gestão e conservação do património do devedor, garantia geral do cumprimento das suas obrigações jurídicas (art. 601.º do Código Civil).

56.6. Tanto um como o outro crime exigem que o agente do crime tenha tido a intenção de praticar as condutas proibidas, excepto no caso de devedores comerciantes em que a negligência grosseira é suficiente para a punição (art. 228.º n.º 1 do CP).

56.7. Estão em causa crimes de perigo abstracto, uma vez que a sua consumação não se verifica com a violação, efectiva, do bem jurídico tutelado (património dos credores), sendo suficiente o perigo de que venha a ser afectado por ser também afectada a garantia geral da satisfação dos direitos de crédito, constituída pelo património do devedor – cfr. secções 4 a 12 das presentes alegações cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

56.8. As condutas descritas no requerimento de abertura de instrução foram imputadas a D… e E… representantes da sociedade “C… & Filhos, Limitada”, agora insolvente, a título de dolo.

56.9. Conforme decorre do alegado nas secções 13 a 27 das presentes alegações, a ora recorrente cumprido todos os requisitos legais relativamente à alegação e preenchimento do tipo subjectivo do crime de insolvência dolosa.

56.10. A recorrente referiu e descreveu a existência de um acordo ou de uma actuação concertada dos sócios gerentes, D… e E…, que revelam a intenção clara de enriquecer à custa do prejuízo dos credores da sociedade “C… & Filhos, Limitada” – cfr. secções 16 a 19 destas alegações que aqui se dão por integralmente reproduzidas.

56.11. A assistente, ora recorrente, alegou e demonstrou uma motivação que justifica uma maior censura jurídico-penal, que era, através de esquemas de subfacturação, a de favorecer uma sociedade de que eram sócios e gerentes únicos (a “F…, Limitada”), em prejuízo da sociedade “C… & Filhos, Limitada”, cujo capital e lucros sociais tinham que dividir com outros três irmãos (G…, H… e I…) – ver secções 20 a 22 das presentes alegações que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.

56.12. No requerimento de abertura de instrução foi também cabal e suficiente alegada a ocultação de informação e a adulteração contabilística da insolvente, levada a cabo pelos sócios gerentes D… e E…, com a intenção de esconder dos demais sócios a verdadeira situação contabilística da sociedade e, por conseguinte, ocultar os actos lesivos para a sociedade que praticaram no seu próprio benefício – cfr. secções 23 a 26 supra que aqui se dão por integralmente reproduzidas.

56.13. Conforme decorre das secções 13 a 27 das presentes alegações, que se dão aqui por integralmente reproduzidas, a intenção e a motivação só podem ser exteriorizadas através de factos concretos, os quais foram devidamente alegados no requerimento de abertura de instrução.

56.14. Estes factos concretos constituem apenas prova mediata ou indícios, já que não é possível vislumbrar, na sua total extensão, o pensamento de quem comete um crime, a menos que ocorra uma confissão, o que não sucedeu no caso concreto.

56.15. Por essa razão é que se tem entendido ser suficiente a alegação de factos que caracterizem, de modo inequívoco, a vontade do agente do crime, para que possa ser alvo de censura jurídico-penal – vide Acórdão da Relação do Porto, de 4-02-2015, proc. n.º 470/13.7PAGDM.P1, Relatora Élia São Pedro, disponível em www.dgsi.pt parcialmente transcrito na secção 34 supra.

56.16. O entendimento de que a culpa só pode ser descrita através de fórmulas pré-definidas, aplicáveis independentemente do caso concreto, não contribui para uma boa caracterização da censura jurídico-penal a que o agente do crime deve estar sujeito e, além do mais, impõe um formalismo ao requerimento de abertura de instrução que o legislador não pretendeu que existisse (art. 287.º n.º 2 do Código de Processo Penal).

56.17. Acresce que, conforme se alegou nas secções 28 a 37 supra, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o requerimento de abertura de instrução não constitui, formalmente, uma acusação, nem obedece a formalidades especiais: a fase da instrução é uma fase facultativa do processo penal que, quando é iniciada pelo assistente, se destina a controlar a legalidade da decisão do Ministério Público, cabendo-lhe invocar as razões de facto e de direito da sua discordância.

56.18. Trata-se, como refere Germano Marques da Silva, não de uma acusação formal, mas sim de uma acusação implícita, o que foi feito pela ora recorrente – ver, em especial, as secções 30 e 34 das presentes alegações.

56.19. O facto de o Juiz de Instrução ter considerado que na fase de inquérito se realizaram todas as diligências necessárias ao apuramento da prática do crime de insolvência dolosa, considerando não existirem razões para a realização das múltiplas diligências instrutórias requeridas e, inexplicavelmente, esquecidas, não pode conduzir à rejeição da abertura da fase de instrução por inadmissibilidade legal, quando nenhuma das situações próprias desta inadmissibilidade se verificaram, conforme se alegou nas secções 38 a 50 que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.

56.20. A inadmissibilidade legal da instrução só se verifica quando não se justifica proceder ao controlo da legalidade da decisão do Ministério Público de acusar ou de arquivar, em situações como as referidas na secção 39 das presentes alegações que aqui se dá por integralmente reproduzida.

56.21. O legislador teve a clara intenção de limitar as hipóteses de rejeição da abertura da fase da instrução, em especial os casos de inadmissibilidade legal, pois concebeu esta fase processual como um direito disponível do arguido e do assistente, a quem cabe apreciar da oportunidade do controlo judicial da actuação do Ministério Público.

56.22. Como refere José Souto de Moura: “O n.º 2 do art. 287.º parece revelar a intenção do legislador restringir o mais possível os casos de rejeição do requerimento da instrução. O que aliás resulta directamente da finalidade assinalada à instrução pelo n.º 1 do art. 286.º: obter o controle judicial da opção do Mº Pº. Ora, se a instrução surge na economia do código com o carácter de direito, e disponível, nem por isso deixa de representar a garantia constitucional, da judicialização da fase preparatória. A garantia constitucional esvaziar-se-ia, se o exercício do direito à instrução se revestisse de condições difíceis de preencher, ou valesse só para casos contados.” 56.23. Pelas razões invocadas nas secções 41 a 43 supra, que aqui se dão por reproduzidas, a inadmissibilidade legal da instrução não pode ser confundida com a não delimitação do objecto do processo, que constitui pressuposto processual da instrução.

56.24. A alteração substancial dos factos ocorre quando, ao longo da instrução, devido às diligências instrutórias realizadas, se vêm a apurar factos que, além de consubstanciarem a prática de um tipo legal de crime diverso, ofendem um bem jurídico-penal também diverso – ver secções 44 a 46 destas alegações.

56.25. Porém, no requerimento de abertura de instrução foram alegados factos que integram, indiscutivelmente, o crime de insolvência dolosa, já que as condutas descritas importam uma diminuição real ou fictícia do património de um devedor, a sociedade “C… & Filhos, Limitada”, provocando uma situação de incapacidade económica, que coloca em perigo a satisfação dos direitos titulados pelos seus credores, assim como a intenção dos seus sócios gerentes D… e E… enriquecerem à custa dessa diminuição.

56.26. As condutas descritas integram-se nos esquemas fraudulentos referidos no art. 227.º n.º 1 e reportam-se a um plano comum dos sócios-gerentes D… e E…, que ultrapassava, em larga medida, os deveres de prudência na gestão e conservação do património, tutelados pelo crime de insolvência negligente.

56.27. Por...

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